Montanhismo, Comércio de Montanha e o acidente do Vulcão Rinjani

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Quem é o culpado pela morte da brasileira Juliana?

Nos últimos dias os brasileiros acompanharam em tempo real o resgate infrutífero nas paredes do vulcão Rinjani.

A mídia desfocou do conflito do Iran, de Gaza, onde dezenas de pessoas estão morrendo, e não há perspectivas de solução imediata e focou no desastre onde havia esperança.

De certa forma, é a esperança, e depois o ódio na busca de culpados, que gera engajamento, likes e views.

Entender todo o processo que levou até a morte da brasileira não importa, queremos culpados para nos unirmos e apedrejarmos em praça pública, para depois buscarmos uma nova tragédia, e nos unirmos novamente.

Mas enfim, quem devemos apedrejar hoje?

Estava subindo o Dedo de Deus no RJ esta semana, logo após a notícia da morte da brasileira quando me deparo com um cliente que havia contratado dois guias para levá-lo ao cume e filmá-lo na empreitada. Ele nunca tinha escalado nada, sequer sabia abrir um mosquetão, mas tinha pago uma boa quantia pela tal experiência de subir essa emblemática montanha e de quebra ter vários vídeos e fotos para bombar suas redes sociais com posts incríveis mostrando sua…e aqui prefiro deixar para o leitor decidir o que ele mostra na rede social.

O que ele fazia no Dedo de Deus não é muito diferente do que muitos turistas fazem no Vulcão Rinjani. A compra da experiência de estar num lugar onde possam tirar fotos ou histórias incríveis para postar e receber likes.

“Compra de uma experiência” e não montanhismo é o que fazem. A relação com o guia, não é de parceria, mas de consumo. Não há uma preparação prévia, aquisição de técnicas, um aprendizado sobre o local, a via, o meio ambiente – há apenas uma relação de consumo.

A montanha, se torna um grande parque de diversões, e os montanhistas “neoborns” acreditam que as variáveis estão sob controle, mas a natureza não assinou o contrato, e o que temos então é um grande parque dos dinossauros, onde tudo pode facilmente sair do controle, e o final todos já sabemos.

Escalar e subir montanha se tornou um produto que pode ser comprado em apps com apenas um click da mesma forma que compramos um ingresso para o cinema.

Para vender, nada melhor que vídeos e fotos maravilhosas, facilidades, publicidade e má informação – exatamente como todos os produtos são vendidos. Os guias, deixaram de ser guias de montanhas, hoje são vendedores, influencers, e alguns estelionatários, como os que venderam o pacote para a brasileira.

Maximizar os lucros com atividades externas? Sim, riscos das atividades empresariais facilmente passadas para os entes públicos, se algo der errado na minha atividade, os bombeiros, o governo, que providenciem o resgate, bem mais fácil que um parque de diversões que precisam contratar seus próprios seguranças e bombeiros civis para atuarem.

Assim, embora nos últimos 4 anos tenham tido 9 mortes no vulcão da indonésia, não se tem uma equipe com cordas suficientes para em 6 horas descer toda a encosta (fico pasmado, pois só na minha casa e na de mais uns dois amigos escaladores teríamos corda para pelo menos 1km de descida…e nem precisaria de ancoragem, uma antiga seg(segurança) de corpo e pesos serviriam, já que o objetivo inicial era levar cobertor, água, esperança…).

Fora do Brasil, sem estruturas estatais especializadas em resgate, estes parecem organizados por amadores. Vaquinhas se multiplicam pela internet para buscar recursos para iniciativas privadas, que infelizmente, na maioria dos casos vão acabar chegando tarde (e aqui saliento a importância de ter um seguro resgate para quem quer fazer atividades externas fora do Brasil).

Infelizmente este inquisidor não encontrou um simples culpado para jogar na fogueira, mas uma horda de turistas despreparados, empresas ávidas por lucro, Estados mau aparelhados e uma plateia que quer lucrar e cancelar. Esse acidente não foi o primeiro, nem será o último.

Fico com uma certeza, quando se vai para um ambiente natural, quem é responsável pela sua vida é sempre você, o guia pode te mostrar por onde cruzar o rio, mas é você que irá cruzá-lo. É sempre bom saber nadar, porque depois que você se afoga, não importa mais quem é o culpado – a vida é um sopro, e nas montanhas o vento é forte.

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5 Comentários

    • Eloise Fernandes em

      Nossa. Finalmente alguém lúcido e com princípios comenta este caso. Até agora havia sido um circo de horrores para entretenimento. Mas, sim, a vida é nossa e devemos nós mesmos zelar por ela.

  1. Julio Cesar Fiori em

    Não culpo o mercantilismo do turismo de aventura pq onde há demanda cresce a oferta. Desde sempre foi assim. Viver é arriscado, sair na rua p trabalhar ou almoçar num restaurante tem seu risco, mas sobre eles não há escolha. Comer é obrigatório, mas existem riscos assumidos por vontade própria e cada um precisa conhecer seu limite de incompetência. Tem aquele q mora de aluguel num ap mequetrefe e compra uma BMW em prestações a perder de vista, outro entra numa curva acima da velocidade recomendada acreditando q a eletrônica da BMW fará o milagre. Todos eles querendo obter algo além de sua competência. Assim como o primeiro certamente irá falir e segundo tombará na curva, o guia de turismo não lhe resgatará do abismo pq nas situações críticas vc estará sozinho.
    Diferente do que se vende na Tv e na Internet, as atividades “radicais” exigem uma construção em escada onde se sobe degrau por degrau, afastando aos poucos seu limite de incompetência e não é uma atividade solitária. Vc precisa de companheiros igualmente experientes e motivados pq os acidentes acontecem até para os mais capacitados. Um guia de turismo pago não vai lhe resgatar do abismo, mas seus companheiros de aventura não hesitaram em rapelar 500 metros pela moraina para te socorrer.

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