O futuro e o passado do oitomilismo

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Em 1986, quando Messner se tornou o primeiro montanhista a escalar pela primeira vez todas as 14 montanhas com mais de 8 mil metros do mundo, muito se falava sobre o futuro do montanhismo. Messner, não apenas foi o primeiro a realizar o projeto, mas o fez em grande estilo, escalando todas sem oxigênio, de forma autônoma e independente, num estilo mais puro e ético.

Na sequencia, o polonês Jerzy Kukuzka, que rivalizava com Messner, além de terminar o projeto, o fez escalando montanhas no inverno, abrindo novas rotas mais difíceis e mais técnicas. Na década de 80 outros nomes como Krysztof Wielicki, Hans Karmmelander, Renato Casarotto e outros, deixaram suas marcas elevando o nível do montanhismo, seguindo os valores do ineditismo, da autonomia e independência. Após esta geração lendária, o montanhismo se perguntou: Com estas conquistas, como será o futuro de nosso esporte? Qual seria o limite?

Quarenta anos se passaram e hoje o feito mais comentado do montanhismo, a escalada de todos os 8 mil por Kristin Harila, é a repetição de um projeto.  De inédito tem a rapidez com que foi realizado, porém com uso de helicópteros, cordas fixas, muitas garrafas de oxigênio e ajuda de fortíssimos sherpas, do qual se destaca Tenjen Lama. Ainda que seja algo incrível e muito difícil, é algo distante, ou senão oposto do que se imaginava há quarenta anos.

Kristin Harila durante o projeto 14×8 em 2022.

Os fatos, no entanto, falam muito mais do que só isso. Se não bastasse que os valores e ideais do montanhismo terem ficado para trás, o Guiness book, seguindo um revisionismo histórico, retirou o nome de Messner como sendo o primeiro a escalar todos os oitomil. Também desconsiderou as conquistas de diversos outros montanhistas lendários, como o próprio Kukuczka e até mesmo de Denis Urubko, que tem 28 cumes de oito mil sem nunca ter usado oxigênio.

Estes grandes montanhistas podem ter perdido seus nomes dentre o livro de Recordes, mas não terão seus nomes esquecidos. Eles foram e serão lembrados por suas escaladas avançadíssimas que até hoje desafiam quem quiser repeti-las.

Quem perde é o tal livro dos Recordes, que perde Messner, mas ainda terá em suas páginas feitos como o homem que mais comeu cachorros quentes, o encontro com maior número de pessoas vestidas de Peru no mundo, maior quantidade de palitos na barba, maior cabelo do mundo e por aí vai.

Quanto ao futuro do oitomilismo? É claro que quanto mais pura for a escalada numa montanha desta altitude, maior a dificuldade e o comprometimento. O montanhismo no entanto não se resumo a altitude de 8 mil metros e este montanhismo do futuro está por aí, só não é tão comentado.

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Sobre o autor

Natural de Itatiba-SP e residente em Curitiba-PR desde 2007, Pedro Hauck é uma figura proeminente no montanhismo brasileiro. Sua formação inclui graduação em Geografia pela Unesp Rio Claro e mestrado em Geografia Física pela UFPR. Com uma carreira de mais de 27 anos, ele é guia de montanha profissional e instrutor de escalada credenciado pela ABGM, a única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Seu currículo inclui a ascensão de mais de 180 montanhas acima de 4 mil metros, com mais da metade ultrapassando os 6 mil metros, além de um pico de 8 mil metros no Himalaia e dois de 7 mil. Pedro Hauck também atua como empresário do setor outdoor, sendo sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conceituadas lojas de montanhismo do país, da Via AltaMontanha, um dos maiores ginásios de escalada de Curitiba, e da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão, trekking e cursos de montanhismo. Acompanhe Pedro Hauck no Instagram: @pehauck.

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