Localizada à noroeste de São João del Rei, a Serra do Lenheiro é uma enorme formação de quartzito formada por blocos gigantescos, os Pontões, onde cada contraforte esconde vales e muitas nascentes. Seu nome se deve ao fato de que a lenha de suas árvores não apenas serviu pra alimentar fogões dos antigos moradores, como também na construção das igrejas e pontes da cidade; e pra preservar a rica biodiversidade remanescente parte da serra foi decretada Parque Municipal Ecológico. E foi esta unidade de conservação que visitamos num puxado circuito de 14kms que palmilhou os altos visus do Morro das Almas e depois despencou ao fundo de vales em refrescantes banhos na Cachu da Chapada. Um rolê que mal arranhou os atrativos desta serra, mas que deixou mais que evidente que as cidades históricas mineiras tem muito mais a oferecer que suas tradicionais igrejas barrocas.
O dia começara promissor como todos os demais neste meados de janeiro, com dias limpos e muito calor. Bem dispostos, eu e a Lau saltamos então do busão nas proximidades do centro histórico da pacata São João del Rei, mais precisamente na frente da Estação Ferroviária. O relógio marcava 8:15hr e o altímetro cravava quase 900m quando nos pirulitamos na direção noroeste até ganhar a Rua João Mourão, tangenciando a bela arquitetura do Mercado Municipal e a Igreja Nossa Sra do Carmo, pra então começar a subir suavemente no sentido dum bairro chamado apropriadamente Senhor dos Montes.
As 8:35hr alcançamos o alto do morro, onde uma pracinha dividia espaço com a Capela de Nosso Senhor dos Montes, em restauração. Perto dali, um Cristo Redentor parece vigiar São João del Rei do alto daquela larga colina e oferece uma bonita panorâmica do seu mal cuidado mirante. Além dos detalhes arquitetônicos da cidade a vista privilegia a escarpada Serra de São José, a sudeste, embora nosso olhar fosse mesmo atraído pelos recortes elevados da Serra do Lenheiro – por sobre o ombro, a noroeste – delimitando o horizonte acinzentado do céu azul.
Da Capela bastou tomar a ruela logo a frente que se pirulita na direção da serra, isto é, sentido oeste. Num piscar de olhos as residências somem e o asfalto dá lugar a terra, ás 9hrs, nos colocando já bem direcionados na rota do nosso destino. Em tempo, o parque não tem portaria oficial e nem muito menos infra, portante tem vários outros acessos informais – pelos bairros Tijuco, Gameleiras, Residencial Lenheiro e Auto das Mercês – mas eu optei pelo aqui descrito pela praticidade diante do roteiro proposto.
Pois bem, a estrada de chão se afasta lentamente da urbe deixando o borburinho pra trás e logo de torna uma precária vereda enquanto bordeja os primeiros espigões da serra, tocando sempre na direção noroeste. As 9:25hr nossos ouvidos sentem o rumorejo de muita água correndo nas proximidades, e ela logo se revela rente a trilha, num balneário natureba que atende pelo nome de Cachu Olhos Dágua, onde havia jovens aproveitando o início do dia. O lugar se resume a uma pequena cascatinha e o lago formado pelo represamento do Córrego São Francisco Xavier, que nasce nas entranhas da serra e deságua no Rio das Mortes. O balneário é um lugar simpático mas visivelmente “farofado” em dias como aquele, pela proximidade com a urbe, mostrando que a serra ta sendo sim uma alternativa de lazer á população. Só falta fiscalização e educação ambiental a ela.
Prosseguimos nossa jornada penetrando cada vez mais no interior da serra, ainda noroeste, até alcançar uma casinha abandonada de onde o caminho trifurcava. Duas dessas ramificações seguem pro Morro das Almas e Morro Santo Antônio, porém por rotas diferentes, e a outra que segue pela base do Morro Santo Antonio, que seria nossa rota de retorno. Tomamos então aquela que parte do lado direito da casinha, cruza um bambuzal e ganha aos poucos um espigão da serra que subimos suavemente. Sem pressa, aos poucos os horizontes se ampliam revelando os vales na base da serra e a imponência das encostas descampadas de capim ralo do Morro das Almas se contrapondo ás escarpas pontiagudas dos afloramentos rochosos do morro vizinho, o Santo Antônio. Desnecessário mencionar que este trecho é feito na ausência total de sombra, uma vez que a vegetação predominante se resume a pasto e baixos arbustos.
