Expedição Pico da Neblina – 1

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O que leva uma guria sair de Curitiba sozinha com destino a floreta Amazônica? È o que muitas pessoas me perguntaram até agora…

A ideia de ir ao Pico da Neblina já não era recente. Andar pela floresta Amazônica e de quebra subir o ponto culminante do Brasil há muito me atraia. Mas boatos de que o parque estava fechado e que apenas o exército estava caminhando por ali acabaram deixando este sonho quietinho em um canto. Por um golpe do acaso, estava conversando com o Frechou sobre o Salto Angel quando ele me indicou um amigo que fazia expedições para lá, o Magno. Ao falar com o Magno, adivinhem qual não foi a surpresa e empolgação ao saber das expedições ao Pico da Neblina. Na hora comecei a economizar cada centavinho para a viagem (cada centavo mesmo…).

22/01/2009 – 1º Dia
Passados doze longos meses estava tudo preparado! Embarquei com destino a Manaus (agradeço a companhia aérea pelas longas 8 horas de vôo acompanhadas pelas deliciosas barrinhas de cereais…). Durante o vôo, com o tempo limpo, entre a escala em Porto Velho e Manaus era possível avistar os diversos pontos de desmatamento e queimadas na floresta…mas acho que era ilusão de ótica, pois o nosso competente governo e suas brilhantes políticas ambientais afirmam que a Amazônia nunca esteve tão preservada! Huuum…

Já na chegada em Manaus, a visão do Rio Negro me deixou perplexa e abobalhada! É maravilhoso! Mas como estava verde de fome, corri procurar qualquer coisa que pudesse comer…e ufa! Agora que estava com a barriga cheia, já conseguia pensar e puuuutz! Eu estava em Manaus, não conhecia ninguém e não tinha lugar para dormir! Sussi!!! Como para tudo tem um jeito, fui encontrar a Nasaré, que estava em um albergue no centro da cidade. Lá conheci essa carioca muito gente fina e o Leonardo, que também estava perdido em Manaus. Dividimos um quarto e após poucas horas de sono, eu e a Nasaré acordamos e partimos para o aeroporto novamente, para pegar o vôo para São Gabriel da Cachoeira (SGC).

O rio Negro e o Neblina ao fundo.

23/01/2009 – 2º Dia
Já no avião, encontramos com Izaías (Roraima) e Rodrigo (Pará), que também iriam para o Pico da Neblina. O vôo foi uma comédia! A companhia deu um super lanche, que devorei em alguns segundos e em seguida o avião desceu em Santa Isabel do Rio Negro (o piloto era bom, pois conseguiu desviar todos os buracos da pista!). Lá estava chovendo muito, o que comprometia a continuidade do vôo até SGC. Por uma questão de segurança, o comandante sacou do seu bolso um cartão telefônico e pediu a aeromoça que fosse até o orelhão e ligasse para SGC para perguntar como estava o tempo por lá. Informações trocadas, o vôo podia prosseguir! Mas prosseguiu com uma turbulência tão forte que meu precioso lanchinho acabou retornando ao seu local de origem (eca!).

A chegada em SGC foi tranqüila, o piloto novamente mostrou-se bom, desviando os buracos da pista e parando o avião com segurança. Descemos, tiramos fotinhos com o avião e fomos ao encontro do guia… Que não estava lá! Acabamos entrando em um micro-ônibus (que apesar das condições andava!) e chegamos ao centro de SGC. Pouco tempo depois encontramos com o guia Branco, que ficou por muito tempo só analisando a galera. Fomos para o hotel Deus Me Deu, nos instalamos e saímos para conhecer a cidade. É um outro Brasil! Ao observar o movimento da cidade é fácil perceber os diversos problemas que a cercam: tráfico, prostituição infanto-juvenil, alcoolismo, que chamam a atenção por apresentarem altos índices de incidência em uma cidade pequena. Mas esta é apenas a ponta o iceberg, os próximos dias revelariam bem mais conflitos e problemas.

24/01/2009 – 3º Dia

Início da trilha.

Com a mochila devidamente arrumada (barraca, saco de dormir, isolante, rede, roupa de caminhada, roupa de dormir, roupa reserva, anorake, 1kg de chocolate, bolachas, salgadinhos, amendoim, facão, stick, lanternas e muitas comidinhas), embarcamos na carroceria da Toyota que nos levaria até o km 85 da BR 307, sem previsão de tempo de viagem, devido às condições da estrada. Foi um percurso alucinante, principalmente porque adoro off-road. O motorista mandou muito bem e não atolou em nenhum momento, o que foi inacreditável! Depois de quatro horas, chegamos ao rio Yá-mirim, a partir de onde começa a viagem de voadeira.

Neste ponto, começamos a ter contato com os índios locais, os yanomamis, pois o Pico da Neblina está localizado em uma reserva indígena. Para entrar no parque, deve-se pagar uma taxa para os yanomamis, alugar a voadeira dos mesmos, pagar o combustível, mais o condutor e contratar dois carregadores da comunidade. Ufa! Eita viagem cara! E mesmo assim você corre o risco de uma revolução indígena e sabe sei lá mais o que!

Mas enfim, após observar de longe uma discussão entre o presidente da Associação dos yanomamis (Armindo) e o guia da expedição, e sem entender muito bem o que estava acontecendo, embarcamos novamente, dessa vez na voadeira. Começamos descendo o Yá-Mirim e rapidamente entramos no Yá-grande. A paisagem é magnífica! Navegar pelos igarapés e rios da floresta Amazônica foi umas das melhores coisas que já aconteceram comigo… por mais palavras que eu use aqui para tentar traduzir a sensação que tive ao contemplar aquele visual nunca vou conseguir transmitir tudo em simples palavras ou fotos, pois é realmente incrível!

