Nossas Serras (24/25): Tumucumaque

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A fronteira norte do Brasil, no Planalto das Guianas, contém nossas mais antigas rochas e algumas de nossas mais elevadas montanhas. Nessas colunas finais, vou abordar as duas formações extremas, a leste e oeste – começando pelas Montanhas do Tumucumaque, que ficam próximas do oceano.

Neste remoto Brasil ao norte, uma dezena de serras nos separam ao longo de 2.500 km da Venezuela e das Guianas. Vou fazer um breve relato desta imensa crista fronteiriça.

Mapa de Relevo do Escudo das Guianas (Fonte: Wikipedia)

Começo exatamente pelo Tumucumaque no extremo oriental, que tem uma orientação oeste, chegando até o Pará, na divisa com o Suriname. São altitudes modestas, não ultrapassando 650m. A crista prossegue por algo como 500 km ao longo da Serra de Acaraí, entre o Pará e a Guiana Inglesa, seu ponto culminante estando a 1.060m. Estou usando as cotas das cartas do IBGE, bem como as distâncias nelas estimadas, que quase sempre divergem das informadas.

Segue-se a peculiar Serra de Pacaraima, uma formação enorme, com cerca de 950 km, que forma um bolsão a norte. Ela contém tanto o Monte Caburaí (1.450m), nosso ponto extremo norte, como o Monte Roraima (2.800m), seu ponto culminante no Brasil. Ela prossegue pelos 300 km da Serra de Parima, ambas estando entre Roraima e Venezuela. Parima fecha este bolsão, correndo no rumo sul.

Mapa da Divisa Norte do Brasil

A crista assume agora uma orientação sudoeste. Ela percorre três formações, a Cordilheira do Curupira (2.105m), a Serra de Tapirapecó (1.730m) e o Urucuzeiro (1.590m). Juntas elas se estendem por mais de 400 km entre o Amazonas e a Venezuela. Finalmente, a crista alcança o ponto culminante do Brasil no Pico da Neblina (3.000m), que coroa os 250 km da Serra do Imeri. Seguem a partir daí as terras mais baixas de nossa divisa com a Colômbia.

Tumucumaque, essa palavra tão sonora, tem um significado bem banal: pedra da montanha na língua indígena – embora os índios não pareçam reconhecê-la. A serra avança ao longo da fronteira com o Suriname e a Guiana Francesa. Como vimos, seu sentido é leste-oeste, ao longo de 700 km. Ela é limitada a leste pela bacia do Rio Orenoco, que corre para o mar, e a oeste, pela Serra de Acaraí na borda do Pará.

Localização das Serras do Tumucumaque e Lombarda

Note no mapa os dois principais trechos da serra: no leste e no centro do Estado (existe um terceiro a oeste, na divisa do Amapá). São maciços vagamente contínuos, onde as elevações surgem a partir de um platô de 500m de altitude. O bloco central tem 95 km de extensão, o formato de um L invertido e a altitude máxima de 650m. O trecho oriental tem 50 km, um desenho mais regular e altitude máxima de talvez 700m. (Na carta do IBGE constam respectivamente 850 e 726m, mas devem estar equivocadas.)

Não sei se as rochas do Tumucumaque que você vê são aquelas formadas no Período Arqueano, a partir de 4 bilhões de anos atrás, praticamente quando a vida na Terra engatinhava. Ou se elas se encontram em camadas internas, com rochas mais recentes sobrepostas a elas.

O Tumucumaque é constituído por gnaisses e granitos antiquíssimos, que sofreram depois movimentação tectônica durante o chamado Evento Transamazônico, 2 bilhões de anos atrás. A região foi também sujeita a atividades vulcânicas e sedimentares continuadas, a partir de 2½ bilhões de anos passados.

Localização do PN Montanhas do Tumucumaque (Fonte: IcmBio)

A característica mais interessante da serra são as rochas com forma de pontão (à semelhança do Pão de Açúcar do Rio), que se espalham pelo relevo. São rochas residuais, resultantes do trabalho de erosão. Embora não seja elevado, o Tumucumaque contém o ponto culminante do Amapá, provavelmente a 700m de altitude.

