Atravessei algumas vezes o grande chapadão ocidental da Bahia. Ao passar por ele, sempre tentei avistar uma certa Serra Geral que eu sabia existir a oeste. Mas nunca consegui ver sua crista. Até que, um dia, desci do chapadão para Goiás. Descobri então a razão deste enigma. Leia abaixo e veja como isto aconteceu.
Muitas formações no Brasil são chamadas de Serra Geral, desde o Sul até o Espinhaço. Esta é mais uma delas – que felizmente recebe também o ambicioso nome de Espigão Mestre. Acreditava-se no passado que ele seria a espinha dorsal do nosso relevo.
É um acidente enorme, desenvolvendo-se de forma sinuosa entre regiões que vão do Sudeste ao Nordeste. De sul para norte, começa na fronteira entre MG e BA, junto ao PN Grande Sertão Veredas, correndo longamente a seguir entre BA, GO e TO. Termina na divisa com o PI, onde está a Serra das Mangabeiras, que lhe é transversal. São cerca de 600 km – e, acredite, sem nenhuma serra!
E sabe a razão? Porque o Espigão Mestre é uma escarpa, à semelhança por exemplo da Serra do Mar. Ou seja, possui uma única parede (e não duas), separando as terras altas das baixas. No local onde o conheci, a escarpa tinha 200m de altura, entre o chapadão baiano a 900m e os baixos e acidentados terrenos goianos a 700m.
Mas nem sempre será assim, pois às vezes o desnível da parede sobe acima de 300m e, em outras mais ao norte, o Espigão é mais conceitual do que real, deixando a rigor de apresentar um degrau pronunciado. Em geral, não é uma formação elevada, sequer ultrapassando os 1.000m de altitude.
Integra o Planalto Central, que é um extenso bloco rochoso de formação cristalina muito antiga, sobre o qual se acumularam ao longo do tempo camadas sedimentares. É exatamente o arenito sedimentar, fraturado e vermelho que você encontrará nas paredes do Espigão Mestre.
O degrau do Espigão Mestre tem uma origem tectônica, relacionado a uma gigantesca descontinuidade ou sutura que vai da Bacia do Parnaíba ao norte até a do Paraná ao sul. Os geólogos gostam de chamá-la de lineamento transbrasiliano. Houve durante eras antigas a invasão de águas do mar pelo norte, o que explica a presença nesta província de rochas calcárias, desde o PI até MG – formadas pela deposição dos esqueletos marinhos.
O Espigão é um evidente divisor de águas entre as bacias do São Francisco a leste e do Tocantins a oeste. Para o primeiro correm os longos cursos do Carinhanha, do Itaguari e do Corrente. Para o segundo, os Rios Paranã e Sonho, além das águas formadoras da importante Represa Serra da Mesa.
Toda esta região é recoberta por um cerrado um tanto sofrido, que ora se apresenta denso, ora exibe campos de vegetação mais rala. Entretanto, nos chapadões a leste, a cultura de grãos em grandes propriedades tem crescentemente substituído a flora nativa. No vertente interior do Espigão a oeste, a atividade agropastoril acontece em pequenas fazendas. Esta movimentação está fazendo rarear a fauna de maior porte – felinos, primatas, roedores.
Aliás, se você chegar na região bem pelo leste, notará como o cerrado original foi derrubado para a formação de pastagens, que vão cedendo espaço para a soja, à medida que você avança para oeste no sentido do Espigão. Acredito que, no futuro, as culturas irão se deslocar para o norte, chegando até o MA e o PI.
Existem quatro reservas naturais neste território: os grandes PN das Nascentes do Parnaíba (720 mil ha), do Grande Sertão Veredas (230 mil ha) e da Chapada dos Veadeiros (sendo no momento ampliado para 240 mil ha), além do PE da Terra Ronca (60 mil ha). São todos recobertos pelo cerrado.
Dos três primeiros, só o último tem uma ativa visitação. Já Terra Ronca contém um notável conjunto de grandes cavernas calcárias com belas decorações, numa região muito promissora. Até onde sei, nenhuma dessas reservas dispõe de uma estrutura apreciável.
Não é um lugar de antiga ocupação, sem povoados históricos. As maiores cidades são apenas de porte médio e ligadas à cultura da soja, como Barreiras e Luis Eduardo (BA). A face interna do Espigão Mestre é habitada tão somente por pequenas vilas, que sobrevivem na lentidão do calor e da chuva.