Quando chegamos na crista bastou se manter sempre nela, agora na direção oeste, acompanhando uma simpática mureta de pedras que foi erguida a mais de 200 anos com mão de obra escrava e que possui cerca de 500m de extensão! E assim fomos avançando sem muita dificuldade por esta cumieira abaulada, com pouca variação de desnível, até alcançar um selado abrupto de onde subimos penosamente o último (e íngreme) trecho até o alto do morro. Eu fui na frente, claro, avaliando bem onde pisar uma vez que o chão era composto de pedregulhos soltos e o risco de deslizar serra abaixo era real. A Lau, mais devagar, colou atrás de mim mas com relativa distância, sempre obedecendo seu ritmo.
Mas firmes e fortes pisamos nos 1160m da larga e ampla cumieira do Morro das Almas, onde a vegetação de campos de altitude divide espaço com a continuidade do muro de pedras e, principalmente, dois cruzeiros separados por coisa de 50m um do outro: um deles é pequeno e de cimento, enquanto o outro é de madeira firmado por pedras empilhadas. A paisagem descortinada revela todo trajeto feito até então, a leste, enquanto o quadrante oposto exibe os íngremes e escarpados contrafortes do maciço vizinho, o Morro Santo Antônio, além dos fundos vales e recortes mais acidentados na continuidade da crista. Pausa pra fotos, retomada de fôlego e de sentir uma precária brisa soprando do norte, no calor das 10:40hr.
Na sequência veio uma descida tremendamente íngreme com desnível de quase 150m, que fizemos com o maior cuidado e muitas paradas. A Lau que o diga, uma vez que a descida também foi mais adrenada e tensa que a subida pela alta declividade, isso num chão terrivelmente escorregadio e exposto. E assim fomos perdendo altura aos poucos, fosse de lado ou sentados, até enfim poder respirar aliviados num selado parcialmente florestado onde terreno se tornou mais amigável. Na sequência subimos outra pequena lombada até dar noutra mureta de pedras, pra dali abandonar de vez a cumieira serrana e cortar pro sul, indo em direção ao vale encravado no meio dos maciços principais.
A descida dali foi bem mais tranquila, aos ziguezagues, onde não demorou a vegetação retorcida de cerrado surgir em abundância e o som borbulhante de água voltar a inundar nossos ouvidos, ás 11:30hr. Dito e feito, uma vez no fundo do vale interceptamos uma picada maior, que por sua vez acompanhava o supracitado curso dágua e que pela carta corresponde ás cabeceiras do Córrego Água Limpa, que depois junta suas águas ao Córrego do Brumado pra enfim desaguar no Rio das Mortes. Caminho tranquilo e sempre pra oeste, não demorou pra perceber que a picada abandonava aos poucos a serra pra depois virar forte pro norte e tocar indefinidamente pra fazendas daquele quadrante.
Ao perceber que tocávamos pro norte, abandonando o curso do rio, deixamos a vereda e fomos novamente de encontro ao rio, agora num amplo pastado, sem trilha. Aqui nos guiamos apenas pelo rugido de muita água caindo e assim, num piscar de olhos e bem escondida numa bela florestinha, a exatas 12hrs (e 7kms) pisamos nos domínios da Cachu da Chapada. Também conhecida como Cachu do Triângulo, que é onde o Água Limpa despenca dos afloramentos em três grandes patamares rochosos, pra ser represado em duas respeitáveis piscinas que reluziam os tons dourados dos raios solares filtrados pelo arvoredo. Isolado, deserto e tremendamente lindo, foi aqui que fizemos nossa merecida parada pra descansar e beliscar o lanche na mochila. E parada pra merecidos tchibuns também, claro, não necessariamente nessa ordem.
