A Floresta Amazônica (I)

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Este é um assunto muito grande, que vou dividir em duas partes. Esta vai se debruçar sobre a origem e a situação da floresta, e a próxima, sobre seu futuro. Será uma série de seis artigos de alguma forma relacionados – eu acho o tema importante e espero que você se interesse por ele.

Vou lhe falar de Antonio Nobre, porque este texto se baseia nas suas teorias. Ele é um agrônomo com mestrado em Biologia Tropical e doutorado em Ciências da Terra. Sua carreira se desenvolveu no INPA, um instituto para pesquisas na Amazônia.

Nobre atuou em assuntos como a evolução da vida na terra e a ecologia das florestas; o ciclo do carbono e o efeito estufa; a hidrologia, o clima e as mudanças globais; a modelagem matemática da paisagem. Uma criativa mistura de natureza, ciência e matemática. Não é uma pessoa comum e o que ele diz é precioso para todos nós.

Antônio Nobre e Abel Rodriguez (Fonte: Divulgação)

A Floresta

A Amazônia é gigantesca, algo como 7 milhões de km² espalhados por nove países. Destes, a mata recobre 5,5 milhões de km², representando mais da metade das florestas tropicais que sobreviveram no planeta. É nela que acontece a maior biodiversidade do mundo.

Seu nome veio da fantástica expedição no século XVI de Francisco Orellana, o primeiro a percorrer toda a extenção do Rio Amazonas. Ele assim o chamou por acreditar ter visto a lendária tribo de mulheres guerreiras. Nuas e valentes, como você sempre sonhou com elas.

A Amazônia (Fonte: Divulgação)

Vista do alto, o dossel da floresta parece homogêneo, mas este não é o caso. Diferentemente dos reflorestamentos, ela exibe grande variedade de espécies, não ocorrendo bosques concentrados de uma só ou de poucas delas.

Além disso, existem vários tipos de vegetação, desde a mata densa de terra firme, a floresta aberta de várzea e as matas de igapós (rios arenosos), até as as savanas, as caatingas, as campinaranas (associações arbóreas e campestres) e os campos.

Nós chamamos os ventos de alísios, mas seu nome mais comum é trade winds, pois foram eles que moveram as velas durante o período do descobrimento.

Sopram no hemisfério sul para NW e, no norte, para SE. São quentes e úmidos. Seus opostos são os contra-alísios, ventos secos que formam os desertos.

Note no mapa que a Amazônia é um milagre verde, pois na sua latitude só existem principalmente desertos – do Gobi ao Sahara e ao Atacama. A oeste, estão as terras áridas dos Andes, pois são altas e isoladas, e a leste, as águas tropicais pobres, pois os mares quentes têm menos vida.

Os desertos do mundo (Fonte: Divulgação)

A região abriga uma notável riqueza de vida: algo como 40 mil espécies de plantas e 5 mil de animais, entre mamíferos, aves e peixes. Um em cada cinco de todos os pássaros no mundo vivem na Amazônia. Tantas vezes chamada de inferno, ela é na realidade um paraíso.

Se você já andou na floresta, sabe que a pouca luz filtrada pelas copas distantes inibe a vegetação rasteira. Então, não há muito alimento no solo e os animais vivem principalmente nos galhos, a dezenas de metros do chão.

Assim, por incrível que pareça, boa parte da fauna amazônica permanece inacessível e desconhecida. Uma floresta de riqueza e de sombra, abraçando o seu interior misterioso.

A Origem

A era cenozoica começou há 65 milhões de anos, com a extinção dos dinossauros, e dura até hoje. Um de seus períodos foi o Eoceno (de 56 a 34 milhões de anos atrás), quando a temperatura e a umidade da Terra eram elevadas. Isto favoreceu os bosques tropiciais, que se espalharam por todo o planeta. Foi então que se formou a Floresta Amazônica.

Mas, em algum ponto, a Antártida se separou da Austrália e migrou para o sul, trazendo muito frio para a Terra. O clima seco e frio diminuiu os bosques tropicais e inaugurou os períodos glaciais. O último deles foi recente, ocorreu há 20 mil anos, quando o homem já caminhava há tempos sobre a terra.

Existem alguns eventos surpreendentes na evolução da Amazônia. Geologicamente, ela é uma estrutura estável há bilhões de anos, apenas recoberta por terrenos sedimentares atuais. No meio do período do Mioceno, cerca de 15 milhões de anos atrás, o Arco do Purus dividiu a bacia amazônica em duas partes.

Localização da bacia do Purus (Fonte: Divulgação)

As águas a oeste fluiram para o Pacífico e as leste, para o Atlântico. Porém, com o soerguimento da Cordilheira dos Andes, uma grande bacia foi criada no Lago Belterra. Esta acumulação de águas rompeu o Arco de Purus, juntando-as em um fluxo único, que é hoje aquele que flui em direção ao Oceano Atlântico.

Outro evento foi a flutuação da floresta conforme o clima. No último período glacial, o bosque tropical certamente recuou. Alguns cientistas dizem que a mata tropical foi reduzida a pequenos refúgios isolados, separados por florestas abertas e por pastagens.

Mas outros afirmam que a floresta permaneceu grandemente intacta, apenas se encolheu. O surgimento das áreas abertas coincidiu com a evolução dos primeiros mega mamíferos, que substituíram as populações de grandes aves então existentes.

O Equilíbrio

O conceito de equilíbrio no meio ambiente é básico. É mais fácil percebê-lo entre os animais do que entre as plantas, pois a evolução deles é mais rápida. Tipicamente, presas e predadores variam ao longo de um equilíbrio dinâmico em que o aumento das presas é seguido de sua diminuição e do aumento dos predadores.

