O morro do Jaraguá-mirim

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Conhecido informalmente por “Morro dos Macacos” ou “do Tamboré”, o “Morro do Jaraguá-Mirim” é uma simpática elevação urbana situada entre Santana do Parnaiba e Barueri que ganha o nome da fazenda na qual está inserida. Vizinho de um dos cartões-postais de Sampa, o Pico do Jaraguá, o Jaraguá-Mirim oferece do alto dos seus quase mil metros de altitude vista privilegiada da região norte da cidade. Programa sussa de meio-periodo, eis um roteirinho que começou no caótico Pq Imperial e findou na luxuosa Alphaville, revelando não apenas largas cristas e visus diferenciados da urbe. Mostra tb a desigualdade social separada apenas por um simplório e modesto acidente geográfico.

Sem nada pra fazer num dia destes me mandei pro Jaraguá-Mirim, morrote do qual já sabia alguma coisa através de conhecidos que residem na zona norte da capital. Às poucas infos que dispunha complementei com uma rápida fuçada na internet e rápida avaliada da carta local, no caso, Santana de Parnaiba. Sabia que havia acessos a oeste do morro, pela região de Alphaville, mas eram demasiado incertos, a meu ver. Melhor era ir por onde era garantido, uma viela que parte do Pq Imperial, na periferia norte de Carapicuíba. E vamos lá pro que der e vier.
Mais rápido que o previsto e me valendo da Linha Diamante da CPTM, saltei na estação Carapicuíba por volta das 7:30hr. Nunca tinha pisado no lugar e essa foi a deixa pra conhecer a tão falada Carapicuíba, cuja historia remonta a uma antiga aldeia fundada pelo Pe. Anchieta, em 1580, e cujo nome vem de um peixe (o “cará comprido”, em tupi). Pouco se desenvolveu até a chegada da E. F. Sorocabana, e hoje o município sobrevive da prestação de serviços e como “dormitório” a seus habitantes. Independente disso, só sei q saí da estação e pensei ter desembarcado na Estação da Luz! As semelhanças não são poucas: o trânsito caótico de pessoas, ambulantes gritando a toda voz seus produtos e mendigos espalhados ao largo da rua são algo recorrente; ali perto, dois terminais rodoviários se espremem ao lado duma pracinha largada ao descaso e repleta de sujeira apenas reforçam esta primeira impressão.
Imediatamente me pirulitei dali pelo viaduto Jorge Julian e toquei indefinidamente na direção norte, as vezes me valendo dum simpático trilho ferroviário ao lado. Passando por um parque, pelo portal de entrada no município e por um malcheiroso Rio Tietê, em pouco tempo alcancei o “Trevo da Piracema”, onde passei a acompanhar a Rod. Castello Branco (SP-280)  pra leste, sempre pelo acostamento. A pernada foi embalada por fina garoa q logo se dispersou, aliás, o tempo mostrou-se opaco e incerto desde o inicio, condições q melhoraram so no decorrer do período. Bem, pero no mucho.
Antes do pedágio cruzei as autopistas que nem aquele sapinho do saudoso videogame “Frog” e tomei o acostamento do Rodoanel Mario Covas (SP-021), agora tocando pro norte. Após andar um tanto logo me deparo com um obstáculo significativo, na forma dum enorme túnel furando o morro a minha frente. Não faz mal, como tinha q chegar no alto do mesmo bastou escalaminhá-lo através duma picada na encosta direita, pra depois rasgar uns arbustos, passar uma cerca e finalmente dar no alto do mesmo, no pé duma torre de alta tensão. Em caso de dificuldade, do outro lado da pista há uma vereda q dá numa vielinha ingreme q igualmente dá acesso ao topo.
Assim, antes das 9hr me vejo num bairro suburbano chamado de Parque Imperial, onde qualquer semelhança com La Paz não será mera coincidência. Desordenado, casas crescendo em morros, ruas estreitas, trânsito caótico, ambulantes gritando suas quinquilharias, etc. O diferencial é q aqui vc entende o idioma e ao invés de cumbia o som recorrente é o dalgum forró tocando nalgum radinho! Ah, e haja força nas canelas pois qdo não se desce, sobe-se alguma ladeira! Mas olhando do alto dum mirantezinho consigo ter o primeiro contato visual com meu destino, elevando-se modestamente a oeste, embora o q mesmo desperta mais a atenção seja a enorme qtidade de barracos espremidos na encosta duma enorme cratera, ao norte, o q reforça ainda mais a similaridade com a capital boliviana. Provavelmente isto se deva ao planejamento desordenado (e desigual) de td região.
Explico: boa parte de Barueri foi loteada a partir da construção da Rod. Castello Branco, inicio dos anos 70, sendo ocupada por empresas recém-instaladas. E enqto a antiga Faz. Tamboré deu lugar a condomínios residenciais pra abrigar famílias dos gerentes e diretores das empresas, do outro lado brotavam comunidades sem planejamento algum, boa parte composta por terrenos invadidos ou revendidos por grileiros, o q explica a carência de serviços básicos em boa parte deles até hoje.
Pois bem, já tendo visivel meu destino vou tomando ruas e vielas que me levam o mais próximo de sua base e assim cabei chegando numa tal Rua Cicero Moura Tavares. Indo até o final da mesma, perto dum terminal rodoviário, basta buscar o acesso entre os morros florestados q ele logo é encontrado. Uma placa avisa da entrada ser proibida por ali integrar o Sitio Jaraguá-Mirim, mas pelo visto ninguém a respeita pois basta desviar da mesma e seguir trilha adentro. Logo de cara tropeçamos com um belo balneário local, na verdade um simpático e convidativo laguinho represado por algum afluente do Córrego Garcia, com direito a banquinhos rústicos de madeira e corda pendurada no arvoredo. Mas pelo fato do dia estar frio não havia ninguém ali.
Minha caminhada prossegue vale adentro, sempre em nível e acompanhando pelo supracitado afluente na direção oeste. Logo após o balneário havia uma vereda óbvia q galgava a “montanhona” a minha esquerda, q imediatamente deduzi ser a q levava ao alto do Jaraguá-Mirim, mas deixei a ascensão pra somente depois de xeretar as entranhas e encosta norte daquele vale. Pois bem, sempre tocando entre os morros logo me vejo cercado de mata secundária, o córrego dá lugar a uma larga área de várzea e reparo em veredas descendo por ombros serranos opostos, picadas q guardo na memória.
