Depois dos índios pré-existentes, a ocupação do Pantanal começou a oeste com os espanhóis no início da colonização, que avançaram pelo interior à busca de prata e ouro e fundaram fortes ao longo do Rio Paraguai. Tornou-se área de litígio entre as coroas ibéricas, quando os bandeirantes começaram a nela penetrar, bem como entre brancos e índios. Os conflitos se intensificaram com a descoberta do ouro em Poconé e Cuiabá no século XVIII.
Com a derrota dos espanhóis, o esgotamento do ouro e o extermínio dos índios, o Pantanal começou a ser ocupado por latifúndios pioneiros, dos quais o mais famoso foi o da Fazenda Firme (ver depois). No fim do século retrasado foi palco da Guerra do Paraguai, que arrasou Corumbá e desorganizou a pecuária. Abasteceu depois as charqueadas, até que elas entrassem em declínio.
O século passado assistiu ao fim das grandes fazendas estrangeiras, abaladas pela crise americana, e ao começo da fragmentação das propriedades, causada pelas sucessões familiares. Atualmente, as atividades no Pantanal se limitam à pecuária extensiva, à pesca esportiva, à pouca mineração e, crescentemente, ao turismo.
Gostaria de falar de dois tipos de habitantes do Pantanal, um já extinto e outro ainda ativo. Começo pelos índios contra quem os ibéricos tiveram de pelejar pela posse do território: paiaguás e guaicurus. Eram tribos guerreiras de mesma etnia, aliadas entre si, que dominavam os demais índios da região.
Os paiaguás eram caçadores nômades e exímios canoeiros, inimigos implacáveis que jamais se rendiam em batalha, nem tinham qualquer piedade com seus inimigos. Tornaram impossível aos bandeirantes acessar a região pelo Rio Paraguai, obrigando-os a criar um caminho terrestre via Minas e Goiás. Na Guerra do Paraguai serviram de lanceiros contra o exército brasileiro, não existindo hoje qualquer registro de sua descendência.
Os guaicurus eram caçadores-coletores do chaco que aprenderam a dominar os cavalos introduzidos pelos espanhóis. Tornaram-se excepcionais cavaleiros de uma nação guerreira, violentamente hostil aos homens brancos. Ampliaram seu território, tornando vassalos os outros povos indígenas. Aliavam-se eventualmente a portugueses ou espanhóis, mas sua ligação com os paiaguás foi afinal rompida pelos brancos. Entraram em lento declínio, devido aos ataques, às infecções, mestiçagens e alcoolismo.
Por último, o pantaneiro das fazendas da região. Ele provém dos bandeirantes e nordestinos que se mesclaram com índios, negros e paraguaios. Tem uma natureza nômade, que recusa o sedentarismo da lavoura. São homens rudes e calmos, independentes e desconfiados.
Acostumados ao pulso anual de inundação e isolamento, costumam acordar cedo e cavalgar por longas horas. São conhecedores da natureza, praticam uma alimentação e indumentária próprias e mantêm uma relação de confiança entre si e com seus patrões. Mostram grande respeito pelos animais, nunca caçando as espécies silvestres, com a única exceção do porco monteiro.
Chamava-se Jacobina a mais importante fazenda pantaneira, mais populosa do que a vila de Cáceres, perto de onde ficava. Ela sobreviveu por um século e foi então a matriz de todas as demais. Dizia-se ter 60 mil cabeças de gado e sua produção de açúcar, farinha, café e charque era exportada para longe. Foi de lá que saiu o fundador da Fazenda Firme, local de onde foi colonizada grande parte do Pantanal Sul.
O Pantanal é uma grande fazenda, existem lá mais de três milhões de cabeças, porém sob baixa produtividade. As regiões de Nhecolândia, Paiaguás e Poconé concentram 2/3 de todo o gado pantaneiro. As fazendas que conheci precisavam de grandes áreas por cabeça e tinham baixa fertilidade, se comparadas às do Centro Oeste, apesar de o zebu ter há muito substituído o gado bagual ou tucuna original.
Porém, este é o ritmo que a natureza comporta, com seus capins nativos, sua vegetação áspera e seu regime de inundações. Para serem viáveis, as fazendas têm de ser muito grandes, há propriedades em que um único pasto corresponde a uma fazenda inteira no Sudeste. A fragmentação sucessória parece estar ameaçando o tamanho econômico mínimo necessário para este ambiente tão especial.
Talvez a situação mais dramática numa fazenda pantaneira ocorra quando o gado deve cruzar um rio caudaloso, como o Negro ou o São Lourenço. Exige dos peões prática, paciência e coragem. Os canoeiros procuram dar um rumo à travessia, batendo com os remos nas águas ou nos chifres, às vezes tendo de lutar contra os animais rebeldes. Se as rezes assustadas decidem voltar, encontram as que estão vindo e todas se chocam em redemoinho, com risco de afogamento. Por duas vezes quando era jovem assisti a um estouro de boiada, é uma confusão perigosa e assustadora.
Enormes que sejam, as fazendas são também quem sabe um tanto pobres, com instalações limitadas, reduzido maquinário e vazias de gente. Num certo sentido, o gado se cria sozinho – ou, como diz o ditado: não é o fazendeiro que cria o boi, mas este que cria aquele.
Mesmo que você conheça cavalos, talvez não seja capaz de reconhecer a raça pantaneira. Descendente de animais lusitanos, andaluzes e berberes, ela não se destaca visualmente. São rudes animais de trote, não macios marchadores como os manga-larga do Sudeste. Como me disse um fazendeiro: é cavalo de peão, vai demorar para virar cavalo de patrão.
Mas, durante os duzentos anos após sua importação pelos espanhóis e sua introdução pelos índios, eles foram se adaptando ao meio diferente do Pantanal – desenvolveram seus membros anteriores para poderem nadar nas cheias, protegeram seus cascos dos persistentes alagamentos e acostumaram-se às longas, quentes e úmidas travessias. Sua história me sugere a dos cavalos dos pampas gaúchos.
No fim do século XIX, os equinos contraíram a chamada peste das cadeiras, que quase causou a extinção da raça. Hoje sua genética foi recuperada e sua utilidade na lida com o gado foi reconhecida. Pois eles são usados para percorrer as fazendas e campear seu gado com força, agilidade e resistência.
Lembro que existe também a raça pantaneira de gado, resultante – assim como a equina – da adaptação ao meio ambiente dos animais ibéricos. São menores e mais leves do que os zebus, com os quais têm sido cruzados, num processo de absorção de uma raça pela outra. Existe hoje um movimento para restaurar tardiamente a genética desse antigo gado pantaneiro, cuja origem passa por raças como curraleiro, caracu e crioulo. É um movimento minoritário, dada a prevalência do zebu, mas importante para nossa diversidade genética.