André Ilha e a luta contra proibições em áreas naturais

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Um dos maiores problemas na atualidade da escalada e montanhismo brasileiro são as restrições impostas pelo poder público conta as atividades em parques, que são áreas naturais públicas. Lançando uma luz sobre esta problemática, o diretor de biodiversidade e áreas protegidas do INEA, André Ilha fala como resolver as proibições e também da dificuldade que os parques encontram para administrar as áreas naturais.


Por Pedro Hauck

André Ilha

André Ilha é um dos escaladores que mais contribuíram para o desenvolvimento da escalada e montanhismo no Brasil. Ele já conquistou centenas de vias em diversos Estados brasileiros e também é autor do Manifesto pela Escalada Natural, que em 1983 lançou o conceito M.E.P.A, máxima eliminação dos pontos de apoio, embasamento para a criação dos códigos de ética que visa uma escalada de mínimo impacto.

Muito mais do que apenas escalar, a intelectualidade de Ilha o levou anos mais tarde para a diretoria de áreas protegidas e biodiversidade do órgão executivo da Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, o INEA, Instituto Estadual do Ambiente e lá ele tem feito toda a diferença, resolvendo impasses, permitindo o acesso à áreas naturais e ao mesmo tempo conservando elas, rompendo com uma mentalidade predominante nos demais órgãos ambientais brasileiros de que para preservar é necessário “proibir”.

Em uma breve entrevista à Pedro Hauck, colunista e editor do AltaMontanha, Ilha fala sobre os problemas crônicos de proibições em parques naturais, sobre como podemos fazer para evitar estes problemas e contribuir para a conservação do meio ambiente.

AltaMontanha:
Olá André, você acha que documentos, como as declarações do Tirol e Kathmandu, assim como o manifesto pela escalada natural e a visão ética do M.E.P.A, e a própria política de mínimo impacto, que permeia as conquistas de vias e até mesmo as repetições hoje em dia, são argumentos que os escaladores têm a seu favor para negociarem a liberação de parques proibidos?

André Ilha: Sim, sem dúvida que documentos como esses ajudam muito nesse sentido, mas há mais do que isso. A postura que vem sendo adotada pela FEMERJ e outras federações, que é a de se apresentar aos parques e seus órgãos gestores, discutir com os administradores e participar de seus conselhos consultivos tem sido muito bem-sucedida em quebrar resistências desses gestores e de outros segmentos legitimamente interessados em nossas áreas protegidas, em especial os parques. Com isso conquista-se credibilidade, que é o primeiro requisito para se sentar em uma mesa de negociação.

AM:
&nbsp, O INEA tem realizado convênios com outras instituições que administram parques públicos, como o IEF de Minas Gerais. Qual tem sido a cooperação? Eles têm sido compreensivos para entender que além de impactos no meio ambiente, a relação entre o homem e natureza vai além disso, e também permeia as questões sociais, de como a paisagem e a natureza tem diferentes significados para as pessoas e em especial ao montanhista? Eles têm ideia que as políticas preservacionistas estão prejudicando a cultura do montanhismo, existente há 130 anos no Brasil?

AI: A cooperação nossa com órgãos ambientais de outros estados é intensa e excelente, mas ela não é em todos os campos e nem em todos os momentos. Tivemos a honra (eu e o escalador Sérgio Poyares, que trabalha como responsável pelo Núcleo Três Picos (Salinas) do Parque Estadual dos Três Picos) de sermos convidados para passar um dia inteiro no Instituto Estadual do Ambiente – IEMA do Espírito Santo, onde expusemos nossa política de uso público em geral e o caso do Parque dos Três Picos em particular, e a recepção foi excelente. Acho que serviu para dar aos colegas uma nova perspectiva desta relação parque-usuários, e não me surpreenderei se houver uma razoável abertura nas rígidas regras hoje lá vigentes.

Em março deste ano é possível que eu e Poyares também participemos de um seminário de dois dias sobre montanhismo em unidades de conservação em Minas Gerais com a FEMEMG e com gestores de parques do IEF/MG. Minha expectativa é que este também seja um encontro produtivo.

No plano federal, o ministro Carlos Minc prometeu e o presidente do Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade – ICM-Bio assinou uma portaria que acaba, em tese, com a obrigatoriedade da contratação de condutores de visitantes para se entrar em certos parques, o que foi um grande avanço regulatório, embora ela ainda não esteja sendo observada em alguns parques. Além disso, a criação de um Núcleo de Esportes de Aventura no ICM-Bio foi um gesto claro de aproximação com toda esta classe de usuários dos parques federais. Esta é uma medida inteligente porque convida todos os chefes de parques que tenham muita demanda por, ou potencial para um determinado esporte – mergulho, por exemplo – e lhes proporciona o treinamento básico e algumas saídas práticas para que eles entendam e “sintam” melhor aquele esporte. Em muitos casos o que falta apenas é informação, é saber o que são realmente tais esportes e o que os seus praticantes esperam e traçar, de forma razoável e participativa, os limites aceitáveis para a prática de tais atividades dentro de um parque – e esses limites têm que existir.

