Escalada em bloco no Brasil

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O Brasil é um país privilegiado na prática em escalada em Bloco, ou boulder, como preferem muitos. Veja por que esta modalidade tem tudo para se tornar cada vez mais popular.

A escalada em blocoboulder ou bouldering como preferem muitos, é uma das modalidades de escalada mais praticadas no mundo. Trata-se de uma escalada em matacões de poucos metros de altura em que o pouco tamanho é recompensado pela grande dificuldade técnica, pois caso contrário não haveria graça alguma.

Escalada de Boulder.

É uma atividade extremamente viciante o que coopera para que seja muito praticado. Fora o desafio técnico, é a modalidade de escalada mais democrática que existe, pois não requer equipamentos, basta uma sapatilha e um colchão que amorteça uma queda e pronto, tens o suficiente para fazer um boulder!

Além destas peculiaridades técnicas e por não dizer, econômicas, na prática de escalada em blocos, o relevo brasileiro também contribui e muito para a disseminação desta modalidade, pois os processos evolutivos que atuaram na molduramento do relevo no Brasil culminaram na gênese dos chamados “campos de matacões” que são muito comuns no país.

Quando falamos no relevo, estamos falando de formas que foram oriundas de processos que atuaram no passado e que através de eventos prolongados de erosão ou rápidos processos de deformação de estruturas culminaram nas formas atuais. Na astronomia há uma frase famosa que diz que quando olhamos para as estrelas estamos olhando para o passado. Na Geomorfologia, que é a disciplina que estuda as formas e a evolução do relevo, esta famosa frase também pode ser aplica, pois quando olhamos para a Paisagem, também olhamos para o passado…

Acontece que a natureza não é tão estática como pensam alguns ecoxiitas, ela vive constantes transformações. Em um artigo anterior, pude explicar, por exemplo, que no Rio de Janeiro, em um lapso de tempo relativamente curto, 10.000 anos, a cobertura vegetal predominante era a caatinga, ao contrário da atual floresta úmida. Em um lapso de tempo longo, como o tempo demandado desde o inicio do Cenozoico (65 milhões de anos), houveram grandes transformações climáticas que emolduraram o relevo e transformaram as paisagens.

O clima é um eficiente agente de emolduração do relevo. Em ambientes úmidos, os rios perenes entalham seus canais, solos se desenvolvem, tornando-se profundos com a atuação da pedogênese. A umidade permite grande desenvolvimento da vida vegetal e as florestas desenvolvem níveis avançados de sucessão ecológica, o relevo tende-se a suavisar-se com a evolução dos solos, montanhas tendem-se a amorrear-se tomando formas arredondadas como “meio laranjas”, formando em conjunto, os mares de morros.

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:: Origens e evolução da Serra do Mar – Coluna Pedro Hauck

Em climas secos, a pedogênese dá lugar à morfogênese. A escassez de água não permite o desenvolvimento de grande biomassa e os solos, sem proteção, tendem-se a ser erodidos. O solo é removido e a rocha é desnudada, as vertentes sofrem recuo em formas paralelas e o material erodido é transportado nas baixadas, formando rampas de colúvio que evoluem, em uma larga escala, para pedimentos que quando se unem, formam uma superfície quase plana, chamada pediplano.

Boulderes na Serra dos Cocais, Valinhos SP.

Ora, nestes dois últimos parágrafos descrevi dois Domínios de Paisagens brasileiros de características distintas, o das Caatingas do Nordeste e dos Mares de Morros (anteriormente) florestados típicos do Sudeste. Estes Domínios são exemplos de processos que atuaram durante o Cenozoico, pois nestes últimos 65 milhões de anos eles se alteraram em todo o Brasil, assim, onde hoje existem florestas úmidas com relevo amorreado, anteriormente foi um ambiente aplainado e seco.

No Brasil houveram 3 fases prolongadas de aridez alternadas com fases úmidas. Estes paleoclimas, associados também com movimentos epirogenéticos isostáticos são responsáveis pela gênese do relevo brasileiro. E a forma mais comum da alternância destes processos são os campos de matacão, ilustrados pelas fotos ao lado.

Na evolução deste tipo de relevo tão apreciado por nós escaladores, há a influência de todos estes fenômenos que descrevi. Um dos modelos mais aceitos no mundo sobre a origem deste relevo foi descrito por Twidale em 1976, ele é ilustrado ao lado em um esquema didático em perfil. Primeiramente é necessário haver uma deformação das rochas causadas por qualquer movimentação tectônica a fim de haver fraturas nas estruturas, as chamadas diáclases.

Evolução do relevo de caos de blocos de acordo com Twidale (1978).

Em climas úmidos (A) irá haver a atuação da pedogênese aprofundando os solos de maneira desigual. A água irá penetrar as diáclases das rochas, pois estas são pontos de maior fraqueza e maneira que a rocha será intemperizada de maneira mais profunda nestes pontos.

Com a alternância para um clima seco (B e C), a rocha é desnudada com a dilaceração dos solos e são aflorados os boulderes que haviam sido resistido aos processos de formação de solos. Como algumas rochas como o granito são esfoliadas como uma cebola, os blocos ficam arredondados e postos em equilíbrio uns acima de outros.

Este processo pode continuar com a passagem do tempo como se vê em E e F, até que os blocos fiquem mais dispersos e até mesmo desapareçam.

Evolução de boulder em subsuperfície no Paraná.

Há muitos lugares onde é comum encontrar este tipo de relevo no Brasil. Sendo muito comum em toda a borda do Planalto Cristalino no rebordo da bacia do Paraná e nos rebordos das depressões interiores do Nordeste.

Concluindo, não são somente as características técnicas e econômicas da prática do boulder que a tornam um tanto democrática e popular, mas também os próprios processos geomorfogenéticos. Agora é só chamar os amigos pra brindar a circundesnudação pós-cretácica.

Kmon!… Sangue nozóio!

Para saber mais:

Ab´Sáber, A.N. A depressão periférica paulista: um setor das áreas de circundesnudação pós-cretácica na bacia do Paraná. Geomorfologia, São Paulo, IG-USP, nº 15, 1969

Bigarella, J.J. Estrutura e origem das paisagens tropicais e subtropicais. Ed. UFSC. Florianópolis, 2003.

Guerra, A.T; Cunha, S.B. Geomorfologia do Brasil, Ed. Bertrand, Rio de Janeiro, 1998.

Twidale. Analysis of Landformas. Wiley. London, 1976.

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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