O caminho principal passa pelo centro do vale, onde há as ruinas dum pequeno casebre, desce um pouco mas lentamente começa a subir a encosta norte do serrote, ganhando altitude de forma gradual. No caminho, o rumorejo de água nalgum canto da encosta e uma simplória casinha (provavelmente do caseiro) sem ninguém redobra minha cautela antes da subida. A paisagem logo se abre e permite um vislumbre panorâmico não apenas de toda extensão do vale como tb do Jaraguá-Mirim, ao sul. A vegetação dá lugar a reflorestamentos de pinnus, q se alternam com voçorocas de samambaias e onde salpicam enormes cupinzeiros a margem da vereda. Mas logo a trilha desvia do vale e passa a tomar a direção norte, indo além das minhas intenções daquela manhã. Quem sabe fica pra próxima. É aqui q inicio retorno e tomo outra vereda avistada no caminho q desce outra vez o vale pela encosta oposta e me deixa exatamente naquela outra picada q havia anteriormente memorizado, lembra?
Voltando então na baixada de vale pelo caminho principal, tomo então agora a picada (aquela perto do balneário, esqueceu?) q incialmente sobe forte o morro, em meio a muita vala, trechos bem erodidos e outros lisos feito sabão devido a umidade, rumo sul. A subida é forte e mesmo com tempo frio não tarda pro suor correr farto pelo rosto. Mas logo acima o caminho aparenta suavizar ao mesmo tempo em q margeia a encosta norte do morro  pra então começar a subir o ultimo ombro serrano ate o cume propriamente dito, agora sentido oeste. As vistas se ampliam no momento em q é preciso descer um pouco, vencer um suave selado, pra aí então subir forte o trecho final. Não bastasse o chão escorregadio foi preciso desviar de dejetos de cavalinhos, que se encontram pastando, livres e soltos, ao largo de td caminho.
E assim, em menos de meia hora de pernada e agora com vento frio soprando o rosto ganho o alto do Jaraguá-Mirim, pouco antes das 11hr. O cume é largo e descampado, a exceção de sua porção a sul, coberta de eucaliptos q bloqueiam a paisagem, embora pelas frestas seja possível avistar a geometria de Osasco e Barueri. No entanto, a vista restante é bem interessante, mesmo pautada por um fino véu opaco de nebulosidade. A leste é possível distinguir o Rodoanel e, logo atrás, a Anhangüera e a base do Pico do Jaraguá, com seu cume imerso em brumas; ao norte o quadrante é totalmente tomado por verdejantes morros que integram aquele belo serrote; e a oeste surge uma São Paulo como que feita de maquete, de brinquedo, tendo principalmente a vista os complexos empresariais e os trocentos condomínios residenciais q permeiam a zona de Alphaville e Tamboré; ao fundo disto, surgem altas silhuetas q correspondem a topografia de Aldeia da Serra e Bairro dos Altos, ptos culminantes de Barueri. Com algum esforço, vislumbro o verde de Santana do Parnaiba e a silhueta tênue da Serra do Voturuna. Em tempo, ali não há infra alguma, como o Jaraguá.
Após breve descanso e beliscada dum pão-de-queijo comecei a descer do lugar, de preferencia por outro caminho. Avaliando ali mesmo do alto reparei q havia possibilidade de sair pelo contraforte oeste do morro, pois uma lombada descia suave, acompanhando um evidente reflorestamento, pro norte. Não tinha erro, bastava seguir pelo pasto ralo ou por alguns carreiros bem evidentes no trajeto, pra espanto dum gavião q deve ter me julgado intruso do seu pedaço. E assim foi, inicialmente margeando um cerca pra depois abandoná-la em prol duma crista mais amigável, esta sim agora tocando em definitivo pra oeste. A descida transcorreu tranquila pelo pasto ou pelo carreiro, onde de um lado tinha um reflorestamento e do outro um fundo e verdejante vale com mata remanescente. Alguns trechos mais íngremes demandaram atenção redobrada, não pela declividade em si mas pelo chão liso ou esfarelando q minúsculas pedrinhas q facilitavam qq tombo.
Uma vez na base tomei sentido sul, pois conforme descia “recalibrei” a rota visualmente, na hora, indo de encontro á uma via asfaltada mais próxima. Só não sabia q chegar até lá seria bem mais complicado q a subida. Menos pisado e já numa baixada de vale, é preciso saber navegar artesanalmente aqui por conta da profusão de veredas q surgem de tds os lados. Isto se deve a que o lugar é tomado por motoqueiros q fazem uso do último trecho da “Trilha do Oleoduto”, já no seu setor sul. Mas tendo sempre como refeêencia as torres de alta tensão, bastou acompanhar as corredeiras (infelizmente sujas) do Córrego Garcia, q mais adiante passa a se chamar Cabuçu.
Mas logo somos obrigados a cruzar o córrego, assim como um aceiro dos dutos (enterrados) de distribuição da Petrobrás, pra somente então ai deixar em definitivo aquele belo recanto de morros, mato e até balneários fluviais. A vereda me largou as margens da Estrada do Paiol Velho, onde foi so bordejar todo perímetro do enorme Colégio Mackenzie Tamboré durante um tempão, em meio as muralhas de “feudos” do Residencial Alphaville e Tamboré. Uma vizinhança beeem diferente da do Pq Imperial, diga-se de passagem. Dali foi só tocar por sul, tomando a Av. Piracema até o final, sem gdes problemas de orientação. Creio q pisei no centrão de Carapicuiba pouco antes das 14hr, ainda a tempo de tomar uma gelada antes de embarcar no trem de volta pra casa.
O Morro do Jaraguá-Mirim é um morrote urbano, simples e tranquilo, quinem o Saboó (em São Roque), mas é bem diferenciado. Desnecessário dizer q é possível acessar o morro no sentido inverso ao deste relato, além de haver condução que deixa próxima dos seus ptos extremos. Eu apenas segui esta cartilha pelo desconhecimento da rota e por desejar esticar o rolê no intuito de bisbilhotar mais de perto seus arredores, bairros que até então desconhecia. Mas claro que pra este tipo de pernada (digamos, mais antropológica) é preciso se despir de preconceitos e simplesmente ir lá, ver, presenciar, sentir, experimentar. Da mesma forma que se faz quando se está em La Paz. E uma vez lá do alto do morro, quem sabe, tentar entender um pouco mais a nossa cidade, no caso, a maior Metrópole da América do Sul.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