Esperando a Voadeira.

Ainda tive a sorte de sentar ao lado de um yanomami muito legal, o Osmar, que me ensinou diversos aspectos da cultura e vocabulário yanomami (acho que vou transferir meu projeto de pesquisa pra lá…hehehe). Depois de mais algumas horas descendo o Yá- grande, ou Xihitima (yanomami), alcançamos o rio Cauaburis, ou Paretota, o qual subimos mais um pouco e paramos na praia dos amores (devido as tartarugas que ficam por lá) para dormir. Em meio a toda alegria e empolgação de estar na floresta Amazônica, em pouco tempo recobrei os sentidos e cai na realidade: pelo chão facilmente se observava lixo…

Lixo do exército brasileiro! Foi inacreditável ver os pacotes de ração com a logo do exército espalhado pela mata! Queria juntar o lixo, como costumo fazer aqui pela Serra do mar, mas o Armindo disse que eu não podia, pois os yanomamis já haviam prestado queixa e queriam que o exército fosse juntar o próprio lixo. Tentei argumentar, mas ele foi bem categórico e diante da situação local, achei melhor não discutir, mas pensei: “depois eu junto”. Mas o que eu não sabia que aquilo era só a pontinha da pontinha de tudo que estava para aparecer.

25/01/2009 – 4º Dia

Logo após o café, retomamos a posição na voadeira e continuamos nossa viagem pelo Cauaburi, até o canal Maturacá, ou Hepotexiwë. No meio do caminho aconteceu um fato que parece piada mesmo, por isso vou fazer uma narração mais dramática: “Descíamos o rio Cauaburi, vislumbrando as riquezas presentes na floresta Amazônica, um lugar que pode ser considerado bastante selvagem e inóspito. Quando de repente, avistamos alguns indígenas na margem do rio, em uma incrível canoa que devia medir pelo menos uns 12 metros, escavada em um único tronco. O condutor da nossa voadeira direcionou-se ao encontro daquela canoa, a fim de conversar um pouco com seus conhecidos. Ao nos aproximarmos, um dos índios olhou em nossa direção e perguntou: Vocês têm um cabo USB para emprestar?”. (Fiquei com cara de paisagem)

Encontro de águas

No encontro do rio com o canal ocorre o encontro das águas brancas com a preta: é incrível! Lá me despedi do Osmar, que seguiria para a comunidade Maturacá com o Armindo, para buscar os yanomamis que nos acompanhariam na caminhada… A partir daí acabaram minhas consultas a cultura yanomami, pois ele ficou pela comunidade e os yanomamis que vieram não eram de conversar muito. Seguimos viagem de voadeira por mais algumas horas até a Boca do Tucano, acampamento às margens do Igarapé Tucano, que tem sua origem lá na Serra do Neblina, o qual margeamos durante a caminhada. Armamos as redes, comemos e lá pelas 19 horas já estávamos dormindo.

26/01/2009 – 5º Dia
Enfim, depois de alguns dias só na folga, começamos a caminhar! O objetivo era alcançar o Acampamento Bebedouro Velho (400m), a 13 km dali, e foi atingido com grande êxito por todos. O primeiro dia de caminhada pela floresta foi incrível, era difícil apreciar todos os detalhes, fiquei quase maluca! Árvores gigantes, árvores pequenas, bichos, sons, igarapés, alagados… Tudo lá é incrível! Fora as besteiras que íamos falando durante a caminhada, que resultavam em muitas risadas.

Casa Kiki

Ao chegar no Bebedouro Velho, mais uma decepção e revolta: o lixo do exército deixado pela trilha e no acampamento seguido da derrubada de alguns metros quadrados de mata pelo próprio exército: não consegui entender porque, se foi para descida de helicóptero, ou se para descer o material das casas de apoio que eles construíram.

Voltando ao relato: Com o céu aberto, fui andar um pouco pelas proximidades do acampamento e logo avistei uma grande montanha. O Rodrigo veio em seguida e ficou a contemplar aquela montanha também. Começamos a discutir sobre qual seria aquela montanha tão linda e onde estaria o Neblina. Chamamos o guia para dar uma olhada e ficamos abismados ao saber que durante todo aquele tempo estávamos olhando para ele: sim! O Pico da Neblina! E como é lindo e imponente! Aquele visual é fascinante e nem vou tentar explicar como é lindo porque não existem palavras que consigam descrevê-lo.

Depois de tomar banho em uma poça de água e jantar, olhei para o céu e uau! Estava estrelado e lindo. Sem pensar duas vezes: vou bivacar! Achei um cantinho ideal e capotei! Acho que até ronquei! Lá pelo meio da noite fui acordada pelo Rodrigo, que dormia em uma barraca, e me avisou que estava começando a chover! Puxa… bivaque frustrado! Peguei minhas coisas e fui para baixo da lona e armei a rede. A chuva aumentou e acabou acordando todo mundo, pois começou a alagar o acampamento. Aumentamos a altura das redes, penduramos as mochilas e voltamos a dormir.

Continua…

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Sobre o autor

Bárbara Elisa Pereira (Bábi), é formada em Pedagogia, com mestrado em Ciência Ambiental. Praticante de montanhismo e escalada, atualmente mora em Curitiba

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