No INEA, nosso grande marco regulatório será um decreto que disciplinará o uso público nos parques estaduais fluminenses, cuja minuta final, revisada após um processo de consulta pública pela internet através da página do órgão, quando recebemos ótimas contribuições para aperfeiçoá-la, foi encaminhada para a nossa Procuradoria, para chancela jurídica. É uma proposta bem avançada, que começa com algumas definições e princípios e segue estabelecendo as linhas gerais da relação INEA x usuários balanceando bem os interesses da visitação com os imperativos da conservação. Ela inverte a lógica de alguns atos semelhantes, a de que toda visitação é proibida, a não ser que se haja disposição expressa em contrário, no nosso caso, toda visitação é permitida, desde que não haja disposição expressa em contrário (como nos planos de manejo destas unidades, por exemplo, ou atos específicos para situações que requeiram um tratamento diferenciado).

AM: Quais são os principais problemas que os montanhistas provocam para os administradores dos parques e seus impactos ao meio ambiente. Como podemos ajudar para resolver estes problemas, ou minimizá-los? O montanhista pode ajudar nos estudos dos planos de manejo?

AI: No caso dos escaladores, remoção de vegetação rupícola, pisoteio excessivo em certas bases, grampeação indiscriminada (contrariando, portanto, os princípios defendidos pelos documentos citados acima), ingresso clandestino em áreas que estejam formalmente fechadas, quedas de pedras sobre outros usuários, lixo, às vezes poluição sonora, etc.. Mas quase tudo isso é resolvível com conversa e educação ambiental. Os parques devem estar dispostos a conversar com os montanhistas e demais grupos de usuários e vice-versa. Essa aproximação é muito eficiente, mas o grande desafio é que isso dá trabalho: são muitas reuniões, debates, leitura e redação de documentos… Tem que haver gente localmente disposta a assumir este papel em nome da comunidade.

Mas, sobretudo, há o instrumento dos chamados Seminários de Mínimo Impacto, encontros de um ou dois dias entre o gestor de um dado parque, os montanhistas e outros grupos de interesse, como cientistas e operadores de turismo, que disputam com os montanhistas amadores espaço nas trilhas e vias de escalada, uma realidade hoje inescapável. Já tivemos três aqui no Rio de Janeiro, todos excepcionalmente bem-sucedidos em definir regras consensuais de utilização destes espaços naturais, onde tudo o que é razoável é permitido e tudo o que não é proibido. Por serem fruto de amplos e democráticos debates entre todos os interessados, suas decisões são escrupulosamente respeitadas pela ampla maioria dos montanhistas: contam-se nos dedos as exceções, que são repudiadas pelos demais montanhistas e acabam, de certa maneira, isolando os transgressores. Isso é mais eficiente do que ter centenas de fiscais, embora fiscais sejam necessários também.

AM:, Recentemente ficou pronto o Plano de Manejo do PETP, como este estudo vê a atuação dos escaladores em seu interior?

AI: Simples: fizemos o Seminário de Mínimo Impacto do Parque Estadual dos Três Picos, que durou dois dias e teve cerca de 100 pessoas participando, tirou-se um documento consensual e este documento foi levado, sem alterações, para dentro do Plano de Manejo. Depois o Plano de Manejo foi aprovado por uma Resolução do Conselho Diretor do INEA e as regras que os montanhistas discutiram viraram a “lei” daquela unidade de conservação.

Já fizemos também o Seminário de Mínimo Impacto do Parque Estadual da Serra da Tiririca, mas ele ainda não tem Plano de Manejo, que será licitado neste ano. E em 2010 também faremos o Seminário de Mínimo Impacto do Parque Estadual da Pedra Branca, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro e cheio de vias de escalada, e licitaremos o seu Plano de Manejo. No Parque Estadual da Ilha Grande o Plano de Manejo está sendo revisado, e a revisão contempla os esportes mais comumente praticados nele, como caminhadas e mergulho, ainda que sem seminário.

AM: O que você acha das áreas intangíveis dentro dos parques? Existe uma frase que diz que aonde o visitante não pode ir, vão os criminosos, como palmiteiros, caçadores e madeireiros. Você acha que a presença indiscriminada de extrativistas dentro de áreas proibidas de Parques, como o de Itatiaia, é “acobertada” pela falta de pessoas transitando no interior de uma U.C?

AI: A frase é perfeita, mas há áreas excepcionais que devem, sim, ficar fechadas, salvo em situações igualmente excepcionais. A questão é que tais áreas são raras, e certos parques ficaram inteiros fechados. Portanto, trata-se de uma questão de bom senso, melhor resolvida em encontros como os Seminários de Mínimo Impacto ou equivalente. No Parque Nacional da Serra dos Órgãos a coisa foi muito bem resolvida entre FEMERJ, chefia do parque e demais segmentos nele interessados por meio de diversas rodadas de conversa direta, em que pelo menos duas propostas de zoneamento ambiental bem diferentes foram sobrepostas e, no fim, chegou-se a um acordo satisfatório para todos.

AM: Podemos dizer que o “Paradigma” da crise ambiental é o principal problema para o montanhismo no século XXI? O que o montanhista pode fazer para lidar com este problema?

AI: Não necessariamente. Os montanhistas devem entender a realidade dos dias atuais, que é bem diferente da de 10 ou 20 anos atrás, se posicionar e agir com inteligência e perseverança, pois os resultados às vezes demoram a vir. Mas, quando vêm pela via do diálogo, são bem sólidos e duradouros.

Parque dos Tres Picos, um exemplo para o Brasil

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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