Após a escalada da Asa Esquerda eu me sentia realmente cansado, e fui dormir pensando em utilizar o dia da janela que havíamos planejado inicialmente para descansar. Porém, quando se está na montanha e se sente a sua energia, acontecem coisas difíceis de explicar, e justamente por isso acordei no dia seguinte completamente recuperado e disposto a partir e realizar a aproximação ao Campo Base do Nevado Chachacomani, o nosso próximo objetivo.
A primeira vez que li algo sobre essa montanha foi no relato do amigo e mestre Pedro Hauck, onde ele contava não apenas a escalada do Chachacomani mas também a travessia para outra montanha próxima, o Chearoco. Quando vi as fotos fiquei impressionado com a sua beleza, mas a princípio não senti o “chamado”. Comecei a me interessar depois de fazer o curso de gelo e alta montanha em 2016, onde pude conversar e saber mais principalmente sobre o Chachacomani com o próprio Pedro Hauck.
Mesmo assim eu ainda tinha outros objetivos em mente, e passei a centrar as minhas atenções nessa montanha só em 2018. O plano inicial era a realização da travessia em si, mas pelos motivos já citados no texto anterior, ela ainda terá que esperar algum tempo.
Saímos do Campo Base do Condoriri aproximadamente 10 horas da manhã e as 11 horas já estávamos no carro em direção ao povoado Chachacomani, onde estacionaríamos e partiríamos pela trilha de aproximação ao Campo Base da montanha, levando nas mochilas tudo o que precisaríamos para os próximos 4-5 dias. Paramos para almoçar no povoado de Palcoco, onde uma cholita nos serviu um frango ensopado seguido de uma sopa de algo parecido com caldo de carne que estavam sensacionais! Após o almoço, seguimos caminho e após pararmos para comprar comida, chegamos ao povoado onde deixaríamos o carro para o início da trilha de aproximação.
Arrumamos as malas e partimos aproximadamente 15:30 para uma trilha de 4 horas até o primeiro acampamento do Chachacomani. Conseguimos imprimir um bom ritmo e, após aproximadamente 2 horas e meia, chegamos ao nosso destino. Uma coisa bem curiosa que ocorreu durante a trilha foi um grupo de lhamas ter se aproximado a uns 2 ou 3 metros de distância e ficado nos observando enquanto fazíamos um lanche. Não sei se é comum, mas já tive diversos contatos com lhamas e isso nunca tinha acontecido antes, rs. Elas sempre fogem.
Após montar acampamento, fazer um belo jantar (miojo com salame e pão, uma delícia!) e nos hidratar bem, fomos dormir cedo para descansar para a aproximação ao Campo Alto, a 5150 s. n. m., uns 500 metros de desnível acima. Acordamos às 7:00, tomamos o café-da-manhã e começamos a nos arrumar lentamente para subir. Saímos aproximadamente 10:00.
Após uma trilha de terra e pedras que levamos coisa de uma hora e meia para subir, chegamos ao que é o verdadeiro Campo Base do Chachacomani, um espaço do tamanho de uns 3 campos de futebol com um riozinho que desce do glaciar vizinho. Praticamente um sonho de acampamento, rs. Demos mais uma bela parada por ali para beber bastante água e saímos por um vale onde após aproximadamente 30 minutos entramos à direita para a trilha que leva ao Campo Alto.
Essa trilha é formada por blocos de granito de todos os tamanhos, não é muito inclinada porém requer atenção. Aproximadamente 2 horas depois senti fome, e parei para comer um chocolate. Porém, a partir desse momento, com o aumento da temperatura eu comecei a sentir uma certa “leseira” e o cansaço parece ter aumentado, o que também aumentou a dificuldade da trilha. Às 14:30, depois de um certo sofrimento meu, chegamos ao Campo Alto.
Com o sol alto montamos acampamento e entramos na barraca para nos proteger, comer e nos hidratar o máximo possível. Mais uma vez eu começava a pensar em talvez usar o dia de janela para descansar no dia seguinte e tentar o ataque no outro dia, pois parecia que o calor tinha sugado as minhas forças. E mais uma vez a montanha me mostrou que nem tudo o que parece, é.
Fomos dormir às 16 horas e acordamos aproximadamente meia-noite. Novamente acordei completamente recuperado, e começamos a nos preparar para o ataque ao cume, que levaria toda a madrugada. Após um “café-da-madrugada” reforçado (pão, salame, chá e chocolate), saímos 1 da manhã para o ataque. Apesar de o glaciar estar próximo, leva-se de 15 a 20 minutos pela trilha de pedras para chegar a ele. Colocamos os crampons e iniciamos a subida por uma rampa de neve de uns 40 graus de inclinação, por aproximadamente uma hora.
