Climbing trip IV – Aniversário na Guindilla!

0

À que confessar que estávamos satisfeitos após 3 aberturas (“Ai que Saralho, pas de condition” nos Alpes, “Ilógica metrológica” nas cercanias de Benasque e “Matilde” em Peña Montañesa) e desgastados física e psicologicamente pela “Matilde”. Chegara a hora de parar de abrir, mudar de local e desfrutar de umas escaladas bonitas por aí.

 

Depois de terminada a via em Peña Montañesa ainda tínhamos uma semana e meia para dar asas à imaginação, com perspectiva de alguns dias de bom tempo pelas paredes dos Pirinéus. Com Ordesa mesmo ali ao lado por conhecer e estimulados pelo novo guia de Christian Ravier e Rémi Thivel, decidimos pela repetição de uma via no magnífico cenário do parque natural, já considerado Património da Humanidade. 
 
Para conhecer a escalada naquelas enormes paredes, escolhemos uma via mais acessível, apelidada de “Bonita clássica”, com cerca de 300/350m (dependendo do croquis), “Grand Diedro 73” na parede do Gallinero. Uma via para desfrutar!
 
Assim, dia 15 de Agosto, as nossas mãos tocaram pela primeira vez o típico calcário de Ordesa. Largo após largo ganhámos verticalidade, e a cada reunião, os nossos olhos pousavam na imensidão das restantes paredes. É de facto como dizem, as vias em Ordesa são… arejadas. Conhecemos as típicas reuniões montadas num quadradinho de rocha acima do ar, as tão afamadas presas geométricas e desfrutámos muito de uma via decididamente 5 estrelas, com estéticos largos (especialmente o antepenúltimo e penúltimo… Uáu!).
 
Lá em cima, algures pelas 18:00, a prioridade deixou de ser descer quando a beleza da paisagem literalmente nos invadiu. Paredes gigantes a talharem vales a perder de vista, o verde intenso da vegetação, as cabras selvagens, as marmotas atrevidas… tudo nos convidava a ficar ali, simplesmente a apreciar a vista e a vida. 
 
Uma hora mais tarde, lá nos convencemos que ainda tínhamos muito que andar até chegar ao carro e se queríamos chegar de dia, o melhor era pôr as pernas a mexer. Por essa altura, já nos parecia difícil deixar Ordesa sem antes desenhar uma nova via numa das suas paredes. Na verdade, Ordesa para escaladores, é como uma interminável loja de doces para crianças.
 
Com previsão de bom tempo para os próximos 3 dias… ou 2 dias e meio, decidimos não nos entusiasmar demasiado e fazer primeiro um reconhecimento à parede “Abismo de Carriata”, a parede da direita do Circo de Salaron, mesmo ao lado do arqui-famoso “Tozal del Mallo”. A escolha prendeu-se com um simples facto, os 300m dessa parede contavam apenas com duas vias, ou seja, aquele quadro tinha espaço para se pintarem muitas mais linhas. Uma caminhada de cerca de hora e meia deixou-nos na base e com alguma rapidez traçamos mentalmente uma linha que nos levaria ao topo da parede. Estava decidido, nos dias 17 e 18 iríamos tentar abrir a nossa via em Ordesa.
 
Mas dia 17, para além de escalar, queríamos desfrutar de um fim de tarde tranquilo e um jantar numa preciosa esplanada de Broto. Afinal estávamos de férias e… eram os meus anos!
Para que tal fosse possível, não nos restava outra solução a não ser acordar novamente com os passarinhos, a horas que seguramente se fosse para trabalhar… não me levantava!
 
Pelas 9:30 começamos a escalar. A mim, tocou-me de presente o primeiro largo. Pintei exactamente a linha que tinha imaginado no dia anterior, apenas com mais alguma dificuldade do que o previsto. Passei depois os pincéis ao Paulo que esboçou mais dois largos nesse dia. A coisa correu-nos de feição, a linha foi ganhando um cariz de “Clássica”, com dificuldades amenas e sem a necessidade de colocação de qualquer espécie de protecção fixa, nem nas reuniões!
 
Chegando à altura máxima para o dia, dentro do comprimento de corda que tínhamos para fixar, descemos a boas horas para curtir o nosso final de tarde tranquilo, tal qual como previsto… algo que raramente acontece nestas lides! Aproveitámos para espreitar um bonito vale que fica mesmo ali ao lado, o vale de Bujaruelo, cujas paredes também têm um aspecto promissor… para outra altura!
 
No dia seguinte, tínhamos pela frente mais de metade da parede, pelo que novamente nos forçámos a acordar com os passarinhos, com o objectivo de terminar a via… ou deixá-la por terminar! As previsões meteorológicas não eram animadoras para a tarde, mas como se diz por cá: “Quem não arrisca…”!
 
Os largos sucederam-se com fluidez e a abundância de fissuras para proteger fez com que o tempo gasto fosse o mínimo por largo e reunião. Para o final, o cansaço já se fazia sentir, no entanto o bom horário que mantínhamos deu-nos a certeza de que iríamos sair da via por cima, como tínhamos imaginado dois dias antes.
 
Pelas 18:30 chegamos ao topo da parede, já com umas nuvens ameaçadoras a preencherem o céu. Ainda assim, desfrutamos do fim da via a apreciar uma vista deliciosa, sentados num tapete de relva verdejante, a degustar uma sandes de pão duro que nos soube a refeição de luxo.
 
Após uma looooonga descida, perto das 9 da noite chegávamos sorridentes (sim, com um sorriso de orelha a orelha!) ao camping onde estávamos instalados, cheios de vontade de fazer um jantar ligeiro, acompanhado de um bom vinho português e… de uma potente guindilha espanhola a servir de aperitivo. 
 
Mas a chuva que estava prevista para a tarde, acabou por chegar ao camping mais ou menos ao mesmo tempo que nós! Nada como uma carga de água à séria para nos empurrar para um belíssimo jantar num restaurante em Broto!
E assim, com a chegada do mau tempo que se ia instalar no vale por alguns dias, e ainda com meia semana pela frente, decidimos mudar de poiso, aproximarmo-nos vagarosamente de casa e mudar de rocha.
 
Apontámos a viatura para o granito…
 
 
Daniela Teixeira
 
Compartilhar

Sobre o autor

Daniela Teixeira e Paulo Roxo é uma dupla portuguesa que pratica escalada (rocha, gelo e mista) e alpinismo. O que mais gostam? Explorar, abrir vias! A Daniela tem cerca de 10 anos de experiência nestas andanças e o Paulo cerca de 25. A sua melhor aventura juntos foi em 2010, onde na cordilheira de Garhwal (India - Himalaias), abriram uma via nova em estilo alpino puro na face norte da montanha Ekdante (6100m) e escalaram uma montanha virgem que nomearam de Kartik (5115m), também em estilo alpino puro. Daniela foi a primeira e única portuguesa a escalar um 8000 (Cho Oyu). O Paulo é o português com mais vias abertas (mais de 600 vias abertas, entre rocha, gelo e mistas). Daniela é geóloga e Paulo faz trabalhos verticais. Eles compartilham suas experiências do velho mundo e dos Himalaias no AltaMontanha.com desde 2008. Ambos também editam o blog Rocha Podre, Pedra Dura (rppd.blogspot.com.br)

Comments are closed.