A Cachu do Urubu

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O Córrego do Poço Fundo é um dos vários cursos d’água que nascem nos serrotes ao sul da pacata São João del Rei, que posteriormente se juntam pra formar o Córrego Água Limpa, que por sua vez cruza a cidade histórica mineira antes de morrer no Rio das Mortes. Mas antes de tudo isso o Córrego do Poço Fundo forma várias quedas e piscinas refrescantes em seu sinuoso e acidentado trajeto, como a Cachu do Urubu. Balneário natureba este que eu e a Lau fomos visitar num bate-volta de aproximadamente 15kms bem andados, mas que refrescou com delicioso banho o calor infernal que se debruçou em São João del Rei durante nossa breve, porém proveitosa, passagem por lá.

Já tinha entrado em acordo com a Lau que nossa trip mineira alternaria um passeio cultureba tradicional com rolê no mato, eventualmente intercalando algum dia de descanso pra reposição de energias. E assim foi. Havíamos chegado a pouco na pacata São João del Rei e o dia anterior havíamos feito um pente fino completo por todas suas igrejas e casarios históricos, isso sob um sol e calor dos infernos! Agora era hora de curtição com banho natureba no mato, e a dica foi a cachu do Urubu, que coincidentemente estava situada ao sul da cidade, ou seja, perto de onde estávamos hospedados. Então aí fomos nós!

Sem muita necessidade de levantar cedo, por volta das 9hrs começamos nossa chinelada a partir do pacato bairro de Bom Pastor, tocando sempre pela Av. Josué de Queiroz na direção sul. O dia raiara lindamente comecinho da manhã e sem nenhum vestígio sequer de nuvens no firmamento, e a promessa era que o calor atingisse altos níveis no decorrer do período, assim como nos dias anteriores.

Em coisa de meia hora pisamos nos limites da cidade, mais especificamente no trevo do Eloi, ás margens do asfalto da Rod. Miguel Batista (BR-265). Cruzamos pro outro lado e tomamos a poeirenta via de chão que se pirulitava na direção sudeste, deixando os últimos vestígios de urbe pra trás. Subindo suavemente uma colina sob a fiação de alta tensão cercada de capinzal, de repente um furão (ou algo parecido) passou bem na nossa frente, pra nossa surpresa. “Você viu?”, perguntou a Lau pra mim. “Só o rabo se embrenhando na mata!”, respondi, pois estava mais prestando atenção ao meu precário mapinha do que á estrada. “Pena que não tava com minha máquina a postos..”, finalizou a Lau.

Tocando pela serrinha

No alto da colina já sentíamos o sol brilhando com força, nos obrigando a colocar chapéu e boné, enquanto ao sul as vistas se ampliavam de tal forma que permitia visualizar a morraria descampada daquele quadrante, salpicada por um ou outro vale e alguns focos de reflorestamentos. Cruzamos um trecho precariamente sombreado por uma fileira de eucaliptos, tangenciamos a entrada de algum futuro empreendimento e finalmente chegamos numa trifurcação de relativa significância: seguindo pela esquerda avançaríamos pela cumieira dos morros seguintes enquanto pela direita se chegava ao mesmo local, mas por vales mais baixos. Mas como estávamos bem dispostos resolvemos ir pela primeira opção.

Visu da Serra de São José

Cruzamos então uma porteira e assim fomos ganhando suavemente altitude pelas abauladas corcovas serranas que se seguiram, enquanto alguns cavalinhos paravam de pastar pra nos observar, curiosos. Sempre por terreno descampado, a paisagem ao redor revela uma sucessão de vales e morros pro sul, mas meu olhar é mesmerizado pelo recorte escarpado escancarado ao longe, a nordeste, que nada mais é a Serra de São José e a charmosa Tiradentes a seus pés. Com algum esforço, olhando pra trás, á noroeste, é possível vislumbrar a silhueta da Serra do Lenheiro elevando-se sobre a urbe do centro histórico de São João del Rei.

Deixamos o caminho pela cumeiria quando este vira forte pra leste, onde tomamos um carreiro que desce a encosta na direção sul, indo de encontro os vales seguintes. Se até lá havíamos ganho mais de 100m de desnível é exatamente isso que perdemos num piscar de olhos, num precário trilho repleto de pedras soltas que demandam atenção redobrada. Cupinzeiros, vegetação arbustiva e cursos d’água secos estão entre os obstáculos fáceis de contornar durante essa descida morosa, porém compassada.

