Escalando as pequenas grandes paredes de Pedralva

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Na pequena Pedralva, sul de Minas, fica a Serra do Pedrão, um grande monólito rochoso de cerca de 300 metros de altura e mais de um quilômetro de largura, com muita escalada tradicional e ainda muito potencial para novas vias.

Aproveitando uma pequena folga nos estudos e que minha amiga Luciana Maes, de Balneário Camboriú, estava em férias, demos um tempo ao chuvoso sul das frentes frias do começo de maio e fomos para Minas Gerais à
busca de paredes e escaladas de aventura.

Nossa primeira parada foi em Andradas, lugar que já é conhecido por ter vias de até 200 metros de altura em estilo tradicional e que ficou famoso na extinta revista Headwall. Após dois dias de escaladas pela região, fomos para um lugar ainda pouco frequentado, a Serra do Pedrão em Pedralva.

Pedrão de Pedralva

Pedralva fica próximo a Pouso Alegre, cerca de 300 km de São Paulo e uns 400 de Belo Horizonte. A via mais famosa do local foi aberta por João Bosco Vilela e é uma obra prima. Trata-se da via Evolução, simplesmente
uma das melhores vias que eu já escalei. Ela é 5° no geral, mas têm duas enfiadas muito bem trabalhadas de 6° sup, 320 metros de altura, 10 enfiadas que dão uns 400 metros de escalada bem protegidos, ideal para quem está começando na arte de escalar grandes paredes, já que nem é preciso utilizar peças móveis.
Apesar da mamata, a via não é tão fácil assim. Diferente da maioria das vias de parede que tem partes muito fáceis de costão seguidas e partes mais difíceis com progressão em artificial. A Evolução é muito constante e é inteira em livre proporcionando uma escalada maravilhosa do começo ao fim.

Escalei esta via em 2006, junto com meus amigos Leonard Moreira de Campinas e Tacio Philip de São Paulo. Tacio esteve lá dois meses mais tarde e fez a via em solitário, fazendo auto segurança num soloist, no dia de
seu aniversário.

Mas o Pedrão de Pedralva não é só a Evolução. Com tanta parede, é desperdício ter apenas aquela via, aliás, o Pedrão tem uma peculiaridade muito interessante e incomum. A maioria dos grandes monólitos do Brasil são altos, mas não tem paredes largas, em Pedralva é como se existisse uma falésia de escalada esportiva, mas com 300 metros de altura que não é totalmente aproveitada. Isso, entretanto, está mudando, pois os escaladores da região estão começando a abrir novas linhas de parede, como as que estivemos escalando agora.

Chegando em Pedralva, nos encontramos com o Tacio no único hotel da cidade e no dia seguinte fomos com a sua possante Land Rover Defender até quase a base da parede, subindo uma trilha aonde os demais carros não vão e que nos economizou um bom tempo de caminhada.

Chegando de Land Rover na base da via

A primeira via que entramos no dia é a mais fácil do Pedrão, Sabotadores. Ela tem seis enfiadas e 200 metros de altura, a graduação ficou em 4° V E1 e não tivemos grandes problemas em escalá-la. Já a segunda via do dia,
Suanu Arco foi terrível. Ela está graduada em 4° VI sup E3 200 metros. No entanto este E3 é que ficou meio suspeito.

Até a enfiada de VI sup podemos dizer que a via é realmente um E3, com proteções distantes, mas visíveis. A enfiada de VI sup é bem protegida, entretanto depois disso parece que os conquistadores ficaram sem dinheiro para proteger a via. A penúltima enfiada tem 45 metros de escalada e somente uma proteção. Eu guiei esta enfiada, mas como a parede tem muito líquen, eu não enxerguei a chapeleta e estiquei estes 45 metros sem proteger, o que foi para mim um risco mortal, nunca xinguei tanto escalando e nem passei tanto aperto, mesmo sendo um 4°.

