Mosquetão de Ouro 2024 – Desclassificados

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25/5, 6h12. Site da premiação Mosquetão de Ouro. Assim tomei conhecimento do ocorrido. Nesse momento nenhuma informação adicional, justificativa, ou similar.

Eu, no lar paterno, no acolhimento familiar, buscava digerir a notícia. O Douglas Garcia, em trânsito para conhecer e prestigiar o primeiro dia da ATM 2024 , saberia no ônibus, já na chegada à capital carioca.
Ao longo do dia, as informações surgiriam aos poucos. Houvera uma denúncia, por parte da Associação de Proprietários da Serra Fina (APSF) e da empresa gestora (Ruah!) de acesso irregular aos cumes com abertura de trilhas, causando impacto ambiental. Pelo que teríamos sido “punidos” com o cerceamento do acesso à área. Fomos questionados se houvera o cuidado de solicitar autorização prévia para acessar esses cumes, e ante a resposta negativa de nossa parte, a Comissão do Mosquetão de Ouro e a Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada entenderam que a desclassificação era devida, nos franqueando a oportunidade de registrarmos nossa posição a respeito. Respeitamos a decisão soberana da organização por entender que a discussão sobre o ocorrido não seria adequada para o momento.

A equipe Malucos do Amantiki

Reproduzo ipsis litteri, a síntese lida imediatamente antes da divulgação dos vencedores, a quem aproveito para parabenizar.

“Cumpre ressaltar que os cumes acessados são de tradicional frequência do público montanhista, com visitações documentadas prévias à criação da APSF/RUAH!, que de forma arbitrária e autocrática “proibiu” seu acesso. Os relatos de travessais anteriores estão disponíveis tanto na rede social Facebook, quanto nos sites Mochileiros.com e AltaMontanha. À título de exemplo, o caderno de cume do CT anotava registros de passagens desde 1982, instalado pelo CERJ/CEB. O CAP tem também histórico de passagens anteriores pela maioria dos cumes. Não abrimos trilhas, fizemos vara-mato e ligamos lajes rochosas.“

Passado o calor do momento, é hora de nos determos sobre o assunto, de forma madura e responsável, visando o engrandecimento do Montanhismo no Brasil.

A travessia Serra Fina Full (SFF), objeto de votação e desclassificação é anterior à criação de ambas as organizações denunciantes. Foi executada, pela primeira vez em 2019, após anos de incursões de mapeamento dos pontos de passagem e seus acessos viáveis, estudo dos relatos dos colegas que nos precederam nesses cumes, instalação e manutenção dos diversos tubos de cume. Os livros são ferramentas de crucial importância para o manejo consciente das trilhas, permitindo que se avalie o afluxo de montanhistas, suas origens e motivações. Também desempenha papel determinante para as eventuais operações de busca e resgate, salvando vidas e minimizando o impacto ambiental. É nesses registros que se basearam os denunciantes para avaliar o crescimento, quase que geométrico, do afluxo aos cumes da SF Clássica. A necessidade de ordenar a visitação funda-se nos problemas e impactos, inegáveis e deletérios, constatados com a visitação descontrolada. Entendemos e apoiamos a ordenação.

Livro de cume do Cabeça de Touro – CEB – 2019

 

 

No processo de mapeamento dos cumes e implantação dos cadê os de cume, entendemos que apenas isso era “pouco”, frente a complexidade do que pretendíamos. Nos cumes mais distantes, os tubos de cume, não contam apenas com o trio caderno, caneta e lápis para registros de passagem. Também deixamos, em cada um deles, cobertores de emergência, sachês de mel, um toco de vela, um pequeno isqueiro bic protegido. Que nunca sejam demandados, mas se em algum momento ocorrer seu uso por necessidade, o peso extra que levamos terá se mostrado desprezível ante a integridade de um colega montanhista.

