Este é o primeiro texto sobre a Serra do Espinhaço, uma série que aparecerá intercalada com outra sobre astronomia. Vou descrever seus parques de sul para norte, desde o centro de Minas até o sul da Bahia. Será um caminho duro e áspero, com muitas belezas, grandes distâncias e algumas surpresas.
Nos municípios mineiros vizinhos de Ouro Branco e Ouro Preto formações bem definidas já indicam a marcha desta Cordilheira rumo ao norte. Convido você a me acompanhar durante os muitos meses em que descreverei seus parques naturais – e os tantos anos que levei para percorrê-los.
O nome Ouro Branco remete ao século da mineração, quando foi encontrado um tipo de ouro esbranquiçado. Ouro Branco é também o nome da serra, um paredão abrupto e retilíneo, temido no período colonial pela dificuldade da travessia. Nele os viajantes eram alvo de emboscadas dos saqueadores da Estrada Real.
É na Serra do Ouro Branco que ocorre a geologia inicial do Espinhaço. Antes dela, existem algumas manifestações que a prenunciam – o Parque de Ibitipoca em Lima Duarte e a Serra de São José em Tiradentes. Mas estão ainda envolvidas por territórios da Mantiqueira. Só a partir daqui a natureza assume a aparência árida e rude do Espinhaço.
Foi a própria comunidade que se movimentou para a formação do PE da Serra do Ouro Branco – ele conta com 7.520 ha ao longo da serra. Corre com um perfil regular por 16 km no sentido E-W, curiosamente transversal à orientação geral N-S que mais tarde o Espinhaço irá apresentar. O Parque contém a parede, a chapada acima dela e os campos altos a norte.
Sua rocha é o quartzito e seu ponto culminante está a 1.560m, junto a várias torres de transmissão. A partir da entrada no asfalto, serão 10 km em estrada de terra pelo chapadão ondulado até as antenas. Do seu alto é possível divisar as duas espinhas rochosas que convergem aqui: Tiradentes-Congonhas e Capanema-Ouro Preto. São visíveis as Serras do Caraça (bem distante), da Chapada e do Itacolomi (ambas próximas), junto com o Lago Soledade.
O Parque não está indenizado nem dispõe de qualquer estrutura. A vegetação abrange os campos rupestres nas partes elevadas e as matas e capões nas baixas, onde aparecem o cerrado e a mata atlântica. Devido a certa continuidade de áreas preservadas, é percorrido por fauna de médio porte.
É bonito este espaço de paredes acinzentadas e campos coloridos de ocre. Permite algumas travessias através de sua topografia um tanto regular, como entre Ouro Branco e Itatiaia (15 km) e até o Morro do Gabriel (6 km). Mas você pode subir pela parede da serra até a chapada, por uma trilha dos tempos coloniais. Ao chegar lá em cima após 400m de ascensão, encontrará o muro de pedra que era um arrimo da Estrada Real.
Adjacente ao Parque existe o Monumento Natural de Itatiaia (nada a ver com o do Rio), criado com 3.200 ha. Deveriam compor uma área única, mas a existência de moradores seria um entrave para uma UC permanente. Já num MONA é possível manter as atividades anteriores. Ao percorrê-la, você notará uma vila minúscula, construída para uma mineração há muito abandonada.
O Itatiaia é uma região bem interessante, atravessada diagonalmente pelos 10 km da Serra da Chapada. Apresenta uma elevação na extremidade norte, arrematada pelo arrojado Bico de Pedra (1.500m). Mas seu ponto culminante fica perto da extremidade oposta, com 1.550m.
A estrada entre Ouro Branco e Ouro Preto aproxima-se logo depois da Serra do Trovão – pequenina formação a 1.400m que pertence à vila turística de Lavras Novas. Dela é possível avistar os altos do vizinho Parque do Itacolomi. A extremidade da Serra da Chapada dista apenas 3 km da do Trovão e os campos entre elas são vazios – portanto, seria fácil integrar num só mosaico de 20 mil ha todas as áreas referidas.
Se o Espinhaço começa em Ouro Branco, então ele prossegue no vizinho Ouro Preto, talvez com uma natureza mais generosa. A quem chega a Ouro Preto ou Mariana, o Itacolomi chama tanto a atenção quanto suas igrejas. Isto se deve a seu formato de um enorme monólito pontudo e inclinado, vigiando as vilas dos altos do parque que leva o seu nome.
De fato, ele serviu de orientação aos bandeirantes que penetravam na intricada rede de serras à busca de minérios. O aventureiro que primeiro o avistou foi Antônio Dias, numa madrugada de inverno. Desta bandeira surgiu a vila de Antonio Dias, cuja união à de Ouro Preto formou Vila Rica. Ela foi a principal cidade do ciclo do ouro e capital mineira por quase duzentos anos. É incrível como uma cidade tão serrana e modesta pudesse ter sido a capital de um Estado tão importante.
Esta é a região da bacia do Rio Doce, antes habitada pelos índios coroados, goitacás e botocudos, com uma vegetação densa e um relevo serrano. Os 7.540 ha do Parque contam ainda com campos rupestres, sua vegetação fechada acolhendo uma variedade de mamíferos.
É ainda uma região de transição entre o cerrado e a mata atlântica. Uma boa maneira de perceber isto: suba até Lavras Novas, na Serra do Trovão, com a presença daquelas rochas fraturadas típicas do Espinhaço. Na borda da serra mire as encostas do Parque do Itacolomi – e note como sua densa cobertura contrasta com a aridez rochosa de onde você está. Nele o Espinhaço ainda não atingiu a sua áspera plenitude.
Existe uma portaria do Parque, onde começa a estrada de acesso, que chega a uma casa bandeirista, uma capela e um museu. O caminho ao Pico está bem sinalizado: depois da encosta e da rampa, você alcançará os campos altos – são muito bonitos, combinando as vertentes verdejantes com as intrusões de rochas quartzíticas pontudas.
Ao atingir o topo da encosta, você chegará à esquerda da pedra. A subida do monólito era facilitada no alto por um trilho que vencia a fenda do cume. Era possível subir por aderência na parede de trás e passar pelo trilho sobre a fenda para a parede principal. Devido à má conservação, o trilho foi retirado, exigindo agora uma escalada – atualmente proibida.
Você terá caminhado por 7 km, numa ascensão de aproximadamente 450 metros até os 1.772m do cume, o que deverá tomar 2 hs. Um pouco após o monólito existe um mirante com bela vista panorâmica. Observe que a serra não corre para o oeste e já aponta para o norte, que será o rumo geral do Espinhaço.
No próximo capítulo, você conhecerá a continuação da cordilheira ao longo da Serra do Caraça.
3 Comentários
Muito bom. Já estou aguardando a proxima parte! Abraços da Serra do Capanema.
Amei suas informações, pois faço parte da Cordilheira do Espinhaço, que tem parte aqui, em Milho Verde, distrito de Serro! Fico maravilhada com essas serras daqui! Obrigada 🙏🏼
Parabéns pela descrição desses lugares lindos!