De Laguna de Los Catorze hasta Circo de Los Altares
Distância percorrida: 27km
Tempo em movimento: 12h45
Acumulado de subidas: 848m
Como já imaginava que aconteceria, não dormi bem.
Por motivos óbvios, não fazia sentido carregarmos duas barracas (minha mochila já tinha uns 20kg com meia barraca), ou seja, eu e o guia Rafael dividimos uma barraca. O Rafael está longe de ser um estranho, estávamos convivendo a quase 1 semana, mas dormir numa barraca (bem pequena) é bastanteeee proximidade. Além disso, o Rafael ronca (desculpa contar publicamente Rafael rss).
Acordamos por volta das 7h30, o dia estava lindo, céu azul, sem vento. Sai da barraca para minhas necessidades básicas, lavei o rosto na água congelante, ou seja, acordei de vez.
Esquentamos água para nosso café e meu mingau de aveia. Além disso, comi um sanduiche pequeno (olhando agora penso: que bom que me alimentei bem. Como vocês verão no decorrer do texto toda essa energia foi primordial).
Coloquei minha “roupa de guerra”, escovei meus dentes, desmontamos acampamento e organizamos nossas mochilas. Por mais que tentamos ser ágeis, esse processo todo demora, ainda mais no frio matinal.
Iniciamos nossa subida por rochas em direção ao Glaciar de Los 14 (ou Glaciar Marconi), a porta de entrada para o Campo de Gelo Sur (ou Gelo Continental), por volta das 9h30. Na previsão inicial do Rafael chegaríamos ao Glaciar em 1h, mas a história não foi bem essa.
Chegando perto da subida final precisávamos escolher um caminho para subida. A orientação do Rafael estava baseada em totens (os quais ele chamava de pircas), acontece que muitas vezes esses totens não são tão visíveis (se confundem com a quantidade enorme de pedras para todos os lados) e também, na minha humilde opinião, não são garantia da melhor rota.
Lembro bem de nesse momento em especial. Lembro que avistei e comentei sobre uma escadinha que vi láaaa na frente. Para mim parecia o caminho que utilizaríamos para nossa subida, mas acabamos subindo bem antes. Era difícil para mim opinar sobre o trajeto, nunca estive por ali. Precisava confiar, afinal eu tinha um guia.
Iniciamos com uma escalaminhada em rochas, que aos poucos foi se tornando mais difícil. Em determinado momento, restava claro que dificilmente conseguiríamos voltar atras e escolher outro caminho, mas na minha cabeça eu ficava pensando: será que esse é o melhor caminho?
Seguimos insistindo. Lembro que comecei a ficar com medo. Estou bem longe de ser considerada uma pessoa experiente em escalada (fiz o curso de escalada em Rochas oferecido pela Soul Outdoor e ministrado pelo Pedro Hauck, mas não segui muito com a prática), mesmo assim segui me esforçando, por mais que estivesse cada vez mais difícil subir, ainda mais com uma mochila de uns 20kg nas costas.
Dei uma travada em alguns momentos e o Rafael me ajudou a transpor os obstáculos, mas chegou uma hora que não estava mais dando para mim, olhei para baixo, vi o nível de exposição em que me encontrava e travei, me grudei na rocha, com muito medo de fazer qualquer movimento.
Nesse momento, Rafael, vendo o quanto estava sofrendo, sugeriu adotarmos uma estratégia de segurança. Mesmo com dificuldade de me movimentar na posição em que estava, Rafael acessou minha mochila, pegou minha cadeirinha e capacete, conseguiu segurar minha mochila para que eu colocasse os equipamentos, me prendeu com sua corda e passou a transpor os obstáculos, encontrar um ponto de segurança para prender a corda para que assim eu pudesse subir. Lembro que o próprio Rafael teve dificuldade de transpor algumas passagens (tipo canaletas), principalmente por conta da mochila pesada.
Não preciso dizer que dessa forma nossa subida demorou muitoooo mais do que a 1h prevista.
Chegando ao topo, onde avistamos de verdade o glaciar Marconi, mas ainda foi necessário caminhar um pouco mais até encontrarmos um ponto factível para adentrarmos ao glaciar. Eram 13h e eu já estava exausta, a parte da escalaminhada foi bem desgastante para mim (do início da escalaminhada/escalada até ali demoramos cerca de 3 horas).
Antes de adentrarmos ao glaciar nos hidratamos, comi um wafer de proteína e nos equipamos com botas rígidas, crampons, piolet e capacete. A subida não é tão longa, mas para mim teve uma etapa de adaptação ao novo equipamento, no caso o crampon.
No fim da subida estamos literalmente no Paso Marconi. Por ali, por se tratar de um gelo mais instável, nos encordamos.
O grande risco desse dia era a possibilidade de a neve estar muito fofa e afundarmos muito. Isso seria um problema já que, devido a previsão de frio, optamos por não alugar raquetes de neve (que nos adicionariam mais uns 4kg). Acontece que tínhamos previsão de entrar no gelo muitooo mais cedo, o que não aconteceu. Enfim, a neve estava um pouco fofa, em alguns momentos afundamos um pouco, mas deu para seguirmos.
