A Floresta Amazônica (II)

0

Esta coluna é uma continuação da anterior, que espero você leia antes desta.

O Futuro

É assim que Antônio Nobre começa O Futuro da Amazônia, seu artigo fundamental sobre o clima da região: Numa definição livre, a floresta tropical é um tapete multicolorido, estruturado e vivo, extremamente rico. Uma colônia extravagante de organismos que saíram do oceano há 400 milhões de anos e vieram para a Terra. Entre as folhas, ainda existem condições semelhantes àquelas da primordial vida marinha. A floresta funciona como um mar suspenso – que contém uma miríade de células vivas – muito elaborado e adaptado.

A floresta transpira a cada dia um volume gigantesco de água, um rio vertical maior do que o Amazonas, que flui do solo para o céu. Este vapor d´água se condensa num ar tão puro quanto o do mar, devido á presença de aromas da floresta que precipitam a chuva.

A pressão do ar sobre a floresta é mais baixa do que sobre o oceano, de forma que ela como que suga para si o ar, umedecendo o seu entorno. Funciona como uma bomba biológica, no dizer dos cientistas russos Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva.

As aquarelas
(Fonte: Divulgação)

Reginald Newell descobriu que os ares úmidos percorrem a atmosfera a partir da floresta. Como se fossem rios voadores, trazem chuva e vida para o nosso continente. E o dossel rugoso da floresta também o protege dos vórtices destrutivos dos ciclones atmosféricos.

Todos esses efeitos em conjunto fazem da majestosa Floresta Amazônica a melhor e mais valiosa parceira das atividades humanas que requerem chuva na medida certa, um clima ameno e proteção de eventos extremos.

Mas, você já sabe, estamos ocupando de forma destrutiva a Amazônia – erradicando a floresta, criando o pasto, desmatando com fogo e fuligem a natureza virgem.

O foco usual, quando se discute o futuro do clima na Amazônia, é o desmatamento futuro, ou quanto cortar da mata que sobrou. Injustificadamente ausente, o assombroso desmatamento acumulado do passado precisa voltar ao foco, pois é sobre ele que recai o principal aspecto da reciprocidade climática. Sem tratar da devastação passada, o assombro se converterá em assombração.

Acredito que a área total desmatada a corte raso atinja hoje 800 mil hectares, à qual se somam 1.350 mil hectares de áreas degradadas no entorno. Acredite, isto supera 2 milhões de km², ou 40% da floresta Amazônica. Pare por um instante e pense nessas dimensões gigantescas, que conseguimos arrasar em tão pouco tempo.

O futuro climático da Amazônia já chegou. Simplesmente, ela deixará de sugar o ar úmido, que será desviado para o oceano. Ela sempre absorveu o gás carbônico atmosférico, mas hoje tornou-se basicamente neutra, como são os oceanos.

Os municípios amazônicos estão entre os maiores emissores de gases de efeito estufa. Não são os carros, e sim os pastos, que estão escaldando o planeta. Estes são nefastos, devem promover um aumento de 2,5⁰ C nas temperaturas e uma redução de 25% nas chuvas.

A Regeneração

Diz o geólogo americano Robert Walker que, até meados do século, a floresta será uma savana aberta e a resultante aridez cobrirá a agricultura brasileira, podendo torná-la uma estepe.

Já é possível apontar a data do colapso, diz ele. Cessará o abastecimento de água para boa parte do Brasil, haverá a extinção maciça da flora e da fauna regionais e, ao invés de reserva, a Floresta Amazônica será fonte de gás carbônico. É triste, transitar em uma geração de um oceano verde para um inferno ocre.

O desmatamento
(Fonte: Divulgação)

Antônio Nobre diz que a decisão urgente e já tardia pela intensificação da ação de redução dos danos não pode esperar, se é que ainda existe chance de se reverter o quadro ameaçador. Os desmatamentos e as queimadas devem cessar e a paisagem viva deve ter uma oportunidade para se regenerar.

