O Espinhaço apresenta na sua face leste um aspecto mais suave do que nos cerrados altos do oeste. Trata-se da bacia do Rio Doce, onde você conhecerá quatro parques. Dois deles são opostos – o primeiro, com estrutura inexistente, mas natureza sugestiva, e o segundo, uma reserva antiga, estruturada e muito visitada. Os outros dois são pequenos e precários.
Sete Salões: Embora o Parque se distribua por quatro municípios do curso médio do Rio Doce, o melhor local para você se alojar é na cidade de Resplendor. Este nome sonoro derivou de uma pedra que não mais existe – ela resplandecia quando iluminada pelo sol poente. Hoje Resplendor tem à sua frente um belo lago, criado por uma represa próxima.
O PE de Sete Salões não possui estrutura, sequer é cercado ou sinalizado. A vila de Conselheiro Pena está ao norte, Santa Rita a oeste e Resplendor ao sul. Seus 12.520 ha protegem remanescentes de mata atlântica, associada a pequenos campos rupestres e matas de candeias, bem como duas dezenas de nascentes.
Abrange um belo espigão com paredes íngremes e florestadas. A flora é expressiva, com árvores de bom cerne. Os hoje raros urubus rei são lá avistados, bem como suçuaranas, jaguatiricas, bugios e muitas aves. Em resumo, uma natureza preservada, típica do Sudeste brasileiro.
O Parque possui dois importantes acidentes geográficos. Toda a borda leste é limitada pelo Rio Doce – ele nasce na Mantiqueira em MG e encontra o mar em Linhares, no ES. Foi ao longo dos seus 850 km que bandeirantes e sertanistas e, mais tarde, fazendeiros e naturalistas penetraram em nosso território. Visitei a região antes da tragédia ambiental de Mariana. Sei que hoje as águas do rio estão cheias de lama e vazias de vida, coloridas por uma cor que nunca tiveram.
Mas é o segundo acidente que nos interessa: a crista quartzítica que atravessa num perfil retilíneo o centro do Parque, desde Resplendor até Conselheiro Pena. O Parque incorporou as encostas e vales à crista. Nela fica o principal atrativo do Parque – uma gruta arenítica, chamada de Sete Salões. Conta-se que tinha mais de trinta, até que um desabamento fechou muitas deles – grutas em arenito costumam desabar.
Seu acesso é por Santa Rita, a cerca de 30 km de Resplendor. A trilha começa numa bucólica roça de café, atravessando por 2½ hs uma mata densa, até chegar na gruta. É um espaço bonito, com uma boca ampla, mas a passagem entre os salões é feita por tuneis progressivamente menores. Você terá de ser bem corajoso (ou magricela) para passar do quarto salão.
Então, antes de voltar à mata, contorne a gruta à direita e suba por 1½ hs no rumo de uma formação pontuda e escura que você já tinha avistado. É o Pico do Garrafão ou Sete Salões, com 1.145m, ponto culminante do Parque, do qual falarei em outra coluna.
Mas você verá também a Serra de Santa Rita, o mais belo visual de toda esta região. São formações rochosas com bonitos perfis de pontões e corcovas, num agradável granito acinzentado. Lembram as amplas formas da Serra dos Órgãos em Friburgo. No seu sopé há lavouras de café e, acima delas, aquele quente céu que ilumina a beleza da paisagem.
Rio Doce: Mas existe um outro parque também associado ao Rio Doce. Descubra que o PE do Rio Doce é o inverso do de Sete Salões: é muito antigo, muito grande, com 35.970 ha, e muito visitado e bem estruturado. É circundado por grandes cidades ligadas ao aço, não por tímidos povoados, com acesso por Timóteo.
É recoberto por grandes árvores da mata atlântica e composto por 40 lagoas, formadas por uma depressão no planalto, sem ligação com o rio. A maior delas homenageia o então Arcebispo de Mariana, que pioneiramente defendeu a preservação das matas mineiras. De seu esforço resultou a fundação deste que é o primeiro parque de Minas e até hoje o maior deles aberto à visitação.
