Cerro Plata de forma independente

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Pensar fazer alta montanha de forma totalmente autônoma, pode parecer algo muito difícil, distante ou perigoso, quando você é um Paulistano, que pega metrô lotado todos os dias, se dedica ao trabalho de segunda a sexta-feira, paga suas contas, impostos, além de viver num país tropical a nível do mar, em uma das maiores metrópoles do planeta terra, rodeada de prédios, trânsito e poluição.

Pois bem, após uma temporada de alta montanha na Bolívia em julho de 2018, na ocasião com guias locais, logrei êxito fazendo 05 cumes em 20 dias, sendo 02 destes acima dos 6 mil. Foi quando percebi que juntando a minha experiencia em travessias de montanhas, explorações de vales e rios selvagens e principalmente escalada em rocha no Brasil, eu poderia ser capaz de fazer a primeira expedição em alta montanha de forma totalmente autônoma.

Se virar num país estrangeiro, em um ambiente, clima, logística de lugares que você nunca esteve antes, te faz ser um iniciante, mesmo com a bagagem de esportes e aventuras no Brasil. O planejamento prévio foi algo fundamental, muitas pesquisas de relatos, inclusive no site alta montanha, sites estrangeiros, e dicas de amigos, e amigos de amigos que já estiveram pelas bandas de Mendoza, Cordón del Plata ou no próprio Cerro Plata.

Como por alguns dos fatores mencionado acima, é muito difícil encontrar parceiros para alta montanha no Brasil, principalmente que já tenham experiência e estejam dispostos a correr os riscos para uma expedição independente, carregando e tendo seus próprios equipamentos, preparo físico e disponibilidade de data.

Foi quando através de um grupo de Alta Montanha no Whatsapp, comentei a minha intenção de fazer o Cerro Plata em dezembro, e então o Ediceu Pereira e Alexandre Grande se manifestaram e começamos a conversar, em paralelo eu convidei um grande amigo de escaladas e travessias, Vinícius Miyazaki que também mostrou interesse.

Papo vai e papo vem, enfim definimos a equipe, que ficou em duas duplas responsáveis em dividir equipamentos, Eu (Silvester Natan) e o Vinícius Mzk, Ediceu e Alexandre.

Corremos atrás de botas duplas, crampons, barraca, jetboil e tudo que faltava, nos mínimos detalhes, dentre os itens, a barraca e o jetboil seriam compartilhados, sendo 01 por dupla. E após algumas apresentações sobre o projeto da expedição, e a ajuda de alguns amigos, consegui o apoio da Decathlon Morumbi e a grande fabricante de roupas Columbia Brasil, agora estava tudo pronto.

Planilhas feitas, mapas desenhados e descarregados nos nossos dispositivos GPS, Spot Gen3 configurados e malas prontas, chegou então o dia do embarque.

Silvester Natan Sanches, Aeroporto Internacional Santiago, Chile

Alexandre embarcou para Mendoza 02 dias antes (19/12), e eu sai do trabalho na sexta-feira (21/12) passando em casa apenas para pegar a mochila e partir em direção ao Aeroporto Internacional de São Paulo. Ediceu e Vinícius embarcaram na mesma sexta-feira, porém em um voo mais tarde, que também faria escala em Santiago do Chile na mesma madrugada, e foi quando encontrei-os. Devido as horas de espera para o voo com destino a Mendoza-AR, nos esticamos nas cadeiras do aeroporto, cochilamos algumas horas, depois acordamos tomamos um café e embarcamos.

Chegamos em Mendoza sábado 22/12 aprox 10h00 da manhã, foi quando surgiu a primeira grande dificuldade da expedição, ao passar pela alfandega argentina, a entrada do Vinícius Mzk no País foi negada, devido a algumas rasuras no RG e o mesmo foi deportado instantaneamente, com parte de equipamentos e comidas que íamos dividir.

CHEGADA EM MENDOZA, COMPRAS E LOGÍSTICA

Ficamos abalados com a perda no time, eu principalmente, pois era uma pessoa que já escalava e fazia montanhas comigo no Brasil e já tinha entrosamento, além de conhecer os limites físico e de resistência, devido alguns treinos que fizemos juntos anteriormente.

Chegando no Aeroporto Internacional El Plumerillo, Eu e o Ediceu, tomamos um táxi com destino ao centro de Mendoza, onde encontraríamos o Alexandre, no mercado Central.

Foto: Google, Mercado Central, Mendoza – Argentina.

Nos reunimos então, e fomos as últimas compras, o mercado central é excelente lugar para comprar mix de frutas, castanhas, arroz, condimentos, frutas, legumes, queijo, salame e afins, e num preço super amigável.

Depois das compras no mercado central, tomamos outro taxi para o terminal rodoviário del sol de Mendoza, que fica apenas 3km do Mercado central. E então aprox. 17h30 pegamos um ônibus da empresa A. Buttini com direção ao vilarejo de Las Vegas, aprox. 01h30 de viagem, onde hospedamos e pernoitamos no hostel Los Rabanitos, local onde encontramos no dia seguinte as 09h00 com o famoso Peter Transfer, o transfer oficial e regularizado que faz serviços na região de Córdon del Plata.