E assim após muita curtição e direito a também conhecer a parte alta da queda – mediante escalaminhada sussa – pra ter vista privilegiada do vale, as 14:15hr decidimos que já era hora de retornar. Pra isso bastou retroceder pelo mesmo caminho, dando adeus aquele belo balneário natureba. E assim foi, refazendo então o mesmo caminho da ida mas desta vez ignorando a picada que descia do Morro das Almas. Sendo assim, seguimos então em frente pela vereda que se mantinha no vale, sem desnível algum, ainda acompanhando as cabeceiras do Agua Limpa de um lado enquanto o outro bordejava a base do Morro Santo Antônio.
Mas não deu nem 14:40hr que tropeçamos a margem da via com uma grutinha e um altar bem rústico feito de pedras, a tal Capela Santo Antonio. Situado na base do morro que toma emprestado seu nome, este lugar é envolto em lendas, milagres e muito folclore. Dizem que foi ali que foi encontrada uma imagem do santo e que foi levada pra cidade, á capela própria do santo passar a noite, mas que misteriosamente o dia seguinte a imagem sumiu de lá retornando á base da montanha. Verdade ou não, o fato é que a capelinha de pedra continua lá firme e forte, porém sem sinal algum da imagem. Será que o santo optou desta vez permanecer no conforto e segurança da cidade, longe de ser vandalizada? Mistério…
Pois bem, dando continuidade a nossa chinelada no meio do vale e sempre bordejando o morro, prosseguimos sem pressa andando por uma vereda nivelada e cercada de mata que alternava chão de terra, quartzito esfarelado e alguns trechos com brejo. Mas as 15hr tropeçamos com uma bifurcação importante, onde abandonamos a vereda palmilhada (que seguia pra sudeste, rumo bairro do Tejuco e que pelas infos é meio “barra pesada”) por uma ramificação á esquerda que tocava pra leste dando a volta no sopé do Morro Santo Antônio. E assim fomos perdendo lentamente altitude por uma vereda cercada de rochedos e bem erodida, com rastros de moto, infelizmente.
E após um tempo nesse ritmo compassado, fomos abandonando aos poucos os domínios dos altos contrafortes serranos pra ganhar os descampados próximos á casinha abandonada do início (lembra?). Até lá o céu se mostrava coberto parcialmente por um véu fino e opaco, mas o calor continuava fritando nossos corpo com força, irradiando daquele chão alvo pedregoso. Dali até passar pela Cachu Olhos Dágua, agora repleta de visitantes, foi um piscar de olhos. Olhando por sobre o ombro damos então o nosso adeus (ou quem sabe, um até breve) aquela bela serra pra então chegar nos limites do borburinho cacofônico do bairro Senhor dos Montes. Dali pro centro histórico de São João foi até rapidinho, onde chegamos pouco depois das 16:40hrs, a tempo suficiente de nos proteger no ponto de ônibus da forte chuva que desabou naquele final de tarde.
Voltando á introdução deste texto, gostaria de frisar que esta descompromissada visita á Serra do Lenheiro sequer arranhou todas as possibilidades de atividades ao ar livre que ela oferece. No extremo sul deste belo espigão, já fora dos limites do parque, está localizado o Cemonta (Campo Escola de Montanhismo do 11° Batalhão de Infantaria), onde são formados os militares do Exército Brasileiro especializados em técnicas verticais, que permite a utilização do seu espaço pra escaladas ou caminhadas mediante agendamento. Além disso, a serra oferece mais atrativos como: pinturas rupestres, a Gruta do Catitú, o Canal dos Ingleses, os famosos boulders do Morro dos Três Pontões, a Cachu dos Sete Metros e tantos outros espalhados ao largo de suas escarpas e vales. Dessa forma e prum lugar que já armazenou ouro e sofreu muito com o extrativismo, a Serra do Lenheiro hoje detém não apenas paisagens únicas, mas uma riqueza histórica e cultural valiosíssima. E claro, incontáveis alternativas de lazer a seus visitantes.
1 comentário
Ë uma bela matéria essa, mas vale destacar que o bairro de onde vc começou a sua trilha é muito mais perigoso que o Tejuco, onde mencionaram a vc que seria perigoso. Realmente essa serra tem um lindo visual e belos atrativos naturais. Volte mais vezes , serás muito bem – vindo aqui em São João del rei. Nos procure quando voltar. Teremos muito prazer em recebe-los.