Mas não se anime: o PE do Rio Doce não é voltado ao andarilho curioso e sim ao sossego e à contemplação – a ociosa pesca nas lagoas é permitida e sua única trilha anunciada é infelizmente mínima.
Candonga: O PE da Serra da Candonga dispõe de 3.300 ha, sendo uma das menores UCs de Minas. Situa-se em Guanhães, a antiga São Miguel e Almas, próxima a Serro. Por pertencer à vertente leste do Espinhaço, apresenta um relevo levemente ondulado. Seu ponto mais elevado é a Pedra do Urubu (1.165m), numa serra com cerca de 8 km, alcançada por uma curta caminhada.
O Parque é ocupado pela mata atlântica, com pastos e matas. Nestas são encontradas árvores de madeira de lei. A fauna é típica deste bioma, com mamíferos de pequeno porte e espécies maiores ameaçadas. Embora não seja especial, a Candonga tem um visual interessante, dividido entre a área serrana ao norte e as matas e pastos ao sul. Conheci-o um tanto superficialmente, percorrendo 15 km a pé ou de carro.
Suas muitas nascentes pertencem à bacia do Santo Antônio, afluente do Rio Doce. Devido à ocupação agropastoril anterior, abriga cerca de uma dezena de represas. Mas a principal razão para a criação do PE foi a preservação Fazenda Candonga, com remanescentes das minas de ouro exploradas pelos ingleses.
O Candonga foi invadido por índios pataxós, vindos de uma fazenda próxima, onde diziam não dispor de espaço. A situação não foi resolvida e há até mesmo proposta de retalhar o Parque. Enquanto isto, o amável cacique Zuza ocupa com certo conforto a antiga sede da Fazenda Candonga. Sem os índios, o Parque poderá ser viável – o que seria vantajoso, dado o aspecto gentil de sua natureza.
O Rio Corrente: O Parque Estadual do Rio Corrente foi criado na mesma época, com modestos 5.060 ha. Resultou de uma antiga fazenda, ainda hoje dedicada à agricultura e pecuária. Cerca de 70% da área total é ocupada por dois fazendeiros invasores.
A sede fica num distrito de Ipatinga chamado Felicina. De lá, deve-se seguir no rumo de Boa Vista, em estrada precária. Tem a mesma situação geográfica do Candonga, recoberto por vegetação de mata atlântica e pouco montanhoso – a altitude média deve ser 450m.
A cobertura vegetal conta com variedades típicas da mata atlântica, bem como espécies hoje recuperadas, como vinháticos e jacarandás. A fauna reúne aves diversas e pequenos mamíferos. No passado, quando expulsos, os grileiros punham fogo nas roças. Disto decorreu a brotação da atual cobertura de floresta secundária, que impressiona por sua densidade.
Entretanto, não é uma região bonita como o Candonga – pelo que percebi nos 100 km que artravessei, os melhores visuais ocorrem exatamente ao longo das pastagens, com o contraste entre os vales planos e as serras verdes. Nele também ocorrem várias nascentes, que correm para o Rio Corrente Grande, afluente direto do Doce – foi para proteger sua bacia degradada que o Parque foi criado.
Também aqui ocorreu invasão de pataxós, na mesma época e pelo mesmo motivo do Candonga, porém com comportamento arredio e belicoso. Segundo o IEF, os fazendeiros degradam águas e matas, ao contrário dos índios. Há intenções de desmembrar uma parte do Parque para acolher estes bondosos silvícolas.
O Parque mais parece uma grande fazenda, com residências, currais e bovinos. De tantas reservas que conheci, esta foi a que me pareceu a mais despossuída.
Na próxima coluna, o Espinhaço chegará ao Itambé, a sua mais importante montanha, e ao Jequitinhonha, o mais rico de seus rios.
2 Comentários
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Parabéns! pelas materias, sou amante da natureza, e naturalista de alma, gostaria de acompanha- lo, em uma dessas tuas expedições.