Montanhista será julgado por Homicídio Culposo após falhar no resgate da namorada em montanha austríaca

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O tribunal de Innsbruck na Áustria se prepara para julgar o montanhista Thomas Plamberger, de 36 anos, acusado de homicídio culposo e por negligência grave pela morte de sua namorada, Kerstin Gutner, de 33 anos. A tragédia ocorreu no auge do inverno alpino, em janeiro de 2025, no Grossglockner, a montanha mais alta da Áustria. A acusação foca nas falhas de planejamento e na conduta de Plamberger após Kerstin sucumbir à hipotermia a poucos metros do cume.

A Rota e a Ambição do Splitboard

Kerstin Gutner, fonte: facebook

A expedição tinha um objetivo claro, comum entre os esportistas de neve: alcançar o cume para realizar uma descida técnica de splitboard. Kerstin, embora praticante de snowboard, era uma novata no montanhismo de alta altitude, contando com a vasta experiência de Thomas Plamberger para liderar a jornada.

O Splitboard é uma prancha de snowboard que se divide em dois esquis curtos para subir montanhas nevadas. É o equipamento central do Splitboarding, uma modalidade de snowboard backcountry que une a descida em snowboard com a mobilidade de escalada do esqui de travessia.

Eles escolheram a Stüdlgrat, uma rota alpina classificada como técnica e exigente. A necessidade de atravessar trechos de rocha e gelo faz desta rota um desafio severo, especialmente no inverno, e exige o máximo rigor em planejamento e equipamento.

O Cenário de Inverno Extremo

O incidente ocorreu durante as horas mais críticas da madrugada de janeiro. As condições meteorológicas eram extremamente adversas e não permitiam margem para erros: a montanha estava sob ventos tempestuosos que atingiam 74 km/h, e o frio era mortal. A sensação térmica, intensificada pelo vento, caiu para cerca de -20°C, uma temperatura que pode causar hipotermia e levar à morte em poucas horas de exposição sem proteção adequada.

Grossglockner. Fonte: Wikmedia commons

A Série de Erros Fatais e o Colapso da Vítima

A promotoria argumenta que a tragédia foi uma consequência direta da negligência de Thomas Plamberger, que ignorou o dever de cuidado para com sua parceira novata. De acordo com o Ministério Público da Áustria, o colapso da vítima foi resultado de uma combinação de fatores críticos. Primeiramente, o início tardio da ascensão, com um atraso de aproximadamente duas horas em relação ao planejado, forçou o casal a enfrentar a etapa mais perigosa da escalada sob condições adversas de frio intenso e escuridão noturna.

Um segundo fator crucial foi o uso de calçado impróprio. Plamberger permitiu que Kerstin Gutner usasse botas macias de snowboard. Esse tipo de calçado era inadequado para o acoplamento seguro de crampons (grampos de gelo) e, o que é mais grave, não forneceu o isolamento térmico necessário para o gelo de janeiro, comprometendo seriamente a capacidade motora da vítima.

Por fim, o colapso final ocorreu à 00:30, a apenas 50 metros do cume, quando Kerstin Gutner desabou, sucumbindo à exaustão e a um quadro severo de hipotermia.

O Abandono e a Busca Desastrosa por Socorro

O erro fatal de Plamberger ocorreu após Kerstin desmaiar. Às 02:00 da manhã, ele a abandonou para buscar ajuda, o que resultou na acusação mais grave: Abandono Sem Proteção. O montanhista é acusado de ter deixado Kerstin sozinha por mais de seis horas, sem usar equipamentos de emergência cruciais, como o saco de bivaque e cobertores de resgate. Essa falha em fornecer proteção mínima contra o frio é considerada um fator que poderia ter salvado a vida dela.

Além do abandono, Plamberger é acusado de Comunicação Falha. Ele teria falhado em acionar o resgate de forma eficaz e tempestiva. Embora terceiros já tivessem alertado as autoridades anteriormente, o montanhista inicialmente negou a emergência. Quando finalmente contatou o resgate, ele teria ocultado a real gravidade da situação e dificultado a comunicação, atrasando a mobilização completa das equipes.

As equipes de resgate só conseguiram chegar até Kerstin Gutner às 10:00 da manhã, encontrando-a já sem vida.

O julgamento de Thomas Plamberger está marcado para fevereiro de 2026 em Innsbruck e servirá como um lembrete austero do dever de cuidado que rege a parceria em ambientes de montanha, mesmo entre amigos e casais.

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Sobre o autor

Natural de Itatiba-SP e residente em Curitiba-PR desde 2007, Pedro Hauck é uma figura proeminente no montanhismo brasileiro. Sua formação inclui graduação em Geografia pela Unesp Rio Claro e mestrado em Geografia Física pela UFPR. Com uma carreira de mais de 27 anos, ele é guia de montanha profissional e instrutor de escalada credenciado pela ABGM, a única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Seu currículo inclui a ascensão de mais de 180 montanhas acima de 4 mil metros, com mais da metade ultrapassando os 6 mil metros, além de um pico de 8 mil metros no Himalaia e dois de 7 mil. Pedro Hauck também atua como empresário do setor outdoor, sendo sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conceituadas lojas de montanhismo do país, da Via AltaMontanha, um dos maiores ginásios de escalada de Curitiba, e da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão, trekking e cursos de montanhismo. Acompanhe Pedro Hauck no Instagram: @pehauck.

1 comentário

  1. importante acompanhar. Permite refletir sobre as cautelas necessárias para situações de risco, que naturalmente margeamos nas atividades outdoor sob condições menos favoráveis (mais frequente do que muitas vezes se supõe) e, também dissimetria de conhecimentos e experiências

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