A direita, a aresta de Zmutt, com uma extremidade negativa, à esquerda, a aresta de Furggen se termina em escarpamentos incríveis e, somente elas, estas duas arestas, parecem resumir tudo o que a natureza pode oferecer tanto de grandioso, como de equilíbrio. E é preciso acrescentar a aresta do Hornli, que desenvolve sobre 1.500 metros de altura sua arquitetura de precipícios.
Visto de vale de Tournanche, na Itália, a quarta aresta e seu ressalto, dito “de la Becca”, dão à montanha um aspecto estranho de um leão deitado. Dentre todas as montanhas, poucas encarnam melhor a idéia de um cume inacessível e hostil da qual só a simples visão é suficiente para desencorajar os mais audaciosos.
Durante muito tempo, guias de Zermatt, de Breuil, viajantes, e alpinistas atravessavam o colo do Theodule ao pé. Da aresta de Furggen sem ousar pensar que um dia viria um homem que poderia vencer o terrível cume. A fama do Matterhorn em meados dos anos 1800 era a de que ele era impossível de ser escalada, o que só atiçaba a vontade dos melhores montanhistas da época.
Em 1860, no entanto um jovem inglês de nome Edward Whymper aparece em Zermatt. Ele era um desenhista de pouco renome, mas grande talento. Cinco anos mais tarde, ele tinha se tornado o mais famoso, porem o mais infeliz dos alpinistas do seu tempo. Seu primeiro encontro com o Cervino decidiu a vida do artista e o destino da montanha.
Se Whymper era deste tipo de homem que numa batalha somente via a vitória como resultado, a montanha possuía defesas e era de talhe a sustentar um longo cerco. Whymper consagrou o ano de 1860 a explorar os arredores, a aresta italiana de Lion da qual a encosta principal é pouco severa, lhe pareceu ser a via mais propícia a uma tentativa de caminho para o cume. No início de 1861 ele parte para o assalto em companhia do único habitante de Valtournanche que havia aceitado participar do empreendimento deste gênero.
Edward Whymper, conquistador do Matterhorn e de vulcões no Equador
Na chaminé, primeira passagem séria que Whymper alcançou somente ao preço de duras dificuldades, o companheiro do inglês declarou que não avançaria mais nenhum passo. Esta decepção termina com a primeira de uma longa série de aventuras. Até hoje, este trecho que é a parte mais difícil da rota italiana que leva até o cume é conhecida como Chaminé Whymper, em homenagem ao primeiro explorador da montanha.
No ano seguinte, Whymper empreende quatro tentativas, todas com diversos contratempos, elas abortam sucessivamente seja por mau tempo ou por dificuldades, que o tenaz inglês chama de traição: a falta de coragem de seus companheiros. Mas Whymper fazia progressos sempre, ele se torna um alpinista mais experiente e aprende a conhecer os homens que como ele tiveram os olhos voltados para a montanha, que serão seus aliados ou seus inimigos.
Entre estes homens se encontra Jean-Antoine Carrel, dito “Bersaglieri”, guia em Valtournanche, montanhista perfeito, escalador audacioso, nobre cavaleiro alpino, que considera Whymper como um estrangeiro que não possuía nenhum direito sobre o Cervino, a montanha plantada por Deus no fundo do vale Tournanche, para que fosse conquistada por um italiano. Se Carrel suspeita do usurpador, o inglês não está menos irritado com as falsidades e fantasias do transalpino.
Mas sua rivalidade não excluiu a amizade e a estima e os dois homens tem em comum a mesma tenacidade e a mesma certeza na vitória final. No vale de Tournanche, Whymper possuía um empregado fiel na pessoa de um guia, Luc Meynet, que, apesar de sua desgraça – ele era corcunda -, devia ajudá-lo e seguir com coragem e precisão, sem procurar a gloria, mas somente a satisfação de haver bem servido.
Com ele, Whymper faria várias tentativas que não tiveram mais sucesso que as precedentes e que foram mesmo ultrapassadas pela de Tyndall em 1862. Em 1863 1864, o inglês mostrou do que era capaz sua corajosa obstinação se envolvendo em novas tentativas. Neste intervalo de tempo, Whymper conseguiu numerosas ascensões, e escalando montanhas famosas nos Alpes da França, como os Ecrins, a Agulha de Argentières, atravessando o colo do Dolent e o Moming Pass, ele se liga ao mais célebre dos guias do momento: Michel Croz, nativo de Argentières, o homem com coração de leão, famoso por sua força e sua energia.
No mês de julho de 1865, as neves derretiam ainda sobre a montanha quando tudo estava pronto para o último ato. Whymper acabava de fazer uma tentativa em companhia de Croz,de Biener e de Almer, e obteve uma certeza: por sua forma e estrutura, a aresta do Hornli era o melhor caminho. Mas Michel Croz tinha um compromisso em Chamonix e Whymper o acompanhou.
Separado de seu guia favorito, Whymper efetua a primeira ascensão da Agulha Verte, uma montanha de grande dificuldade técnica na França, mais uma soma à sua reputação. Com este sucesso adquirido, ele decide ir para Zermatt e Cervino, onde uma decepção o espera: Biener e Almer recusam-se a participar da nova tentetiva. Whymper tenta ainda uma vez resolver-se com Carrel, mas seu velho rival não está interessado em uma via de acesso que não seja sobre solo italiano. No último momento, Carrel alega sobre contendas anteriores e Whymper se encontra só, sem um guia do Breuil que o pudesse acompanhar.