Este processo partirá das plantas pioneiras, capazes de formar em condições hostis uma primeira floresta secundária. Em seguida, a floresta tropical perene poderá se restabelecer por sucessão ecológica a longo prazo. Como diz Nobre, se a vida anterior não tiver sido extinta, uma força misteriosa e automática de reconstrução entrará em ação

Nas áreas onde o desmatamento levou a natureza à falência, esta abordagem não mais será possível. Será necessário reflorestar com as antigas espécies nativas, capazes de restituir a mata natural. Desde que o clima permaneça, embora longo, este processo será viável. Somente a integridade do oceano verde original poderá garantir a saúde da natureza da América do Sul.

Com a decadência da madeira do Sudeste Asiático, vinda de Singapura e da Malásia, principais fontes mundiais de exportação, Charles Clement vê uma oportunidade econômica de manejo para a madeira brasileira certificada.

Ele supõe que seriam suficientes 10% de aproveitamento de madeira comercial (que é um índice observado na Floresta Amazônica heterogênea) em 2.500 mil km² de matas, que seriam manejadas para a produção.

Porém o desmatamento tem de obrigatoriamente zerar e a floresta deve ser mantida em 80% da área (30% de unidades de conservação já existentes e 50% de florestas a serem manejadas), destinando os restantes 20% para a agropecuária.

Na sua estimativa, o Brasil seria capaz nessas condições de atender com 70 milhões m³ por ano os mercados de madeira tropical, tanto externo como doméstico.

A Amazônia pode ser salva (Fonte: Divulgação)

Diz o professor Manfred Nitsch: Não só a floresta não é mais forte do que os deuses do progresso, como também experimentos bem-intencionados de agricultura sustentável não serão suficientes para impedir desflorestamento e promover o desenvolvimento agroflorestal. É imperioso preservar a imensa floresta. Talvez até seja possível alcançar um dos cenários imaginados por Nitsch para proteger integralmente a floresta como patrimônio nacional.

Vou lembrar o exemplo da China, em que os desertos alcançam ¼ do território. Há pouco menos de meio século atrás, cada criança com mais de onze anos foi instruída a plantar três árvores a cada ano.

As comunidades chinesas vêm desde então formando, de maneira descentralizada, florestas mistas de espécies nativas e comerciais, de lento e de rápido crescimento. Foram capazes de reflorestar ½ milhão de km², ou inacreditáveis 5% do seu território. Assim, há florestas que morrem em desertos, mas há desertos que renascem em florestas.

Abel Rodriguez

Abel Rodriguez é um índio da etnia amazônica nonuya que foi seringueiro na Colômbia e escapou de ser dizimado, como muitos de sua tribo. Hoje, os poucos remanescentes vivem na Reserva de Villa Azul, mas Abel mora em Bogotá. Sua gente já perdeu praticamente toda a sua cultura, embora haja esforços para recuperar sua língua.

Esta é uma interpretação livre de suas palavras: A música, o vício e a destruição agora fascinam a todos, então as pessoas só colhem os maus ensinamentos. Depois que morreram nossos grandes sábios, nós acabamos no meio, e depois de nós não há mais nada. Para esses conhecimentos, tem que haver horas de silêncio. Silêncio total, para se poder ver uma coisa que não se viu com essa visão que se está usando. Porque aqui tudo é música e ruído. Que meus netos apendam dos brancos – a música, o bailado, a desordem, o vício. Já não há mais o que eu faria para recuperar a parte secreta que me falta. Pois então, acho que tudo já se acabou e, do jeito que vou, não espero senão a morte.

A Árvore da Vida (Fonte: Divulgação)

Abel é um grande conhecedor das plantas nativas, um antigo líder de seu povo e um excelente desenhista. São suas as aquarelas que aparecem neste texto.

Compartilhar

Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

Deixe seu comentário