A Cordilheira do Espinhaço avança agora através de grandes maciços cênicos, observados pela vila do primeiro ouro mineiro, banhados pelo mais rico de seus rios e coroados por sua mais esplêndida montanha.
Foi no modesto Serro que o ouro foi descoberto, no início do século XVIII. E, depois, os diamantes mais ao norte. Chamado então de Serro Frio, devido ao espigão onde ficava exposto aos ventos, foi o centro de uma enorme comarca que comandava a exploração mineral e a difusão da cultura. Porém, um século depois, seus recursos foram exauridos e a distância à ferrovia acabou por condená-lo ao isolamento.
Mas a antiga Vila do Príncipe é um local mágico, uma vila colonial pendurada num relevo em sela, com uma igrejinha em cada ponta. É neste espaço tão pequeno que fica a maior montanha mineira e o mais interessante rio do Espinhaço, é nele que você vai penetrar nesta estranha região de natureza sofrida e exuberante.
Ao percorrer a região, você logo irá encontrar o Rio Jequitinhonha em Milho Verde: um riacho profundo e estreito. Já será mais encorpado no impetuoso trecho sinistro da Ponte do Acaba Mundo em Diamantina. Ao deixar esta cidade, notará suas margens assoreadas num grande remanso. Este é ainda o Alto Jequitinhonha, que me encanta pelas regiões remotas, vazias e pedregosas que atravessa.
Bem mais tarde, depois de Minas Novas e já no norte mineiro, o Jequitinhonha acolhe uma cultura peculiar: ligada à natureza, ela gerou um rico artesanato, uma forte oralidade permeada pelo imaginário, uma riqueza de canções e de festivais. Fica aqui o Médio Jequitinhonha, habitado por um povo criativo.
Ele a seguir banha as terras de Almenara e Jacinto como um curso cênico e imponente, encaixado entre altos paredões. É nesta região que ficam os surreais locais de escalada de Rubim e Jacinto, cuja maior manifestação é a Serra Misteriosa. Este é o vale do Baixo Jequitinhonha, já a caminho da Bahia.
Por fim, largo e lento, passa a conviver com o calor e o sossego praianos. Depois de 1.000 km, você encontrará sua foz – uma imensa massa de água barrenta, com 1 km de largura. Entre seu estuário em Belmonte e o do Pardo em Canavieiras existe uma enorme extensão de mangue, riquíssimo na criação de aves e moluscos.
O Pico do Itambé pertence ao início do Jequitinhonha. O Itambé é para mim a mais emblemática das montanhas do Espinhaço. Esta cadeia perde elevação à medida que avança para o norte. O Itambé, situado a longos 300 km do início da serra, surpreende por sua altitude, comparável à do Pico do Sol.
Ele é muito mais elevado que toda a região adjacente, o que torna espetacular a sua visão à distância. Acredite, mesmo a 100 km seu perfil é identificável. Mas, de perto, é ainda mais impressionante, pois parece colossal no alto da pequena serra que o contém. Há uma outra razão para torná-lo tão formidável: a sua rocha acinzentada e fraturada, que emerge ameaçadora do platô onde está assentado.
Acredito que nem houvesse um PE quando o conheci pela primeira vez. Depois que a reserva foi criada, sua área foi ampliada para os atuais 6.500 ha, suas trilhas foram sinalizadas e as construções do cume reformadas. A gestão deste UC parece inovadora, pela presença dos guarda parques e pela cuidadosa sinalização desta montanha traiçoeira.
O Itambé apresenta uma encosta suave no seu lado leste de Santo Antônio do Itambé e uma corcova abrupta no oeste de São Gonçalo do Rio das Pedras e de Capivari. Pois estes são os dois caminhos para o cume. Você pode repetir cada um ida e volta ou experimentar os dois numa mesma travessia. Neste caso, normalmente a ascensão será por Capivari e a descida por Santo Antonio, com acampamento no cume. Já a trilha de Santo Antonio presta-se a um confortável bate e volta.
A subida por Capivari tem 5½ km, se você iniciá-la no Poço Preto, a 7 km deste vilarejo por uma estradinha suspeita. O desnível total é considerável, de 850m, o que representa um aclive médio nada banal de 15%. A duração chega a até 5 hs com mochilas cargueiras. Ela encontra a temível parede oeste da montanha, numa escalaminhada íngreme e estreita a partir do platô em que se assenta, com uma ascensão neste local de mais de 200m.
Já a de Santo Antônio é mais suave, com menos de 800m de desnível, extensão de 6½ km (cerca de 10% de aclive) e duração de até 3hs com mochilas de ataque. Logo abaixo do cume ela encontra a ponte pênsil do Rebentão, que permite cruzar uma vala. A parede da ponte ao cume tem um desnível menor do que a outra, de 130m. O caminho leste é bem interessante, com a gruta, os poções e o cânion. O início da trilha é num antigo curral, a 8½ km da cidade por uma estrada horrorosa.
A vegetação de cima é esplêndida, com campos recobertos pelas lavoisieiras rosadas, formações de canelas de ema e moitas de sempre vivas, macelas e mimosas. Nas altitudes menores, os campos rupestres são substituídos por cerrados e matas montanas. A vista do cume tem um alcance enorme, com todas as vilas e parques visíveis, em especial os Picos do Breu e dos Dois Irmãos.
O PE possui ainda outros atrativos: as cachoeiras que acontecem ao longo da estradinha de Santo Antônio, onde fica a sua sede. Ao descer a montanha, você encontrará a maior delas à sua esquerda – é a Cachoeira do Rio Vermelho (45m), com seu poço enorme. Sua trilha de 3 km é irregular e difícil.
Este não será o caso da Cachoeira do Neném (15m), a apenas 1 km da estrada, à direita. É comum que os andarilhos nela se refresquem, depois de descer a montanha. Mais abaixo existem as quedas da Cachoeira Água Santa, da qual a segunda e a quinta são as mais altas. Mas, de todas, a mais bela me pareceu a Fumaça (apenas 20m), com suas águas descendo docemente pelas rochas estriadas.
As águas do Parque pertencem às bacias do Doce a leste, pelo seu afluente Santo Antonio, e do Jequitinhonha a oeste, que ainda jovem corre a apenas 15 km do pico. Quase todas as quedas que você conhecer estarão na borda oriental do Parque, portanto correndo para o Doce.
Mas existe um outro caminho notável: a Trilha dos Tropeiros, uma rota centenária que liga Santo Antônio a Capivari. Seu trajeto é paralelo ao da trilha do Itambé, a 4½ km ao sul desta. E ele começa exatamente a partir da Cachoeira da Fumaça. Pode ser uma alternativa para resgatar seu carro, se você tiver começado por Capivari e descido por Santo Antônio – e tiver ótima condição física.
Como acontece no vasto território entre o Cipó e Diamantina, existem várias travessias entre suas reservas. Lembro os 60 ou 70 km que separam os Parques do Itambé e do Rio Preto, saindo próximo da portaria do primeiro e chegando na do segundo, com direito à ascensão do Pico Dois Irmãos no quarto e último dia.
A continuação desta série de colunas irá levá-lo ao grande planalto diamantino, onde existe a maior concentração de reservas em todo o Espinhaço.
1 comentário
Parabens pela sua carreira invejavel.
Desde adolescente almejei uma vida assim mas nunca tive coragem para dar o salto.
Agora, ja idoso e rico, vejo que é tarde demais ….
Abraço