O império Inca já estava dilacerado pela guerra civil quando Francisco Pizarro conquistou-o, emboscando e depois estrangulando Atahualpa. O povo foi escravizado nas minas de prata, novas doenças dizimaram a população, as preciosas e milenares técnicas agrícolas foram abandonadas, a economia entrou em colapso e a herança cultural foi reprimida.
O chamado último inca foi Tupac Amaru, sobrinho de Atahualpa, que chefiou uma frustrada revolta. Muito tempo após, surge um novo Tupac Amaru II, também descendente de Atahualpa por linha materna, que lidera a maior das rebeliões coloniais de sua época.
Leia a seguir trechos de sua condenação, onde juntei e adaptei passagens da sentença do promotor espanhol Jose Antonio de Areche. O estilo de Areche foi preservado: duro, argumentativo, autoritário e retórico.
Já tendo passado pelas Filipinas e pelo México, Areche chegou ao Peru em 1777 com a incumbência promover reformas e melhorar a arrecadação. Aumentou o valor e a abrangência dos impostos e logo se indispôs com o Vice-Rei, obtendo a sua demissão. Sua administração violenta e suas acusações mentirosas ao Vice-Rei fizeram com que tivesse de voltar à Espanha em 1780. Passados nove anos, acabou banido da corte, vindo a falecer meio ano depois na sua terra natal.
Apresenta-se diante de mim a causa criminal contra José Gabriel Tupac Amaru pelo horrendo crime de rebelião junto aos índios e mestiços, com a intenção de coroar-se seu senhor e libertá-los do que chamava as misérias destes habitantes que logrou seduzir.
A sentença de sua execução será de interesse ao público e a todo o reino do Peru, para a imediata tranquilidade das províncias sublevadas por ele, evitando-se as várias ideias que se espalharam pela nação dos índios, cheios de superstições que os induzem a crer na impossibilidade de que se imponha ao réu a pena capital devido a seu caráter nobre – acreditando-se que pertença ao tronco principal dos incas, como assim se intitulou, e portanto dono absoluto e natural destes domínios e sua vassalagem. Considerando-se ainda os baixos costumes dos índios e da plebe, que contribuíram para a prática das intenções depravadas de Tupac Amaru, que os tem alucinados, submissos e obedientes a qualquer ordem sua.
Ele os fez exercer um ódio implacável a todo europeu, tornando-os autores de inúmeros estragos, insultos, mortes, estupros e profanações, através de seu sistema contrário ao nosso legítimo Soberano – contra o mais augusto, benigno, venerável e amável de quantos monarcas ocuparam até agora o trono da Espanha e das Américas. Ele subtraiu aos habitantes do reino a justa obediência a nosso legítimo e verdadeiro Senhor, aquele que foi colocado por Deus mesmo, para que nos comande como Soberano.
Sob o baixo e frívolo pretexto de ser descendente legítimo e único do sangue real dos imperadores gentios, causou tal impressão nos índios, que estes lhe falavam e escreviam com a maior submissão e respeito, faltando às suas obrigações de fidelidade ao seu rei natural – prova clara, evidente e dolorosa do extraviado espírito desta classe infeliz, que desconhece a subordinação devida à legítima autoridade de nosso adorável Soberano.
Este insurgente e ingrato traidor tornou os índios fraudadores dos impostos, pondo em risco as sagradas rendas do Estado. Ignorou o que a religião e a vassalagem lhe impõem – a obediência a seus superiores, que não desejam outra coisa senão a mais completa felicidade dos índios, mantendo-os na justiça, defendendo-os contra toda autoridade inimiga, ou qualquer pessoa que os insulte ou prejudique suas vidas, seus bens, seja na sua propriedade, na sua honra e no seu sossego.
Condeno José Gabriel Tupac Amaru a que seja trazido até a praça principal da cidade e presencie ao julgamento de sua família e seus auxiliares. Concluídas estas sentenças, será cortada sua língua e depois terá seus membros amarrados a quatro cavalos, de forma que cada um os arraste para cada esquina da praça – dividido seu corpo em tantas partes, que seja este queimado em fogueira preparada na mesma colina onde tentou sitiar esta cidade.
Sua cabeça será remetida à província de Tinta, um dos braços ao povoado de Tungasuca que governou, o outro braço à capital da província de Carabaya e as pernas às vilas de Libitaca e Santa Rosa. Que suas casas e as de seus asseclas sejam arrasadas e que seus bens sejam confiscados, com pagamento da correspondente comissão aos juízes provinciais. Que todos os indivíduos de sua família sejam considerados infames e permaneçam inabilitados a qualquer herança.
Proíbe-se ainda que os índios usem seus trajes típicos, e em especial os da nobreza, que apenas servem para recordá-los de memórias que acarretam ainda mais ódio à nação dominante – além de seu aspecto ridículo, e pouco conforme à pureza de nossa religião, pois expõem várias de suas partes ao Sol, que foi sua primeira divindade. Que se desfaçam de todas as pinturas de seus incas, que abundam nas casas dos índios que se consideram nobres, para se gabarem de sua descendência. Que se vistam com nossos trajes espanhóis e falem nossa língua castelhana.
Que se proíbam os trombones ou clarins que os índios usam em suas representações, que produzem um som estranho e lúgubre, com o qual anunciam sua dor e infeliz memória. E as vestimentas negras em sinal do luto por seus monarcas defuntos e pelos tempos da conquista, que eles consideram fatal e nós feliz, pois eles se submeteram à Igreja Católica e ao amabilíssimo e dulcíssimo domínio de nossos reis.