A viagem de Las Vegas até o ponto inicial, Luján de Cuyo, dura em torno de 01h00 numa subida sem fim, ganhando cada vez mais desnível, quando desembarcamos no Sendero, próximo ao refúgio Ski & Montana, com altitude aprox. de 2.900 m, que seria nosso ponto de partida da expedição.

Dia 01 – Córdon del Plata – Las Veguitas, Raios e Trovões.

Começamos a trilha partindo do Sendero (2.900m) com direção a Las Veguitas (3.200m), numa trilha íngreme e bem batida, e após alguns minutos de pernada, se encontra a famosa placa do Parque Córdon del Plata, a trilha atravessa um riozinho, e depois continua subindo sempre próximo do mesmo, até que uns 30 minutos se chega a enorme campo aberto, com muita vegetação, chamado Las Veguitas (3.200m).

Foto: Silvester Natan Sanches, Sendero, Córdon del Plata.

Para não agredir muito o corpo, que a poucas horas estava próximo do nível do mar, decidimos montar acampamento neste local, onde havia uma pedra muito grande, que protegeria a barraca dos ventos vindo do vale.

Montamos acampamento em Las Veguitas(3.200m), fizemos almoço, verificamos os pontos de águas, que na verdade é o mesmo rio que se vê na trilha, e então decidimos portear alguns equipamentos para o próximo acampamento, em Piedra Grande (3.600m) numa trilha de aprox 3km que fizemos em 01h00.

Após chegarmos em Piedra Grande (3.600m), tomamos uns goles de água, averiguamos algumas características do local, escondemos os equipamentos abaixo de algumas pedras e retornarmos para o acampamento em Las Veguitas (3.200m), com o tempo já fechado, e caindo algumas gotas, o final da tarde foi marcado por uma forte chuva, muitos raios e trovões, recebendo as boas-vindas ao Córdon del Plata.

Foto: Silvester Natan Sanches, acampamento em Las Veguitas, Córdon del Plata.

Dia 02 – Piedra Grande e bem-vindo a neve.

Após a primeira noite, sentimos o drama do que seria ter 03 pessoas numa barraca The North Face Asault 2, que comportou os 03 mulambos, as 03 mochilas e ainda teve seu avanço utilizado como cozinha, para fazer a sopa de jantar debaixo da temporal d’água.

O dia amanheceu aberto, e o visual parecia uma espécie de paraíso nórdico, com um extenso campo verde, cercado por montanhas pontiagudas, e paredões de gelos ainda maiores ao fundo.

Tomamos nosso café da manhã, desmontamos o acampamento em Las Veguitas (3.200m) e partimos a mudança para Piedra Grande (3.600m), subimos um pouco mais pesado agora, levamos aprox. 01h30 e logo achamos uma área de acampamento novamente bem protegida por enormes pedras.
O visual agora ia ficando cada vez mais espetacular, com o Cerro Rincón e sua super canaleta a frente, a direita se complementava com o Cerro Adolfo Calle (4.300m) e Cerro Stepanek (4.100m) e suas constantes avalanches de pedras, que sempre ocupavam o silêncio do lugar.

Foto: Silvester Natan Sanches, Piedra Grande (ao fundo Cerro Adolfo e Stepanek), Córdon del Plata.

A partir de Pedra Grande fica mais evidente as mudanças constantes de tempo, que parece acontecer a cada 5hrs acima dos 4.200m, em poucas horas o tempo aberto de tomou com muitas nuvens e ventos.
Abastecemos a água, no rio que corre do lado direito do acampamento, aos pés do Cerro Stepanek, comemos alguns Snacks, e então preparamos alguns equipamentos para serem porteados para o próximo acampamento El Salto (4.300m) em uma distância aprox de 3km, com duas fortes subidas, sendo uma delas o famoso Infernillo, já próximo da cachoeira formada por água de degelo, que justifica o nome do acampamento (El Salto).

Foto:Silvester Natan Sanches, Trilha para El Salto com tempo fechado.

Percorremos de Piedra Grande (3.600m) até El Salto (4.300m) em aprox 02h00, pegando um forte nevoeiro e uma breve nevasca na sua reta final. Novamente escondemos alguns equipamentos e comidas, e retornamos para o acampamento de Piedra Grande (3.600m), e quando chegamos e não foi apenas descansar.

Foto: Silvester Natan Sanches, Acampamento El Salto (4.300m) com tempo fechado.

Dia 03 – Piedra Grande e ociosidade.

Após algumas subidas e descidas nos dias anteriores, decidimos manter um dia inteiro de descanso em Piedra Grande (3.600m), para deixar nosso corpo acelerar a produção de glóbulos vermelhos e se adaptar mais rápido a altitude.

A pedida do dia foram algumas partidas de baralho, descanso e seguido de um dia totalmente aberto e ensolarado, diferentes dos anteriores.

Foto: Silvester Natan Sanches, Acampamento Piedra Grande (3.600m) dia de descanso.

CONTINUA

Cerro Plata de forma independente: Parte 2

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1 comentário

  1. Massa de mais!

    Espero ansiosamente pela segunda parte até o cume.

    Parabéns aos aventureiros e ao Alta Montanha por divulgar o relato.

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