Após 3 dias do desaparecimento de Ali Sapdara, John Snorri e Juan Pablo Mohr, chances de encontrar montanhistas com vida fica cada vez mais difícil.
Vinte dias após a conquista nepalesa do K2 em pleno inverno, o paquistanês Mohammed Ali Sadpara, junto com o chileno Juan Pablo Mohr e o islandês John Snorri partiram junto Sahid Ali, filho de Sadpara rumo ao topo da segunda mais alta e mais mortal montanha de 8 mil metros.
Muitas motivações estavam em jogo. Mohammed, tido como um dos melhores montanhistas paquistaneses, protagonista da conquista do também perigoso e difícil Nanga Parbat no inverno, tinha em seu currículo a escalada de 7 outras montanhas de 8 mil metros. Juan Pablo, promissor montanhista chileno de apenas 33 anos, estava indo para seu quinto 8 mil e desejava chegar ao topo para homenagear Sergi Mingoti, montanhista catalão com o qual o jovem chileno havia escalado boa parte das montanhas, morto nesta temporada do K2 depois de cair 700 metros. Snorri, com menos tempo de montanha, já havia escalado o K2 no verão e agora queria repetir o feito também no inverno.
Com problemas de congelamento no sistema de oxigênio suplementar. Sahid Ali abortou a tentativa de ir ao cume e regressou ao acampamento 3 da montanha. Em seu relato, traduzido pela revista Desnível, Ali conta como o último contato com seu pai e seus parceiros de escalada:
Começamos a subida às 11 ou 12 da noite. Enquanto subíamos, passamos pelos grupos da expedição Sherpa em descida. A cerca de 8.200 metros, no Bottle Neck, senti que não estava me sentindo bem, estava com falta de oxigênio [até aquele ponto Sajid e seu pai haviam subido sem usar oxigênio artificial]. Meu pai me disse para usar o oxigênio do cliente [John Snorri] porque tinha o suficiente. Quando eu estava ligando o regulador, o oxigênio começou a vazar porque não encaixava bem. Como eu não estava me sentindo bem, meu pai me disse para descer, enquanto eles subiam. Às 12 horas comecei a descer em direção ao acampamento 3, onde cheguei às 5 da tarde. Falei com o acampamento base e expliquei que meus companheiros estavam tentando chegar ao topo e que no dia seguinte desceríamos juntos. Eles não carregavam um telefone via satélite ou walkie talkie. Fiz chá e água quente e deixei a luz acesa para que eles pudessem encontrar a barraca. Fiquei a noite toda sem dormir, esperando por eles. De manhã liguei para acampamento base para avisar que ninguém havia chegado e o líder me disse que, por favor, eu tinha que descer porque o tempo ia piorar, eu estava cansado e poderia ser pior para mim. Ele me disse que enviaria um grupo de resgate do acampamento base.
No mesmo dia em que Ali desceu para o acampamento base do K2, um primeiro helicóptero do exército paquistanês sobrevoou a montanha sem nada encontrar. Após este primeiro voo, dois outros foram realizados sem nenhum sinal dos montanhistas. Em um deste voos, o piloto afirmou ter notado marcas de desmoronamento de placas de gelo no Bottle Neck, o trecho mais perigoso da rota.
Passado 3 dias do desaparecimento do trio, é pouco provável que eles sejam encontrados com vida levando em consideração a temperatura e os ventos que assolam a montanha desde então. Ali, filho de Mohammed, é cético:
Acho que eles chegaram ao cume. Devem ter sofrido o acidente na descida porque à noite começou a ventar muito. Faz dois dias que estão a oito mil metros, naquela altura do inverno não tenho esperança de que estejam vivos.
Mais fatalidades
O búlgaro Atanas Skatov faleceu no dia 5 de fevereiro durante a descida entre o campo 3 e o acampamento base do K2. Atanas foi parceiro de Sergi Mingoti, que faleceu no dia 16 de janeiro no K2 e Juan Pablo Mohr no Dhaulagiri em 2019. Eles foram parceiros do montanhista brasileiro Moeses Fiamoncini que sofreu um acidente naquela ocasião que quase lhe custou a vida.
Na mesma temporada, mas em outra montanha, o americano Alex Goldfarb também perdeu sua vida. Objetivo de Goldfarg era escalar o Broad Peak de 8047 metros, localizado na frente do K2.
Relação com montanhistas brasileiros
Como o montanhismo é um meio pequeno, é muito comum montanhistas de países diferentes se conhecerem pessoalmente. O maior feito esportivo de Juan Pablo Mohr foi ter escalado o Lhotse e depois o Everest sem oxigênio e sem ter descido para descansar. O cume do Everest foi alcançado ao lado do paranaense Moeses Fiamoncini, que acompanhou e ajudou Juan Pablo a superar a montanha mais alta do mundo sem o uso de oxigênio.
Fiamoncini postou em suas redes sociais mensagens de apoio ao amigo chileno. O montanhista brasileiro Pedro Hauck, que conheceu Juan Pablo em 2019 no Nepal, comenta como ficou surpreso com o talento do chileno.
“Conheci o JP no trekking à base do Everest e comentamos sobre o potencial de escalada em rocha ao longo da trilha, principalmente de um afloramento vertical e alto perto da entrada do Parque Sagarmatha, perto de Jorsale. Ele comentou que achou a parede bonita e ia dar uma olhada. Dias depois encontrei-o e ele me contou que havia conquistado algumas vias de escalada e que o grau dava algo perto de 8a (francês). Mais tarde o cara escalou o Lhotse e o Everest sem Oxigênio, entrando no Guiness por ter sido o primeiro a escalar ambas as montanhas sem oxigênio e sem descer para descansar, foi impressionante: Escalar alto nível na escalada esportiva e fazer alta montanha daquela forma.”
Juan Pablo completaria 34 anos no dia 9 de fevereiro. Arquiteto, ele havia conseguido financiamento para escalar a montanha mais alta de cada uma das 16 regiões do Chile e em cada uma desta montanha deixar um refúgio para incentivar a pratica de montanhismo em seu país.