Araucaria angustifolia, Araucária ou simplesmente “Pinheiro brasileiro”, estes são nomes para chamar esta bela e imponente árvore que era a mais abundante das florestas do Sul do país e que dominavam o dossel das florestas subtropicais brasileiras, as chamadas “Florestas Ombrofilas Mistas“.
A palavra ombrófila significa “amigo das chuvas” enquanto que “mista” se refere à mistura de flores tropicais com temperada. Estas formações florestais compõem um dos quadros fitogeográficos do domínio morfoclimático dos Planaltos de Araucárias que são as paisagens dos planaltos dos três estados sul-brasileiros: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
A Araucária é uma “gimnosperma” (do grego gimnos = nu / sperma = semente). Se você lembrar da aula de biologia do colégio, vai saber que em se tratando de uma escala evolutiva, as gimnospermas são mais antigas que as “angiospermas” que são as plantas que têm as sementes envoltas por frutos. Não vou entrar no mérito reprodutivo destas plantas, quero apenas salientar o caráter histórico desta árvore, pois o gênero Araucária surgiu no planeta durante a época do Gondwana no período geológico do Triássico, na época que surgiram os primeiros Dinossauros. Por isso podemos considerar a Araucária como sendo um fóssil vivo!
No mundo todo há 17 espécies de Araucárias, são elas: Araucaria bidwillii e A. cunninghamii na Australia, A. cunninghamii e A. hunsteinii na Papua Nova Guinea, A. heterophylla nas Ilhas Norfolk, A. bernieri, A. biramulata, A. columnaris, A. humboldtensis, A. laubenfelsii, A. luxurians, A. montana, A. nemorosa, A. muelleri, A. rulei, A. schmidii, A. scopulorum e A. subulata na Nova Caledônia, A. araucana no Chile e Argentina e A. angustifolia no Brasil e Província de Misiones, Argentina.
A razão para a ocorrência tão disjunta destas espécies de árvores se deve à desintegração do megacontinente Gondwana há cerca de 100 milhões de anos atrás. Com a completa separação dos continentes, houve especiações que resultaram nestas 19 espécies de Araucárias, todas restritas à ambientes tropicais e subtropicais pluviais.
A Araucária brasileira tem sido considerada por pesquisadores ora uma espécie pioneira ora clímax nos estágios sucessionais da floresta subtropical dos planaltos sulinos. Entretanto, esta espécie não se encaixa em nenhuma destas escalas de sucessão.
As Araucárias não apresentam algumas características fundamentais das pioneiras para que assim sejam classificadas. As pioneiras precisam, em primeiro lugar, apresentar uma grande mobilidade, ou seja, devem ser capazes de se disseminarem através de extensas áreas. A Araucária não apresenta uma eficiência dispersiva para assim ser classificada. Suas sementes são grandes, são pesadas e perdem rapidamente o poder germinativo. As espécies pioneiras também são capazes de suportar ambientes inóspitos, ao menos em suas regiões de ocorrência.
As Araucárias jovens com menos de 3 anos não suportam geadas e morrem. Considerando que este fenômeno climático é comum nas regiões dos planaltos sulinos, isto prova a fragilidade da espécie diante de seu ambiente natural. Esta espécie se desenvolve bem quando jovem no sub-bosque formado por indivíduos de sua mesma espécie mais velhos, desenvolvendo-se bem quando jovem à claridade de apenas 25%, o que as torna intolerante ao sol em um estágio de vida, ao contrário das pioneiras que são, sem exceção, heliófitas (gostam do sol) em todos os estágios de suas vidas.
A Araucária brasileira também não pode ser considerada clímax, pois velhos povoamentos desta espécie são comumente substituídas por espécies latifoliadas de crescimento lento, tais como as Lauraceas, o que indica que as folhosas são espécies clímax desta comunidade. Coníferas como as Araucárias são espécies rústicas e primitivas e a tendência natural do processo evolutivo na superfície terrestre é a substituição destas pelas latifoliadas mais evoluídas e especializadas.
A não classificação da Araucária como espécie clímax e nem pioneira implica na busca de algumas hipóteses sobre a regeneração natural do pinheiro brasileiro. Em uma situação hipotética, as pioneiras são as primeiras a ocupar o sítio. Elas preparam o local para as espécies séries, mas não conseguem elas próprias se regenar em seu sub-bosque. As espécies séries preparam o local para espécies mais adiantadas na escala sucessional, este seria então o posicionamento da espécie dentro dos estágios de sucessão. Isso explica a ausência de regeneração natural em povoamentos naturais onde a sucessão evolui sem nenhum distúrbio que pudesse perpetuar estágios intermediários.