No processo de implantação da SFF, implantou-se tubos de cume nas montanhas, com cadernos e canetas para registro da passagem. Disponibilizando para os gestores do complexo, importante base de informações para as ações de manejo e controle. As montanhas mais próximas, Pico do Avião (São João Batista) e Tartarugão foram os primeiros. Na sequência Ruah Norte e Ruah Leste, indevidamente denominado “do contorno” pelos denunciantes, haja vista existir denominação anterior conhecida (relato SFF em 3 dias). O espírito do montanhismo funda-se na boa fé dos praticantes, pelo menos até prova contrária. O primeiro registro que dispúnhamos de acesso à ambos era por parte do Tacio Philip (2013) e fizemos questão de registrar a denominação por ele dada.

caixa de cume do Cabeça de Touro – histórica

Não foi aberta “trilha” aos cumes por visceral convicção dos integrantes do grupo, de minimizar o impacto da passagem. O acesso foi feito varando mato, desembaraçando capins e dobrando os galhos dos arbustos.
Dos cumes da travessia “clássica” estudamos as encostas a serem galgadas e mapeamos as lajes rochosas disponíveis, de forma a tornar o vara-mato mínimo. Igual cuidado não foi tomado pelos denunciantes, que optaram por abrir uma passagem ao cume do Ruah Leste “do Contorno” com a supressão da vegetação de encosta, sem ziguezaguear de laje em laje. Poderiam tê-lo feito. Alegar desconhecimento não se sustenta, uma vez que se arvoraram “gestores” de uma travessia histórica em montanha.
A sequência de cumes seguintes, denominados Camelos pelo conjunto de corcovas rochosas, é uma extensa sucessão de promotórios rochosos com breves trechos de vegetação arbustiva a separá-los. Nesses, a escolha foi pela instalação dos tubos nos cumes pares, “saltando” os ímpares. Objeto de escalada exploratória dos colegas Felipe Dias e Vinicius em 2013.

Em julho/19, no evento do corredor de montanha que ao descer da PM em direção ao Vale do Ruah desorientou-se e seguiu em direção aos Camelos, sendo apanhado pela noite num local ermo e sem condição de mobilização de aeronave para resgate. Ao tomarmos conhecimento do ocorrido, informamos à coordenação das operações de busca/resgate a presença próxima de um tubo desses, com os materiais citados, algo que poderia fazer enorme diferença no desenlace do caso.

Concretizada essa etapa no fim de 2018, passamos às tentativas de ligar todos os pontos pretendidos em uma única pernada. Quase o fizemos em 4 dias, quando por prudência frente ao nevoeiro de final de tarde/início da noite abrimos mão de subir o Ruah Norte.

O feriado seguinte, de apenas três dias trazia consigo a dificuldade adicional de otimizar sensivelmente o tempo despendido na primeira tentativa, criando a “margem” para reduzirmos um dia e acrescermos uma montanha ao total. O cume em questão era o Ruah Norte, talvez o que dispõe de menor quantidade de lajes rochosas e demanda mais suor para alcançar o cimo.
Ocorreu a pandemia de COVID19, o fechamento da SF e o incêndio. Durante as operações de combate ao incêndio, o MDA esteve presente em duas oportunidades. Sob acordo prévio com a coordenação dos esforços de resposta, previu-se uma cozinha de campanha para os combatentes no alto da Pedra da Mina, pela centralidade em relação aos combatentes empenhados. Durante a execução, a coordenação solicitou que alternássemos para o cimo do Deus me Livre (Enganador). Com a evolução do cenário nos tornamos ponto de comunicação fazendo chegar informações em tempo real para a coordenação. Isso no FDS. Dois dias depois, voltei para auxiliar o Rodrigo Souza no guiamento da equipe de bombeiros de SP, pelo Rio Claro, com o intuito de abrirem acero ou área de reabastecimento para os helicópteros que faziam a aspersão d’água nas chamas.

Criou-se a APSF e, na sequência, institui-se a Ruah! para gerir o processo de visitação. De forma arbitrária e autocrática, decidiram quais cumes seriam “acessíveis” e quais seriam “proibidos”. Tal iniciativa não considerou os aspectos histórico/tradicional ou esportivo dos caminhantes na serra. Não houve consulta a montanhistas que frequentam o lugar há anos, facilmente identificados pelos diversos livros de cume da própria travessia clássica que recolhemos para a devida guarda, instalando outros durante as nossas passagens quando necessário.