Por ali também, comecei a lidar com uma nova questão, como simplesmente seguir diante de tanta beleza. Minha vontade era de filmar, fotografar, o tempo todo. Seguimos por horas com vistas panorâmicas das montanhas Fizt Roy, Pier Giorgio, Gorra Blanca e Volcão Lautaro.
Ficava pensando: meu Deus, quando vou poder estar aqui de novo? Poxa, Rafael já esteve por aqui várias vezes, mas eu não, preciso de recordações.
Acabou que numa das tentativas de fazer uma filmagem, estando caminhando com crampon e encordada, pisei num buraco (neve fofa, recente) e torci meu pé. Gritei e cai no chão de dor. Quem me conhece bem sabe que eu tenho uma grande questão com meu pé direito, que inclusive vai ser operado por agora. Então sempre que isso acontece, por mais que eu consiga lidar com a dor, pela qual já passei inúmeras vezes, sofro muito, por aquilo estar se repetindo mais uma vez, por saber que meu pé vai ficar cada vez pior e tudo mais.
Rafael me socorreu, mas não me deu muita chance de chorar e lamentar, seguimos caminhando.
Por volta das 15h30 paramos para almoçar, já estava verde de fome. Quem me conhece bem também sabe como lido com comida e com passar fome, fico supeeeeer mal-humorada, ou seja, Rafael não sabe o risco que correu (rss). Brincadeiras a parte, eu estava com a cabeça muito boa, e também estava certa de que, estando apenas eu e o guia, não poderíamos em hipótese alguma nos desentender, me mantive estável todo o tempo (mesmo nas situações mais desafiadoras).
Seguimos caminhando no gelo em busca do Circo de Los Altares, que as vezes parecia perto, mas ao mesmo tempo parecia cada vez mais longe.
Passadas mais algumas horas caminhando no gelo comecei a entender que as distâncias naquele ambiente têm outra proporção. Tudo é tãoooo imenso que quando avistamos algo que parece perto, tipo uma ilhazinha de pedras no meio do gelo, na verdade ela está a hooooras de distância (a parte boa é passamos horas caminhando com o visual do Fitz Roy).
Seguimos caminhando infinitamente no gelo. Passado o gelo mais fofo começamos a ter que transpor muitas gretas, que nesse primeiro dia no gelo pareciam enormes (amanhã vou entender que definitivamente não eram).
Algumas pessoas me perguntam sobre o frio, mas nesse dia em específico teve momento em que caminhei de camiseta. Sem contar que tive que colocar um chapéu e me protege com muito protetor solar (usei um protetor labial do Rafael maravilhoooooso, que deixou a boca toda branca rss).
Já eram quase 19h (nessa época o sol se põe por volta das 21h30 na região), o Circo de Los Altares parecia perto, mas não chegava nunca.
Não estávamos mais encordados, e Rafa seguia num ritmo forte. Como havíamos parado pouquíssimo durante o dia (ainda era o segundo dia e eu ainda achava que teria algum arrego), como teve todo o stress da escalaminhada, eu já estava bem cansada.
Teve momentos em que ele se afastava um pouco e eu seguia me esforçando para me manter próximo. Em uma dessas tentativas arreguei, pensei: que saber, vou curtir um pouco (essa ideia baseada no fato que realmente parecíamos muito próximos do Circo de Los Altares). Já passava das 21h, o sol estava começando a se pôr, e eu pensei: ahhhh estamos chegando, que lindo. Tirei foto, filmei.
Acontece que eu seguia tendo ilusão de ótica, ainda demoraríamos mais de hora para chegar.
Rafa me esperou, seguimos juntos e constatamos que não chegaríamos antes de escurecer. Pegamos nossas lanternas.
A preocupação maior é que quanto mais perto “de terra” maiores as gretas no gelo e, obviamente, no escuro tudo fica ainda mais difícil.
Estávamos bemmm perto do Circo de Los Altares quando escureceu de vez. Optamos por seguir por terra (não é bem terra, mas dá uma sensação de maior segurança). Já passava das 22h, acho que não preciso dizer que estava exausta. Perguntei para o Rafa: e agora? O comentário foi que ele que não sabia exatamente onde estávamos.
Seguimos caminhando em meio as pedras, com o intuito de encontrar um local para acampar, mas o cenário não era muito promissor, pedra e gelo para todo lado.
Deus é grande!
Avistamos 4 barracas. Nos aproximamos e começamos a tentar um espacinho por ali. As barracas estavam sobre lonas, ou seja, protegidas do gelo. Nosso cenário seguia meio desolador, pedras e gelo.
Na falta de opções, optamos por um espacinho mínimo ao lado de uma das barracas, o que só deu certo porque o clima estava muitoooo propício, nada de vento (seria muito difícil esticar de verdade a barraca por ali).
Não preciso dizer que mesmo nos esforçando para sermos silenciosos fizemos barulho e certamente acordamos os vizinhos, mas era uma emergência e não tínhamos o que fazer.
Depois de montarmos a barraca, focamos em resolver outro problema urgente, a fome. Preparamos nossa sopa de cebola com miojo, seguida de miojo com atum e estava tudo muitoooo delicioso (nada como o tempero da fome).
Já era quase 1h da manhã, mas antes de dormir ainda apreciei a lua que iluminava muito bem o Circo de Los Altares. Agradeci por estar bem e por ter um local quentinho para dormir.
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