Jaraguá, cinco anos depois

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Ponto mais alto de Sampa, o Pico do Jaraguá proporciona aos visitantes uma vista panorâmica deslumbrante da Metropóle paulistana. O acesso ao topo normalmente é feito de duas formas: pelo asfalto da “Estrada Turística do Jaraguᔠe, aos mais dispostos, pela tradicional “Trilha do Pai Zé”, numa pernada sussa de 2kms. Existe ainda outra via pros mais bem dispostos, a “Trilha da Divisa”, um caminho alternativo de manutenção que bordeja as encostas que limitam o parque pelo seu contraforte nordeste. Este é o relato de retorno a este belo cartão postal, cinco anos após minha última visita. E claro, um rolê sussa que variou de forma pouco convencional um passeio pra lá de tradicional.

Devia ser pouco depois das 9:30hr quando eu e a única pessoa que topou me acompanhar, a Ana (do CEU), desembarcamos na Est. Vila Clarice da Linha Rubi da CPTM. Enqto tocamos pelas ruas em direção ao nosso destino, que se erguia imponentemente a nossa frente, explicava pra minha cia a idéia daquele prosaico rolê. “Olha, a gente sobe pela ´Estrada Turistica´, que não conheço, e desce por uma alternativa paralela á vereda principal, que sempre fiquei tentado em fuxicar!”, disse pra Ana. Ela, que como muitos paulistas nunca visitou o pico, topou na hora. Pronto, simples assim.
 Após passar sob a Rod. dos Bandeirantes (SP-348) fomos direto pra “Estrada Turística do Jaraguá” onde tecnicamente começamos a pernada, ignorando a entrada principal da unidade de conservação. Asfaltada, esta estrada foi batizada com este nome devido seu término ser no alto do Pico do Jaraguá, mas que tem início no km 18 da rodovia Anhanguera (SP-330).O calor daquele início de manhã imediatamente deu lugar ao frescor proporcionado pela mata exuberante a margem do asfalto. Gente indo e vindo, assim como veículos e ciclistas, dão vida aquela via que ganha altitude de forma bem suave, quase imperceptível. A vida tb está presente onde menos se espera, como uma elétrica cobra que se pirulita mata adentro diante minha passagem inadvertidamente próximo dela.
 Conforme se avança pela sinuosa encosta sul do pico, desviando eventualmente de bikers descendo a milhão na direção contrária, as aberturas na mata revelam o grandioso pico cada vez mais próximo. Suas enormes encostas apontando pro céu e destoando daquela horizontalidade de puro verde realmente impressionam. Motivo sensato que deve justificar  a origem do nome, uma vez que em tupi, Jaraguá significa “senhor do vale”. O verde da mata em volta só tem interrupção nas eventuais brechas na mata revelando o quanto já se ganhou de altitude; ou nos enormes deslizamentos na encosta, trazendo pra baixo toneladas de terra e mata.
 A paisagem começa a mudar significativamente não apenas conforme a direção ganha o sentido norte do pico, mas principalmente pelo ganho de altitude até lá. A vegetação, densa e exuberante da base, dá lugar a mata ligeiramente mais baixa, ao mesmo tempo em que a verticalidade das encostas revela mato de altitude, rocha nua e incríveis boulders na margem direita da via. O número de pessoas circulando tb é reduzido, porém sempre presente, seja a pé, magrela ou carro. Nas janelas existentes em meio ao arvoredo, alguns cliques flagram detalhes de Sampa visto de cima. E olha que ainda nem chegamos no topo.
 E assim, pouco antes das 11hrs a estrada começa ladear o restante do pico na direção leste, no exato momento onde a via é interceptada pela “Trilha do Pai Zé”. Neste ponto os horizontes se ampliam de tal modo que revelam todo quadrante norte. Polvilho, Perus, Mairiporã e a porção sudoeste da Serra da Cantareira são perfeitamente visíveis daqui. Mas o q mais destoa neste trecho é o alto dos 1127m do cume do Pico do Papagaio, um dos picos oficiais do Jaraguá, de onde se eleva a torre da TV Cultura, cujo acesso é proibido aos visitantes.
Neste ponto também o caminho nivela e, cerca de 50m depois, a estrada finda num estacionamento bem do lado do centro de informações, onde a Ana fez questão de pegar um folder do parque. O que me chamou atenção desde a minha última visita ao lugar foi a ausência das barraquinhas de artesanato, da lanchonete e dos irrequietos sagüizinhos-de-tufo-branco, geralmente “mendigando” no arvoredo ao redor. Aqui tem um mirante intermediário, com vista parcial da cidade, mas abrimos mão dele pq o mirante-mor nos aguardava.