Livros de Cume

O sistema de visitação implantado, com o comércio de ingressos através de site, apresentava opções finitas: travessias de 2, 3 e 4 dias. Optamos pelo ingresso disponível mais extenso em dias, ainda que usaríamos muito menos que as “96 horas” nominais. Não havia no site alternativa para pacotes customizados e frente à incerteza quanto à permissão haja vista a já citada postura arbitrária dos denunciantes, optamos por não questionar.
Registro, e é de notório conhecimento dos frequentadores da SF a grande dificuldade de contato com a Ruah!, que à época atribuímos inicío das atividades. Foi um ponto que contribuiu, em muito, para nossa decisão do não questionar.

Uma rápida busca no Wikiloc retorna 12 registros de passagens pelo Tartarugão, o mais antigo de 2010. No cume do Cabeça de Touro, o livro era de 1992, instalado pelo CEB. Vê-se claramente que as incursões a esses cumes são tradicionais no montanhismo. Estando prejudicadas por um fechamento arbitrário, discricional e autocrático. A isso não nos curvamos.

Artífices da SFF (ano)

Adilson Cypriano (2017/2018)
Areli (2019)
Douglas Garcia (2017/2018/2019/2023)
Erick Fernando(2023)
Guilherme Wilian (2023)
Joao Siqueira (2017/2018)
Marinaldo Bruno (2019)
Rodrigo Oliveira (2019)
Rogério Alexandre (2018/2019/2023)
Vilmar Gomes “Dindo” (2023)
William Marcelino (2023)
Zagaia (2019)

 

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6 Comentários

  1. VInicius Cabrito em

    A questão da invasão de propriedade privada sem autorização é um tema complexo que frequentemente expõe a hipocrisia e a demagogia presentes no discurso público e político.

    Hipocrisia surge quando indivíduos ou grupos que defendem a inviolabilidade da propriedade privada, em outras situações, apoiam ou toleram invasões por razões que lhes convêm. É comum ver pessoas que pregam a legalidade e o respeito às leis, mas que fecham os olhos ou justificam invasões quando estas estão alinhadas com seus interesses ou ideologias. Este comportamento contradiz a ideia de que as leis e os direitos são universais e devem ser respeitados independentemente de circunstâncias ou conveniências pessoais.

    A invasão de propriedade privada é, sem dúvida, uma violação dos direitos dos proprietários e deve ser tratada com seriedade. No entanto, abordar este problema de forma justa e eficaz requer mais do que discursos inflamados e soluções superficiais. É necessário um compromisso verdadeiro com a justiça social, o desenvolvimento econômico inclusivo e a aplicação imparcial das leis. Só assim será possível reduzir a hipocrisia e a demagogia e encontrar caminhos para uma convivência mais harmoniosa e respeitosa entre todos os cidadãos.

  2. Parabéns pela caminhada pela Serra Fina, mas ignorem “mosquetão de ouro”, “associações”, “empresas gestoras” e “portais de montanhismo”, todos só querem firulinha e monetizar. Subam montanhas, façam travessias, explorem cumes fora dos “pacotes ecoturísticos” e nem percam mais tempo divulgando. Montanhismo “ecoturistou” e agora é palco para “selfie”. A melhor coisa a fazer é planejar seus roteiros, suas trilhas e completá-los sem dar satisfação 😉 abs!

  3. O “donos da montanha” proibem montanhistas de subirem aos cumes menos populares com a desculpa conservacionista, mas fazem roçadas com roçadeiras nas trilhas com a desculpa de acessibilidade. Infeliz Brasil

  4. Gian Naressi de sa em

    Discordo totalmente da associação da Serra Fina e da Ruah de fechar a serra fina como se fossem donos. Se seguirem assim, daqui a pouco vai aparecer uma pseudo associação querendo fechar agulhas Negras, pico dos Marins, Itaguare, etc….

  5. Jean Michel Nogueira Gonçalves em

    Ruah e uma empresa que só visa lucros desrespeitando a lei do turismo e cobrando de guia cadastur

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