A constatação de que a Araucária é uma espécie série, implica em diversas indagações sobre sua abundante presença e predominância nas florestas subtropicais brasileiras, o que significa dizer que as espécies clímax que habitariam os planaltos sofrem de algum impedimento ou distúrbio para que elas não ocupem seu devido local nos andares superiores das florestas do Sul. Outro aspecto das paisagens do Sul que indagaram muitos pesquisadores e que hoje temos respostas convincentes para sua presença natural são os campos em total oposição sucessional às florestas (pois esta fisionomia sim é pioneira na ocupação dos espaços fitogeográficos).
Um dos distúrbios ambientais mais freqüentes da natureza e que são responsáveis por imprimir grandes transformações imediatas na paisagem e adaptações e tolerâncias ao longo do tempo nas espécies é o fogo. O fogo é um poderoso agente ecológico de intervenção natural. Sua freqüente ocorrência potencializa a permanência das espécies séries que passam a se comportar como as espécies dominantes devido à reciclagem do habitat.
Em um estudo sobre a flamabilidade em reflorestamentos de Araucaria angustifolia, foi constatado que um capão de Araucária apresenta uma carga de material combustível composto por matéria morta numa proporção de 9:1 entre os combustíveis vivos, sendo que a maior participação eram materiais finos e uniformes em decomposição e a grimpa (galhada seca da Araucária), que é o conjunto de ramos secundários compostos por folhas característicos do gênero Araucaria, o que confirma a hipótese de que esta árvore é de alta flamabilidade e sugere que ele depende das queimadas para permanecer na paisagem.
Incêndios florestais são comuns no Brasil em todos os domínios de paisagem e não é diferente nos planaltos meridionais. Apesar de comum, são poucos os trabalhos que estudam suas causas, mas em um dos poucos estudos disponíveis sobre incêndios florestais de Araucária, os autores apontam que a maior causa é antrópica, mas incêndios naturais provocados por raios vêm em segundo lugar, o que mostra que no ambiente natural as queimadas devem ser consideradas como um importantíssimo interventor.
Além destes fatores ecológicos que favorecem a presença de Araucárias nos planaltos sulinos, há a questão paleogeográfica.
Em um artigo anterior, tratei da questão paleoecológica dos campos que se expandiram pelos planaltos do sul durante a fase da última glaciação entre 18 e 10 mil anos atrás. A história das florestas de Araucária trata da fase de reintegração das paisagens florestais do sul, bem como a expansão destas florestas pelo sudeste durante uma fase posterior ao término da glaciação.
Como bem disse neste artigo anterior, durante esta fase, houve uma drástica redução de umidade no território brasileiro e também uma queda nas temperaturas médias, desfavorecendo formações florestais úmidas por formações mais abertas e adaptadas a baixa umidade.
Foi somente no Holoceno médio, cerca de 3 a 2 mil anos atrás que a umidade se re-estabeleceu da maneira como é na atualidade e foi somente a partir desta época que as florestas de Araucária se tornaram o que eram antes da quase total destruição imposta pela colonização humana nos últimos 50 anos que deixaram somente 0,8% desta paisagem original.
A maneira como a floresta de araucária se distribui no território brasileiro suscita muitas dúvidas. Em 2009 defendi na UFPR uma hipótese sobre sua dispersão nos últimos 10 mil anos. Até hoje esta tese não foi rebatida, sendo este um dos mais importantes trabalhos na atualidade que versa sobre a origem da paisagem das florestas com Araucárias no Brasil. É possível ler o trabalho na íntegra no link abaixo:
Veja mais:
:: Origens dos campos de altitude
:: Campos fogo e gado: A visão de Katia Ribeiro
Este artigo está baseado nos estudos publicados nas seguintes fontes:
BEUTLING, A; BATISTA, A.C; SOARES, R.V; VITORINO, M.D. Quantificação de Material combustível superficial em reflorestamentos de Araucaria Angustifolia (Bert.) O. Ktze. Revista Floresta, v.35. n. 3. Set/Dez. Curitiba, 2005. Pg. 465-473.
BEHLING, H. Late Quaternary vegetation, climate and fire history of the Araucaria forest and campos region from Serra Campos Gerais, Paraná State (South Brazil). Review of Palaeobotany and Palinology, n. 97. 1997b. Pg. 109-21.
SOARES, R. V; Considerações sobre a regeneração natural da Araucaria angustifólia. Revista Floresta, v. 10, n. 2. Curitiba. 1972
SOARES, R.V; CORDEIRO, L; Análise das causas e épocas de ocorrência de incêndios florestais na região centro-paranaense. Floresta 5(1): 46-49.1974.
RODERJAN, C. V.; GALVÃO, F.; KUNIYOSHI, Y. S.; HATSCHBACH, G. G. As unidades fitogeográficas do estado do Paraná. Ciência&Ambiente, Universidade Federal de Santa Maria, n. 24, Santa Maria. 2002. p. 75-92.