O Professor: Chris Uhl e a Criação do Imazon

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Sabemos que a floresta amazônica é a maior formação tropical do mundo, com 5.5 milhões de km², distribuídos por nove nações, das quais naturalmente a nossa contribui com sua maior parte. Ela representa a metade do total de todas as florestas tropicais –  a segunda maior sendo a do Congo, com menos de 2 milhões de km². Para você ter uma noção, não há na América do Sul ou na África nenhum país com esta área e, na Europa e na Ásia, só a Rússia e a China a excedem.

Mas, ao escrever esta coluna, nunca tinha imaginado que existe outra floresta muito maior do que a nossa. É a taiga ou floresta boreal, que se estende na região subártica ao sul da tundra, desde o Alasca e o Canadá até a Escandinávia e a Sibéria. Coberta por coníferas como abetos, faias e bétulas, é o maior bioma do mundo, com inacreditáveis 25 milhões de km².

Porém a floresta amazônica tem uma importância capital para o planeta, que supera a da taiga. Você sabe que a fotossíntese absorve o gás carbônico e libera o oxigênio. Mais fundamental do que o gás liberado é o carbono retido – de outra forma, ele aceleraria o efeito estufa, com impacto danoso no clima.

A exuberância da floresta amazônica (Fonte – Divulgação).

Além disto, a transpiração das árvores libera volumes imensos de água como vapor, que percorre a atmosfera sob a forma de rios voadores. Estes cursos alados tornam úmido todo o interior do Brasil, bem como o de outros países vizinhos. Nem é preciso lembrar a importância ecológica, energética e econômica deste processo.

A vegetação amazônica funciona como uma barreira contra incêndios e como um nutriente para toda a vida à sua volta. Além de abrigar populações indígenas, é fonte de produtos naturais, de uso alimentício e medicinal. O Brasil é o país mais biodiverso do mundo e a floresta amazônica é, de todas, nossa região com a maior biodiversidade.

Preservá-la contribui para estabilizar outros ecossistemas, como o dos corais que se estendem da foz do Rio Amazonas até o Caribe; o Pantanal, no qual interfere na porção norte; a Mata Atlântica e o Cerrado, pela influência na umidade e temperatura; e até mesmo o Atlântico, pois o Amazonas responde por um quinto de toda água doce levada aos oceanos.

Acredita-se que, até a década de 1960, a Amazônia tenha se mantido íntegra. Mesmo até 1970, o desmatamento não passava de 1% da área. Mas as políticas de desenvolvimento e integração do Governo acarretaram um avanço sobre o interior verde do país. Foram criados incentivos para que nossa fronteira fosse ocupada – é inacreditável pensar que o Governo garantia a posse da terra para quem queimasse metade dela.

Sob lemas como Integrar para não Entregar e Amazônia: terra sem homens para homens sem terra, começou o assalto à nossa natureza. Nos vinte anos desde os fins da década de 1970, o ritmo de desmatamento foi de quase 20 mil km² por ano; na atual década caiu de forma aproximada para 6 mil km² anuais.

Evolução do desmatamento na Amazônia. A área devastada ao longo de 45 anos equivale a duas Alemanhas.

Você sabe o que isto representa? Que foi perdido o equivalente ao triplo da área de todos os Parques Nacionais brasileiros. Ou de 20% de toda a floresta amazônica. Como sempre, existem projeções horrorosas para o futuro. Por exemplo, destruição de 65% da floresta em meio século ou redução desta para meros 5% antes do fim deste século – vale dizer, transformar esse enorme mundo verde numa gigantesca savana árida.

Veja que o desmatamento equivale a rodar o filme ao contrário: liberação de gás carbônico pelas queimadas e pelo metabolismo do gado; queda da evaporação de umidade e consequente mudança do clima para quente e seco; perda da biodiversidade e empobrecimento da vida; diminuição dos caudais dos rios e acidificação dos mares.

Uma das piores histórias de devastação do Brasil aconteceu em Paragominas, um município cujo nome reflete as três principais origens de seus colonizadores. Estendendo-se no leste do Pará por um longo retângulo do tamanho de Sergipe, Paragominas cresceu a partir dos incentivos do Governo Federal para colonizar o norte, quando da implantação da Belém-Brasília. Enquanto escrevo, esta rodovia de 2 mil km não está até hoje concluída.

Foto da construção da Rodovia Belém-Brasília (Fonte – olhonaweb).

A partir da década de 1960 a floresta foi sendo derrubada para a extração de madeira e a formação de pastagens. Uma vez removidas as árvores, a exploração itinerante continuava a avançar, à busca de espécies valiosas como mogno e cedro. A pecuária mostrou-se também itinerante, devido à degradação das pastagens em solos pobres. Este modelo de produção é antigo e se esparrama para os lados, deixando enormes áreas abandonadas, como comenta o Greenpeace.

Até o fim da década de 1990, os céus de Paragominas e os pulmões de seus habitantes eram sufocados pela fumaça das queimadas. Era a maior concentração mundial de serrarias – das 400 que foram contadas, a maioria era ilegal. Aventureiros depredavam as matas e invadiam as terras, usurpadores eliminavam os posseiros e expulsavam os colonos.

Era uma cidade do crime, conhecida como Paragobalas. Em 2008, foi incluída na lista negra do Governo como um dos municípios de maior índice de desmatamento do país. Houve restrição ao crédito e à comercialização da madeira – as serrarias fecharam, o desemprego disparou e a cidade faliu. Você logo verá o que ocorreu em seguida.