Saindo dessa rampa entramos em um terreno bem perigoso, cheio de gretas de todos os tamanhos e tipos, que superamos prestando muita atenção. Para mim esse trecho foi uma verdadeira aula técnica, pois esse é o tipo de terreno que mais me assusta pelo fato de eu não ter muita vivência suficiente nele. Após isso seguimos pela trilha aberta na neve por expedições anteriores por um trecho de inclinação moderada até chegarmos, às 5:30, na base da crista que leva até o cume.
Essa crista sobe inicialmente até um platô e depois segue até o cume principal do Chachacomani. Após uma pequena parada para comer e beber água, descobrimos que havia uma greta nesse caminho e para seguir tínhamos que dar a volta nessa greta. Isso nos custou praticamente 2 horas, o que me fez pensar que não teríamos tempo para chegar ao cume em segurança, já que tínhamos que voltar cedo para evitar o degelo e possível abertura das gretas quando o sol saísse. Começamos a acelerar o passo para tentar ter alguma chance de chegar o mais perto possível do cume.
Chegamos ao platô antes do cume e a parede final do cume devia ter uns 40 metros de desnível. Quando comecei a subir essa parede, confesso que eu já havia me conformado em voltar numa próxima ocasião e tentar novamente, ainda mais pelo fato de me sentir um pouco cansado pelo ritmo forte que estávamos imprimindo há algum tempo. Até que disse para o Pedro que achava que não chegaríamos. Ele olhou pra mim e perguntou se eu tinha enlouquecido, porque o cume estava a 10 metros de onde eu estava. Nesse momento percebi que ia conseguir atingir o meu objetivo. Chegamos aos 6.074 metros de altitude do cume aproximadamente 7:30 da manhã num momento de bastante emoção e conexão para mim.
O Chachacomani é uma linda montanha que ainda é pouco frequentada, e até ali tudo havia dado certo! Apreciamos a bela vista das montanhas ao redor, em especial o Chearoco, Illampu e Ancohuma, que acabam se destacando entre as demais pela sua imponência e proximidade. Após provavelmente 30 minutos, iniciamos a descida. Paramos no platô antes do cume para um lanche rápido, e literalmente tocamos pra baixo no glaciar do Chachacomani.
Como nenhum objetivo justo vem fácil, o sol que batia no glaciar começou a me fazer sentir dor de cabeça (depois percebi que era a lente da viseira que era mais clara e me causava irritação). Decidi que desceria até o Campo Alto para tomar um ibuprofeno e descansar. Após uma descida de atenção redobrada, chegamos ao Campo Alto às 11:30 onde tomei o remédio e me hidratei, aproveitando para almoçar e descansar um pouco para descer até o Campo Base.
Teríamos que descer nesse dia porque não queríamos ter que andar 20 minutos até o glaciar para pegar neve para fazer água, e no Campo Base água pura era justamente o que não faltava. Mais uma vez me surpreendi quando levantei do meu cochilo me sentindo completamente disposto. Levantamos acampamento e partimos às 14 horas do Campo Alto, chegando 15:30 no Campo Base mortos de sede, pois até então havíamos passado o dia com 1 litro de água cada um. Após enchermos as nossas caras de água, descemos até o acampamento anterior e resolvemos voltar direto para o povoado.
Entramos na trilha aproximadamente 16:30 e, duas horas e meia depois, com direito a um tombaço num “mini” charco com mochila e tudo, que me fez voltar com um lado do corpo seco e outro molhado, chegamos ao povoado Chachacomani aproximadamente 19 horas, onde pegamos o carro e rumamos de volta direto para a casa da mãe do Pedro, em El Alto. Tudo para poder dormir em uma cama, rs.
Por mais todo esse aprendizado que recebi, sou muito grato por ter conseguido escalar o Nevado Chachacomani, outra montanha valorosa que também é pouquíssimo frequentada (em todo o tempo que estivemos lá só encontramos um casal de trekkers e seus respectivos guia e carregador no primeiro acampamento). Na manhã seguinte voltaríamos a La Paz para reunir toda a equipe (o Anchovas já estava em processo de aclimatação em La Paz e o Pieter voltaria no mesmo dia do Condoriri) e tirar alguns dias de descanso antes da próxima escalada, dessa vez todos juntos. O majestoso Nevado Illimani. Finalmente nós teríamos a chance de conhecê-lo!
Continua…