Cruzando o Córrego da Ponte

No fundo do vale chapinhamos pela nascente do Córrego da Ponte e na outra margem tomamos uma vereda que toca pro leste, bordejando um extenso bosque de reflorestamento. Caímos então nos fundos de uma pequena fazendinha, onde nos agarramos a uma estrada de chão que nasce dela e nos deixa numa estrada maior, que parece ser o acesso á queda pra quem vem motorizado pra este cafundó rural de São João. Caminhando então pela supracitada via sob a sombra de eucaliptos perfilados, que nos deixa de fato na entrada oficial da cachoeira, onde uma plaquinha bem simples aponta o inconfundível rumo a ser tomado. Pronto, guardei então meu croquizinho e bússola e ali fomos nós.

A trilha cruza uma matinha e uma pequena porteira, pra dali tocar pra sudoeste já em campo aberto enquanto o capinzal dança ao vento. Mas logo não demora pra começar a descer finalmente em direção ao vale do Córrego Poço Fundo, bordejando a suave encosta dum morro. Descida esta bem tranquila onde a cada passo dado o rugido de muita água aumentava cada vez mais aos ouvidos. As pedras soltas e o chão composto de quartzito fofo (e esfarelado) redobram nosso cuidado, mas nada assim do outro mundo.

Caminho bem florido

Cruzando outro pequeno vale

Descendo pro vale do Córrego Poço Fundo

E assim, por volta das 11:30hr e com sol estalando sob nossas cabeças, chegamos num belo e maravilhoso remanso onde o rio supracitado despejava suas água mansas numa furiosa cascata que por sua vez formava caldeirões sucessivos, num aprazível balneário de rochas e lajedos. O atrativo de piscinas e banheiras culmina num grande lago de água cristalina e translúcida, onde o córrego depois seguia seu sinuoso curso pra noroeste pra desaguar – depois de juntar suas águas aos Córregos do Morro Grande e da Ponte – no Córrego Água Limpa. E assim permanecemos boas horas ali curtindo aquele recanto paradisíaco reservado exclusivamente pra gente, sem ninguém mais, alternando tchibuns, beliscadas de nosso lanche e novamente mais tchibuns, não necessariamente nessa ordem. Fiquei surpreso por não encontrar lixo algum, e isso é de se espantar quando se trata de um lugar de fácil acesso. Outra dúvida foi com relação ao nomenclatura da queda, uma vez que não vi sinal da ave que empresta seu nome ao lugar.

Cascatinha do Urubu

Balneário natureba

Piscinão

Pois bem, o celular devia marcar pouco antes das 14hrs quando decidimos que já era hora de respirar fundo afim de buscar ânimo pra retomar chinelada de volta. Pro retorno optei por seguir por outro caminho de modo a contornar os vales e serrotes palmilhados na ida, pra assim ter uma paisagem diferenciada. Deixamos o vale então com sol martelando nossas cabeças, dando adeus aquele pitoresco balneário rochoso, e voltamos até o comecinho da trilha. No caminho trombamos com um trio de jovens que ia se refrescar nas cachus, cunhando nossa decisão de zarpar naquele horário. “E aí? A água ta boa?”, perguntaram pra gente. “Ô se tá… tá fria mas ideal pro calorão de hoje!”, respondemos.

Essa aí tava tomando sol

Tchibum no complexo Urubu

Pois bem, ali tomamos a estradinha de terra supracitada e seguimos por ela na direção oeste, passando por uma fazendinha e focos de reflorestamento.O caminho começou a descer suave e quando abandonou a sombra deixamos a estrada (que prosseguia pra oeste) por uma pequena vereda que descia pro vale ao norte, acompanhando um precário aqueoduto. Chapinhamos novamente pelo Córrego da Ponte, onde aproveitamos pra molhar a cabeça, pra depois pegar um caminho que subia fortemente pro norte. No alto, a vereda se transformou numa estrada que seguiu em nível, passou por uma pequena subestação de água, duas ou três pequenas fazendas e onde tropeçamos com uma arisca seriema. Devagar e sempre, o caminho começou a subir e finalmente desembocamos naquela trifurcação da ida. Dali bastou refazer o restante do caminho até cair novamente no asfalto da BR-265 e, meia hora depois, no aconchego de nosso pouso provisório naquela pacata cidade mineira. Horário? Pouco antes das 16hrs!

Antigo aqueoduto

Apenas pra finalizar este breve relato, gostaria de reiterar que este aprazível balneário natureba é apenas um dos vários existentes ao largo do sinuoso trajeto do Córrego Poço Fundo, antes de morrer no Córrego Água Limpa. Acompanhando o curso do referido ribeirão (na direção norte) é possível ainda encontrar mais cascatas e piscinas, inclusive uma queda de 3m de altura, que só não visitamos por puro desconhecimento. No entanto, pra quem já se encontra satisfeito num lugar paradisíaco desses essa sugestão serve apenas de bônus, um complemento a mais pra quem estiver de passagem por São João del Rei. Portanto fica então a dica.

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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