 Dali parte uma enorme cujos intermináveis 243 degraus nos levam, enfim, ao alto dos 1135m do topo derradeiro do Pico do Jaraguá, dominado pelas torres da TV Bandeirantes. E tome subida!. Uma vez no mirante, a recompensa sob a forma de um mirante privilegiado da cidade, mais precisamente de td seu quadrante sul e leste. A atmosfera límpida e translúcida do firmamento permitia vislumbre de td cidade de São Paulo, parte do município de Osasco, as rodovias Anhanguera, Bandeirantes e o Rodoanel. Com algum esforço é possível ver até o comecinho da faixa verde da Serra do Mar. Pausa pra cliques, descanso e lanchinho na sombra disponível do mirante, protegidos do forte sol daquele comecinho de tarde. Uma leve brisa sopra do sul, enqto eu avalio bem as possibilidades de pernadas do local, principalmente quando minha vista se estende pro quadrante oeste, onde se eleva o Jaraguá-Mirim e o Morro Doce, separando o Parque Imperial de Alphaville e Tamboré.
 Após um tempo descansando na mesma medida em que turistas começavam a chegar aos montes, decidimos prosseguir nossa pernada morro abaixo. Refizemos a volta até a entrada (ou saída) da “Trilha do Pai Zé” e começamos a perder altitude através dos degraus irregulares de pedras, rocha, terra batida, etc..alguns devidamente ancorados por toras de madeira pra evitar a erosão. Uma vez este trecho pirambeiro a vereda suaviza em começa a margear um reflorestamento de eucaliptos, separado do parque por uma cerca. E é aqui que é preciso agora prestar atenção.
Quando a vereda oficial abandona a cia da cerca e desvia mata adentro, sentido sul, nos mantemos margeando os limites do parque, sempre leste. Devido ao capim alto no caminho, a impressão é de que se está fora de qualquer rota, mas não. Um olhar mais apurado perceberá que há uma vereda sob nossos pés, porém em desuso. Na verdade aquele é um caminho de manutenção da Eletropaulo, que raramente é palmilhada, a não ser por algum técnico ou até gente de fora, uma vez que havia sinal de marcas de facão, pets vazias e restos de lanche no chão. O início da picada tem capim alto mas coisa de minutos depois ele baixa e a trilha fica mais nítida e perceptível, no aberto e com vista do quadrante nordeste, sempre descendo e acompanhando a cerca, pro leste.
A descida então prossegue num silêncio acolhedor, a diferença da barulhenta Pai Zé, que igualmente desce paralela aquela porém no meio da mata. A perda de altitude é significativa mas incrivelmente suave, até que subitamente a rota vira de forma abrupta pro sul, com desnível similar ao anterior. Aqui, conforme se avança, a presença de obstáculos é maior. E por obstáculo me refiro a mata alta espinhenta no meio da trilha, troncos tombados, inúmeras teias de aranha, taturanas pendendo de seus fios e voçorocas que nos entupiam de carrapitchos. De qualquer forma, aquilo era apenas o tempero diferenciado daquela trilha pouco utilizada. Vale mencionar que neste trecho havia um rombo enorme na cerca, de onde reparei uma pequena picada descendo pruma caixa d’água bem abaixo, já nos limites do Jd Homero.
 A descida prossegue no mesmo compasso, sempre pro sul e ladeando a cerca,  agora porém sem vista alguma pela presença cada vez maior de floresta mais espessa no caminho. Mata tombada do arvoredo em volta forma verdadeiros túneis de vegetação e de bambus sob a trilha. Nalguns trechos a abundância de cipós, galho e bambus era tanta que simplesmente derrubava a cerca tornando tudo um emaranhado de quiçaça que só era vencida qdo contornada pela direita. Mais adiante, porém, a vereda pareceu suavizar e ficar mais transitável, ao mesmo tempo em que se ouvia o murmúrio dum córrego que descia paralelo a gente.
Dito e feito, a vereda finalmente desemboca na “Trilha do Pai Zé”, nos deixando bem do lado do oratório de pedra e do minúsculo pontilhão que cruza o córrego supracitado. Daqui bastou continuar pela mesma sem problema algum, clicar um macaco-prego no meio do mato e finalmente cair no calçamento de paralelepípedos que dá inicio a mais conhecida vereda de acesso ao Pico. Uma vez no centro da muvuca de visitantes, com infra adequada pra receber trocentas pessoas, fomos no banheiro dar um trato no visu além de remover o mato pelo corpo. Na sequência bastou apenas dar adeus ao lugar, mas não sem antes passar num boteco pra bebemorar a descompromissada brincadeira. Horário? Pouco depois das 14hrs. Rolê tradicional, porém diferenciado.
Finalizando, a “Trilha da Divisa” foi apenas a forma simpática que adotei pra designar um simplório caminho de manutenção da Eletropaulo. Por não ser oficial, em tese é vereda restrita apenas a pessoas autorizadas. Logo, é rota proibida aos meros mortais. Mas pra trilheiro e aventureiro que se preze não deixa de ser uma opção diferenciada de acesso ao pico. Um caminho alternativo mais interessante e menos muvucado que a “Trilha do Pai Zé”. E o melhor, com a emoção de trocentos “obstáculos”. Fica então esta dica desta picada que bordeja o que restou da extinta Fazenda Jaraguá e que não foi incorporado ao ilustre parque. Sorte nossa.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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