Nos fins da década de 1980 o norte-americano Christopher Uhl chegou a Belém com o objetivo de fundar uma ONG que pudesse medir o desmatamento da região. Formado em ecologia de regeneração florestal, tinha obtido um financiamento para esta empreitada. Ele levou os dois jovens que tinha acabado de recrutar exatamente para Paragominas.

Foto de Chris Uhl para curso na Universidade da Pensilvânia (Fonte – Divulgação).

Ideias e perguntas são baratas, não economizem, dizia.  E começaram a investigar a dinâmica do desmatamento. Tiveram a luminosa ideia de tentar operar uma extração sustentável de madeira e conseguiram 250 hectares de ninguém menos do que uma serraria.

Em metade da área fizeram uma derrubada planejada e seletiva, deixando depois a floresta afetada descansar; na outra, extraíram a madeira da forma indiscriminada usual. E o estudo concluiu que o plano de manejo seria vantajoso para as madeireiras.  Hoje existem 6 milhões de hectares de floresta estão sob manejo sustentável.

O êxito deste plano divulgou a existência do Imazon, o instituto criado pela ONG.  A partir daí Uhl formou uma equipe de pesquisadores minuciosos, objetivos e concisos. Convenceu seus jovens colaboradores a se envolverem por meio da pesquisa, não do ativismo. Com grande afinco, Uhl implantou uma prática de estruturar o pensamento em torno de problemas, e não mais de disciplinas.

Seus discípulos se tornaram, à custa de um treinamento metódico e exaustivo, um grupo de analistas capazes de produzir um monitoramento mensal confiável sobre o desmatamento amazônico, de publicar uma série de estudos relevantes e de assessorar a criação de extensas áreas de proteção ambiental nesta região.

Imagem de Desmatamento na Amazônia (Fonte Divulgação).

E, quando o Imazon já era uma organização estabelecida e respeitada, resolveu deixá-la em 1996, oito anos depois do seu começo. Desde 2000, nunca mais voltou ao Brasil.

E o que aconteceu a Paragominas, depois daquele trágico ano de 2008? A pedido do prefeito, o Imazon fez um projeto para resgatar o município. Existem hoje apenas doze serrarias em operação, todas legalizadas. O manejo sustentável foi implantado e a floresta se regenerou. O desmatamento recuou para um quinto de antes.

O novo prefeito conquistou o certificado de Município Verde, implantou um polo industrial à base de madeira certificada, atraiu novas indústrias e construiu uma série de melhorias na cidade. Urbanizada e limpa, sem pedintes nas ruas, Paragominas é a cidade com a melhor rede escolar do norte do país e ostenta um índice de analfabetismo zero, conta a reportagem de Heitor e Sílvia Reali.

Rebecca Moore é uma cientista do Google, a quem era permitido dedicar um dia por semana a seus projetos pessoais. Neles, ela se interessava pela aplicação ambiental de suas ferramentas. Abordada um dia em 2008 por um técnico do Imazon, foi-lhe proposto usar a formidável capacidade computacional do Google para medir em tempo real o desmatamento na Amazônia.

Rebecca topou o desafio. Junto com o Imazon, começou a desenvolver o Earth Engine, que foi lançado em 2012. A partir de então, passou a ser possível emitir alertas de desmatamento a tempo real, usando a rede de milhares de servidores na nuvem do Google. A Amazônia passou a ser a única floresta tropical do mundo a ser monitorada mensalmente por satélite. O Imazon deverá rastrear todos os nossos biomas, do Cerrado à Mata Atlântica, bem como outras florestas tropicais do mundo.

O relatório sobre o SAD – sistema de desmatamento da Amazônia do Imazon de setembro de 2018.

E o que ocorreu a Chris Uhl depois de deixar o Brasil? Bernardo Esteves, que o entrevistou, conta que ele dá aulas na Universidade da Pensilvânia, estado norte-americano onde nasceu. Parou um ano de trabalhar, casou-se de novo, teve uma filha e reeditou seu livro de doze anos antes. Depois disso, desinteressou-se pela ciência e motivou-se cada vez mais pelo ensino.

A universidade permitiu-lhe formatar cursos extravagantes, mas não lhe deu nenhum aumento nos últimos quinze anos. Isto não o abalou – é um homem frugal, que planta sua horta, viaja pouco e anda de bicicleta, uma pessoa modesta e generosa.  Seu ensino é voltado tanto para o conhecimento como para a atitude, através de estudos de campo.

Hoje sua visão da ecologia é pessimista, pois acredita que estamos apenas fazendo pequenos ajustes ao invés de mudar a maneira de pensar o meio ambiente. Natureza é fonte de saúde e de afeto, ele diz. Ele comenta que as pessoas não podem continuar a achar que as bananas vêm da prateleira dos mercados.

Chris Uhl no seu impecável escritório na Universidade da Pensilvânia (Fonte – Divulgação).

Eu ensino quem eu sou. Como isto poderia ser realmente diferente? Claro que isto coloca a questão de quem eu sou. Minha resposta: como meus alunos, sou uma exclusiva e misteriosa manifestação de um universo maravilhoso. O que significa que, assim como o universo, eu estou a cada dia me tornando eu mesmo, é assim que Chris Uhl apresenta o seu curso de Ecologia.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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