É numa curva rumo nordeste que o Espinhaço chega a Grão Mogol. Por anos quis conhecer este lugar, pela região distante e isolada e pelo nome sonoro e misterioso. Lá me disseram que ela nasceu da força dos homens para enfrentar a serra. E, de fato, é um lugar único, resultado de uma história sofrida, um vilarejo diferente, frontal a um parque de muitas belezas.
Esta região de nome tão especial tem de fato uma história diferente, que os muitos mistérios que a envolvem tornam ainda mais interessante. Nos tempos da mineração, foram descobertos diamantes na região. Sua exploração clandestina atraiu uma imensa migração de garimpeiros – dizem que 1/3 da população de Minas. As pedras eram escoadas para o norte, até o litoral baiano, escapando do controle da Coroa em Diamantina.
O Governo colonial reagiu de forma violenta, mas durante 35 anos não conseguiu submeter as guerrilhas dos faiscadores, só dominados após uma dúzia de combates. Uma história de violência, sugerindo que o termo Grande Amargor ou Gran Margor teria batizado a cidade. Até hoje a região tem nomes como Córrego das Mortes, Brejo das Almas e Ribeirão do Inferno, como resultado de tantas lutas travadas e vidas perdidas.
Mas a história se torna mais confusa quando, anos depois, foi achada uma enorme gema encravada na Pedra Rica (você pode avistá-la da cidade), que gerou um paralelo com o famoso diamante indiano Grande Mogol. Não acredito que a origem do nome venha a ser jamais desvendada, o que torna mais saborosa esta pequena vila mineira, com seu casario baixo e geminado, sua população pobre e sua serra rude.
Grão Mogol era muito mais importante antigamente, antes do surgimento de Montes Claros. Respondia então por uma área enorme, da qual foram desmembrados vinte municípios. Hoje é uma vila pequena e pobre, num município de apenas 15 mil pessoas, perdida nos horizontes vazios deste grande país que são as Minas Gerais.
Pois o entorno da serra, lá chamada de Geral ou Bocaina, foi declarado Parque Estadual com uma área de 28.400 ha. Compreende o espigão serrano e o vale do Rio do Bosque, junto com vales de outros rios: o Ventania a leste, o Extrema a sudoeste e o Itacambiruçu a sul. É impressionante superpor a rede hídrica ao mapa do PEGM, pois lá existem nada menos do que 300 nascentes.
Tem um desenho recortado, com largura variável e comprimento de talvez 60 km (confira no mapa). O ponto culminante fica a 1.345m, provavelmente ao sul. A altitude média é próxima de 1.100m. Dos rios, o de maior porte é o Itacambiruçu, que encontra o Jequitinhonha pouco mais de 100 km após seu início.
Foi nele que a cidade começou, num local baixo chamado Vau, destruído naquela luta contra os garimpeiros. Mas, um século antes dos diamantes, e portanto da vila de Grão Mogol, Fernão Dias teria encontrado as esmeraldas (na realidade, turmalinas) numa lagoa perto de suas nascentes.
O relevo do parque é montanhoso, com presença de chapadas, que são três, Bosque, Bosquinho e Cardoso. Elas são recobertas por um cerrado de pequeno porte e por uma caatinga arbustiva. Os botânicos dizem que 30% da área corresponde aos campos rupestres mais elevados, 25% aos cerrados nos altos das chapadas e pouco mais de 20% às caatingas entre os planaltos.
A fauna é variada, embora em quantidades limitadas, dada a aspereza do ambiente. Espécies ameaçadas como a suçuarana, a anta, o lobo guará e o macaco sauá buscam refúgio e alimento nas alturas da serra e nos carrascais do campo. Embora não as tenha avistado, é rico em aves. É interessante comparar o visual árido e vazio da serra com a riqueza da natureza que ela abriga. Mas, você já sabe, esta é uma característica de todo o Espinhaço.
O PEGM foi naturalmente protegido pela existência de escarpas íngremes e platôs rochosos que impediram o avanço da agricultura. Entretanto, nas suas bordas existem cultivos, em especial de eucaliptos, que podem se mostrar inconvenientes.
O principal atrativo é a Trilha do Barão, caminho parcialmente calçado por escravos que vence a serra, percorrendo depois um trecho no planalto agrícola fora do Parque. Era a ligação com a fazenda do Barão de Grão Mogol. Ele adquiriu este título por ter formado um batalhão de voluntários (na realidade, de escravos) para defesa do país na Guerra do Paraguai. O Barão deixou depois a cidade, tornando-se um bem-sucedido cafeicultor em São Paulo. Seu sobrado de janelas azuis ainda pode ser apreciado no centro da vila.
Este é um caminho rústico de 14 km que atravessa o centro do Parque num rumo norte, desde a cidade até o local sonoramente chamado Gêra de Nondas. Se você prosseguir já lá em baixo por mais 8 km, chegará na antiga Fazenda Cafezal do Barão, da qual só restam vestígios.
Foi uma experiência estupenda subir a trilha rochosa até uma campina elevada (950m) recoberta por gramíneas, contornar o flanco da serra dentro de uma vegetação arbustiva (1.200m) e descer uma longa rampa até a região agrícola (800m). No seu trecho alto, tive visões panorâmicas das serras verdejantes a leste e, depois, do planalto algo ressecado a norte. E, ao chegar, pude contemplar o emocionante perfil acinzentado da serra, parecendo agora tão distante.
Há outro caminho pedregoso de 8 km que também cruza a serra, porém ao sul do anterior: a Trilha da Tropa. Como o nome indica, era percorrido pelas tropas que traziam mantimentos e levavam diamantes, sempre de maneira clandestina. Um ponto de interesse é a estrutura em pedras que servia de apoio aos tropeiros.
Existem duas outras construções rochosas nos arredores: as Ruínas do Deodato e o Curral de Pedra. Um passeio interessante seria subir o Morro do Chapéu (1.300m), uma trilha curta e fácil no rumo de Cristália, com uma poderosa vista dos campos e serras.
Apesar da aridez, Grão Mogol oferece águas muito bonitas. A principal cachoeira é a Véu das Noivas – mais uma com este nome, esta com 30 m. Você pode visitar no Rio Itacambiruçu uma cachoeira e logo após um cânion, no meio de impressionantes paredes rochosas recortadas com os formatos caprichosos esculpidos pelas águas. É estranho como mesmo elas parecem ásperas, nessa região feita de pedras.
Mas este local baixo, o antigo Vau, onde um dia existiu o povoado original arrasado pela guerra, sempre me causou uma tristeza opressiva. Pois, se o passado de Grão Mogol é uma forte raiz que ampara seu povo, parece também sobre ele pesar como uma sombra.
No capítulo seguinte, você conhecerá aquele que será provavelmente o mais recente parque natural mineiro, e um dos mais interessantes.
1 comentário
Um lugar sem igual, gostaria de conhecer antes que as mineradoras acabe com tudo, um lugar que já mais poderia ser degradado pelas mineradoras