2 Comentários

  1. Antonio Araújo em

    Moro em Barueri nunca tinha ouvido falar sobre este local, e vendo uma reportagem sobre a inauguração do centro comunitário Jaraguá- mirim foi buscar maiores informações, ai me deparei com este relato interessante sobre este morro. A descrição trás a nossa mente a experiência do autor, e um desejo de percorrer as mesma trilhas e caminhos. Parabéns ao autor por nos mostrar o que de bonito há em São Paulo e arredores, tbm por descrever com tamanha perspicácia as mazelas e descaso do poder público há uma população que só quer ter um local morar!

  2. Boa dia. Realmente deve ser lindo este morro. Tenho o prazer de morar em um dos condomínios do Tamboré. A região é bem bonita mesmo. Estou aqui escrevendo, porque me senti desconfortável com as menções pejorativas com relação aos moradores do bairro. Venho de uma família de classe baixa e média baixa, que está lutando há 3 gerações , pra que tivéssemos uma vida melhor. Este trabalho envolveu muito esforço , estudo e dedicação integral. Sou o primeiro fruto, que pode morar aqui. E trabalho muito para manter este privilégio. Gostaria que todos pudessem ter o mesmo que eu tenho. Mas não sou do feudo. Nem a maioria que mora aqui. Na verdade, as histórias de vida que escuto por aqui, são parecidas com a que eu tenho. Que tenhamos um País aonde cada um tenha real opção de crescer. É que tomemos a consciência de que não é fácil .

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