O maior problema de escalar sem ter proteções fixas é se perder na parede. Isso é muito comum e terrível, pois você começa a escalar sem se preocupar, pois a graduação é fácil, entretanto, você por engano começa a
sair da linha e pode esticar a corda e sair num lugar fora da via, sem ter por onde rapelar o que te obrigaria a desescalar a via. Por sorte eu segui uma linha óbvia e cheguei na parada, que por sinal estava escondida após um pequeno platô que só se tornou visível quando eu cheguei a dois metros dela, ou seja, forma quase 45 metros em que eu achei que estava perdido na parede, algo que não desejo para ninguém.

A exposição não acabou por aí. A última enfiada, outro 4° não tinha mesmo nenhuma proteção no meio. É por isso que acho que este E3 é meio equivocado. Duas enfiadas e só uma proteção quase invisível é na verdade
um E muito maior que 3, meu coração foi parar na boca.

Voltamos para o Pedrão no dia seguinte, para escalar a via mais completa de Pedralva, Racha Cuca, 5° VI sup E2 300 metros de proteções mistas. Uma via nova com menos de um ano de conquista.

A primeira enfiada tem apenas uma proteção fixa, mas ela segue uma fenda transversal perfeita para colocação de Camalots, o que a deixa bem segura. No começo há um grande trecho de escala em musgo, pois este trecho
fica sob sombra boa parte do dia. É preciso ter bastante cuidado para não escorregar.

Escalamos a via da seguinte maneira. Eu fui guiando numa ponta, no meio, subia Tacio unido a duas cordas e na outra ponta veio a Lú. Depois de guiar uma enfiada, eu dava segurança para Tacio que tirava a corda de cima e engatava a corda de baixo quando passava pelas proteções. Depois da reunião, quem passava a dar segurança era o Tacio enquanto Lú subia retirando as proteções móveis e as expressas. Dessa forma quem guiava a escalada era ora eu ora a Lú.

O começo da Racha Cuca é bem tranquila, até a terceira enfiada que tem um lance de VI grau meio adrenante por causa da exposição e por que esse lance fica logo depois de uma proteção móvel numa pequena fenda onde é
melhor a colocação de um nut médio onde eu protegi com um camalot que ficou muito porcamente protegido.

A quarta enfiada é um V grau típico de parede, com apenas três proteções fixas, lá passamos pelo maior aperto nesses dias de escalada. Esta enfiada foi guiada pela Lú que depois costurar a segunda proteção enxergou uma chapeleta da via do lado, a Suanu Arco, que havíamos feito no dia anterior.

Ela fez uma travessia transversal perigosa e adrenante no silêncio, sem que soubéssemos de sua perrengue. Depois ela entrou na enfiada mais difícil da outra via, um VI grau que não foi nada comparado com a travessia. Ela só foi perceber que estava na via errado depois de ter esticado a corda e ter costurado duas proteções a mais do que a que constava para aquela suposta enfiada no croquis. Ela teve que rapelar de baldinho até a parada, para isso, o Tacio, que tava na segurança, teve que dar uma escalada se não a corda não chegava.

A próxima enfiada, um IV, quem guiou foi o Tacio, mas a Lú teve que fazer de novo sua travessia, desta vez com a corda de cima, para recuperar o material deixado na via do lado e fazer outra travessia para voltar para a Racha Cuca, desta vez menos adrenada.

Após esta enfiada ficou o lance mais difícil da via, o crux de VI sup. Como a Lú estava meio adrenada pelo ocorrido e o Tacio não se sentia confiante, quem guiou fui eu. Para minha surpresa, esse lance foi o mais fácil
da via toda, pois ele era bem protegido e estou acostumando com coisas muito mais difíceis na escalada esportiva. Isso mostra que a dificuldade em parede é a exposição e o psicológico.

Depois deste lancezinho bem protegido de VI sup, escalei um costão e cheguei novamente numa barriga mais inclinada sem proteções. Este é um lance bem confuso, pois é fácil de se perder, entretanto, como no croquis tinha uma indicação que aquela passada era protegida por um Camalot num buraco, fui à procura de tal buraco e aí foi fácil. Só para complementar a info, neste buraco um Camalot número 3 se encaixa como uma luva, dando gosto de proteger.

A Serra do Pedrão para mim é um lugar especial. O gnaiss, que é a rocha local é excelente para a escalada que flui muito bem. É um point que ainda vai render outras boas escaladas e merece uma viagem.

Lu e Tacio.

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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