Estas rochas emergem 150-200m acima de uma densa floresta de terra firme. Normalmente apresenta árvores de alto porte, como angelins, ipês e maçarandubas, acima de 40m. Eventualmente, aparecem espécies menores, como faveiras e quarubas. Nos afloramentos rochosos surgem gramíneas, carrascos, cactos e bromélias.

A mata do Tumucumaque é simplesmente original e perfeitamente conservada: dosséis elevados, altas árvores emergentes, enormes troncos retos, solo limpo – uma incrível biodiversidade, com espécies endêmicas e desconhecidas.

Mapa do Relevo da Serra de Tumucumaque (Fonte: IBGE)

Esse ambiente abriga uma autêntica Arca de Noé, com uma fauna de grande diversidade e algum endemismo. Foram encontradas espécies novas, raras ou desaparecidas, entre peixes, lagartos, aves e primatas. Dentre elas, o gavião real, o uirapuru, o hoje raro veado branco ou campeiro e o cachorro vinagre. São amostras de um paraíso que está desaparecendo no Brasil.

As bacias no Tumucumaque são de duas orientações: as que correm para o Amazonas ou para o Oceano. O principal rio no primeiro caso é o Jari, com 800 km num rumo sul, muitos afluentes e diversas cachoeiras. Todos os rios a oeste deságuam no Jari. No segundo caso, o Oiapoque no norte e o Araguari no centro. Todos os rios a leste deságuam no mar. A vazão varia fortemente, devido às chuvas torrenciais no chamado inverno.

Mapa do Mosaico de Áreas Protegidas da Amazônia Oriental (Fonte: Iepé)

Existe um único Parque associado à serra – é o PN Montanhas do Tumucumaque, o maior do Brasil, com quase 4 milhões de ha. Trata-se também da maior reserva de floresta tropical do mundo. O PNMT é cercado por um cordão gigantesco de áreas de conservação e territórios indígenas no PA e AP. Do outro lado do Oiapoque fica o Parque Amazônico da Guiana, com mais de 3 milhões de ha.

O acesso ao Parque é por barco ou avião. Conta com uma única estrutura às margens do Rio Amapari, em Serra do Navio. Não só a estrutura do Parque é limitada, como as suas trilhas são poucas e curtas. Inseridas na floresta, não dispõem de belos visuais. Os pontões que tanto chamam atenção para o Parque são dispersos e distantes, não sendo praticável a sua visitação – a menos de uma expedição por semanas na selva. Assim, toda a exuberância do Tumucumaque é meramente contemplativa.

Pontão no PN Montanhas do Tumucumaque (Fonte: IcmBio)

Na divisa leste da Serra, fica o estreito e comprido PN do Cabo Orange (619 mil ha). Ele contém uma imensa planície costeira alagada, que encontra o mar num cordão de manguezais e que é visitado por aves migratórias do norte. Não tem estrutura ou visitação.

Com exceção da vila de Oiapoque, há na região do Tumucumaque apenas dois vilarejos no limite oeste, Vila Brasil e Ilha Bela (e mais a francesa Camopi). São ligados principalmente ao garimpo, relativamente ao comércio e limitadamente à agricultura ao longo do perigoso Oiapoque, já na divisa com a Guiana. Sua população é inexpressiva, não ultrapassando 500 pessoas.

Rio e floresta no PN Montanhas do Tumucumaque, AP (Fonte: Divulgação)

A região garimpeira do Lourenço, ao contrário, fica a leste, porém na divisa do Parque. Serra do Navio, porta de entrada para a região a sudeste, sequer alcança 5 mil moradores. A única cidade maior é Laranjal do Jari, no extremo sul, com 40 mil pessoas. Assim, o Tumucumaque é um paraíso natural, mas um deserto humano.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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