Depois, eventualmente sem uma quantidade adequada de alimento, haverá o declínio da população de predadores, seguido de novo aumento das presas, o que fará prosperar os predadores. E assim sucessivamente.

Em um ambiente estável, a pressão de predação é o fator chave para o equilíbrio da população ao longo do tempo. Um exemplo estudado por um século foram os ciclos entre lebres e linces no Canadá.

O mesmo princípio se aplica aos animais herbívoros em relação à vegetação. O crescimento do número dos primeiros é limitado pela disponibilidade da segunda.

Algumas vezes a introdução de espécies exóticas (quer dizer, antes inexistentes) perturba o ambiente – alguns exemplos são as capivaras na Ilha Anchieta, as cabras em Galápagos e os mocós em Noronha – afetando o seu equilíbrio.

Talvez o primeiro naturalista, e o maior dentre todos, a explicar esse assunto tenha sido Alexander von Humboldt. Ele ampliou o conceito para abarcar toda a natureza – não são apenas os pares de presas-predadores que vivem em equilíbrio, mas toda a natureza à volta.

Senti um dia uma emoção muito forte quando percebi essa interrelação, quando estava no centro do Pantanal: como o solo e a grama, o relevo e as árvores, o calor e os rios, os animais e os fungos, os ciclos das chuvas e das inundações, e finalmente o homem contribuíam todos para a integração equilibrada do ecossistema.

O ciclo alimentar de Yellowstone (Fonte: Divulgação)

Quero lhe contar uma história estranha e maravilhosa. Ela se passou no primeiro parque natural do mundo, Yellowstone, e que inspirou tantos outros. O parque data dos fins do século XIX, mas, desde os começos do século seguinte, os lobos foram excluídos da região.

O resultado foi o aumento descontrolado dos veados, antes caçados por eles. Os veados passaram a devorar a vegetação, o que afetou as populações de animais menores e reduziu perigosamente os cursos d´água.

A reintrodução dos lobos em 1995, após sete décadas, restabeleceu o equilíbrio rompido. Os veados passaram a evitar as grandes regiões agora percorridas pelos lobos, que se tornaram mais verdejantes e úmidas. Os habilidosos castores foram atraídos, formando piscinas e cascatas, que criaram ambientes favoráveis para novas espécies como lontras, patos, aves e peixes. Os rios tiveram seus cursos alterados e o antigo ecossistema se regenerou, voltando a estabilizar-se.

Os Nativos

Pensava-se a partir do trabalho de Betty Meggers que a Floresta Amazônica havia sido sempre pouco ocupada, já que seria impossível sustentar uma grande população pela agricultura, devido à pobreza dos seus solos.

Ao contrário, hoje acredita-se que a região foi densamente povoada. A ocupação da Amazônia começou de 12 a talvez 20 mil anos atrás. Cerca de 5 a 8 milhões de pessoas podem ter vivido lá na época do descobrimento. Quatro séculos depois, com a atividade predatória dos sertanistas, a população tinha caído para apenas 1 milhão.

O solo amazônico é fino e pobre, com poucos nutrientes. Mas a flora e a fauna são sustentadas em virtude do estado de equilíbrio atingido. Equilíbrio natural é raro, acontece em biomas antigos e preservados, onde a estabilidade das forças do ambiente é atingida, como você viu, envolvendo o clima, o solo, as águas, a flora e a fauna.

O aproveitamento dos recursos na Amazônia é ótimo, havendo um mínimo de perdas. A associação entre fungos e raízes permite uma rápida absorção dos nutrientes trazidos pelas chuvas frequentes.

A floresta promove uma eficiente conversão em nutrientes das camadas de decomposição de folhas e galhos caídos. Por assim dizer, o solo é pobre, mas o bioma é rico.

Resumo da domesticação do milho (Fonte: Divulgação)

Um achado importante foi a presença de terra preta na região. Ela é uma mistura de carvão vegetal com matéria orgânica. É agora amplamente aceita como resultado do manejo milenar do terreno pelos indígenas. A criação deste solo fértil (em 3% da região) permitiu a agricultura e a silvicultura no antigo ambiente desfavorável.

Isso significa que parte da floresta amazônica foi possivelmente o resultado de séculos de intervenção humana, por oposição a um ambiente puramente natural.

Espécies de madeira de lei e de árvores frutíferas plantadas ou protegidas pelos indígenas, longe das calhas dos grandes rios, são outras evidências. Bem como a domesticação de plantas como o milho, a mandioca e o feijão.

A falta de grandes estruturas para abrigar aglomerações humanas costuma ser explicada pelo uso de materiais degradáveis no calor úmido, como palha e madeira. Entretanto, foram achadas junto aos índios kuikuro no Xingu evidências de estradas, pontes e praças de grande porte.

Existem ainda no norte amazônico vestígios de grandes valas que teriam funcionado como perímetros ou aterros que teriam servido de plataformas para povoamentos de dezenas de milhares de pessoas. Ao invés de uma única cidade, eram conjuntos às vezes concêntricos de vilas menores, ligadas por canais e estradas.

A aldeia perdida de Kuhikugu (Fonte: Divulgação)

Os indígenas foram sendo exterminados pelo branco invasor. E a floresta retomou o território antes ocupado, escondendo e destruindo seus vestígios. Mas estudiosos como Charles Clement e Eduardo Góes dizem que as práticas dos indígenas na criação da floresta mostram que é possível viver de maneira equilibrada com ela. Quer dizer, houve no passado muita gente, mas não houve degradação.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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