Uma luz de esperança substitui sua cólera quando ele expõe seus projetos ao lorde Francis Douglas, que acabava de chegar com o filho Taugwalder. Todos decidem ficar em Zermatt, onde se tinha a segurança dos favores de Taugwalder, um adepto declarado da aresta leste. A esperança substitui a impaciência quando Hudson, Hadow e Michel Croz, retornando de Chamonix, aceitaram se juntar ao grupo.
No dia seguinte sete homens decididos partiam para o Cervino. Era preciso ir rápido, porque do outro lado da montanha, Carrel e seus companheiros já estavam a caminho do cume. Mas Michel Croz e o velho Taugwalder eram montanhistas de primeira força, o reverendo Hudson já tinha feito o monte Branco e o Monte Rose num tempo remarcável, Douglas e Hadow eram robustos rapazes de dezenove anos e Whymper já tinha passado mais de dez noites sobre esta montanha terrível. Nesta noite montaram acampamento a cerca de 3350 metros ao pé da aresta, e passaram a noite a cantar.
No dia seguinte, aproveitaram o dia radiante e se puseram em marcha. Sob o comando de Michel Croz, as dificuldades não os pararam. Aliás, como previsto, nenhum obstáculo sério se apresentou ao longo desta escadaria gigantesca onde, antes das dez horas, a caravana chegou aos 4250 metros. Mais adiante, foi preciso ganhar o Epaule por uma escalada mais vertical e uma longa travessia, delicada sobre as rochas geladas da face norte. Isto foi pouco para o talento de Michel Croz, e, algumas horas mais tarde, eles pisam vencedores a última aresta e a neve do cume. Whymper e Croz chegam lá juntos e o cume é conquistado muito mais facilmente que eles tinham imaginado. Mas eram eles os primeiros?
Consumido pela impaciência, Whymper corre sobre a aresta, já satisfeito por não ver nenhum traço de pegadas. Ele se debruça sobre o abismo e, sobre as encostas do lado italiano, ele percebe a caravana de Carrel. Gritos, gestos e o barulho de blocos de rochas que se precipitam no vazio fazem com que os que subiam percebam que haviam perdido o jogo. A vitória de Whymper e de seus companheiros é ainda mais completa do que se podia esperar. Em frente aos cumes dos Alpes, cada um exprime sua alegria. Michel Croz faz uma bandeira de sua camisa, que ele fixa num piquete de barraca. Em Zermatt e em Breuil a população em delírio se apressa a celebrar os vencedores.
No cume da montanha, os sete alpinistas se deparam com um fenômeno raro. No horizonte, 4 cruzes se projetam nas nuvens que envolvem a montanha, como se fosse premonizar o que viria a seguir.
Durante a descida, Hadow escorregou, Croz foi derrubado, Hudson e Douglas foram arrebatados pela corda e deslizaram para o abismo. Com uma emoção violenta, os três outros escaladores se prendem à montanha e se agarram à corda. Num brusco abalo ela se rompe, e os quatro desafortunados se precipitam de abismo em abismo no glaciar do Cervino, 1500 metros abaixo.
Muitos acreditam que o fenômeno que a equipe de Whymper avistou do cume do Matterhorn foi o spectro de Broken, mas para todos na época foi na verdade um presságio. A trágica história de Whymper no Matterhorn foi uma das mais comentadas na Europa naquele ano e manchou a história de um dos melhores montanhistas de sua época.
Atormentado pelo remorso, Whymper precisou fazer frente ao terrível problema moral que lhe impôs a morte de seus companheiros. Durante o restante de seus dias, ele se dedicou a ascensões extra-européias, e somente retornou aos lugares da aventura que marcou tragicamente as horas de sua juventude, quando já idoso.
Três dias após a Conquista de Whymper, Carrel atingiu o cume. Mas sua vitória, ainda que dentro das sombras do drama, lhe deixou um gosto amargo. O turista que hoje ainda percorre o vale de la Viège não deixa de visitar o cemitério de Zermatt, onde a história da conquista do Cervino se inscreve em toda a sua glória e toda sua dor.
A partir deste momento, todas as outras arestas e todas as faces foram escaladas, mas o Cervino permaneceu sempre como símbolo do mistério e, para quem vê passar as nuvens ao longo de seus flancos, de suas fendas e de suas passagens, tornou-se impossível esquecer o drama da primeira conquista.
Contrariamente ao que certas pessoas pensavam, o “acidente do Cervino” não interrompeu o progresso do alpinismo. Agora, aqueles que se voltam para a montanha, vão progressivamente se libertar dos preconceitos de seus predecessores e revelar outros elementos de sua grande paixão: o espírito de luta, as realizações que ele procura, o desejo de se apropriar da montanha para fazer uma primeira ascensão, como se fora disso tudo fosse desprezível e sem recompensa.
Então a montanha não é mais que um objeto do cenário à qual o olho se adaptou, e se alguns detalhes da forma pedem um exame mais aprofundado, o homem encontra nele mesmo as novos motivos. É preciso vencer para medir seu próprio valor e também para disto tornar-se motivo de atenção.
Os primeiros alpinistas vinham à montanha para descobri-la e aqueles da idade do ouro, para vencer um adversário, a rocha ou um rival. Agora a montanha foi vencida, ela é a trama onde se tece o drama humano, sempre o mesmo e porem sempre diferente nos seus meandros e seu mistério. De agora em diante os cumes não mais determinarão a história do alpinismo, mas lá os homens terão sua importância.
Extraído de “Montagne” de Maurice Herzog, 1951. Texto de Jean Franco.Traduzido por: Sílvia S.