O Salto do Cebolão

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Inaugurada no inicio dos anos 50, a usina hidrelétrica de Astorga nascia pra atender as necessidades dos municípios próximos daquela pacata cidade, situada a 65kms de Londrina (PR). O tempo então passou, o desenvolvimento chegou e a usina entrou em desuso, caindo no esquecimento. Entretanto, o salto que impulsionava suas turbinas – oriundo das águas represadas do Córrego do Cebolão – pode não gerar mais a energia de outrora mas ainda é grande atrativo natureba aos moradores locais. E foi então os 60m de altura desta bela queda que atende pelo nome de Salto do Cebolão que fomos conhecer num dia tão quente quanto puxado. Um rolê que resgata a história daquele rincão do Terceiro Planalto Parananense que emendou estrada de chão, trilha e escalaminhada, mas que foi recompensado com altos visus do Vale do Pirapó e um refrescante tchibum.

O veículo rasgava a BR-369 enquanto conversávamos futilidades envoltos pela paisagem monocromática recorrente de plantios a nossa volta. No carro estava eu, a Lau e a motora Elenice, mais uma vez dispostos a encontrar mais uma cachu enfiada num vale situada num cafundó do quadrante oeste de Arapongas. Estudando previamente sua localização mediante imagem aérea, tracejei uma rota de modo a chegar o mais perto possível de carro pelo norte, uma vez que a galera de Maringá costuma chegar na queda através de Marialva, pelo sul.

Assim sendo, após sair de Londrina passamos batido por Cambé e Rolândia, rumo sudoeste, mas chegando na entrada de Arapongas tomamos a PR-444 que contornou o perímetro urbano da cidade e desviou bruscamente pra noroeste, caindo de vez na PR-218. Uma vez nela não tem muito erro, pois basta bordejar a pacata Sabáudia, sempre acompanhando a sinalização sentido Astorga, cidadezinha nascida a partir da colonização promovida pela Cia Melhoramentos do Norte do Paraná.

No entanto, a gente nem chega a entrar em Astorga pois logo abandonamos o asfalto em prol duma boa estrada de chão avermelhada que sai pela esquerda, por volta do km 47. E tome poeira interminável numa linha praticamente reta, sempre na direção sudoeste. Do horizonte plano e monocromático a nossa frente só destoava a verticalidade alva da urbe de Maringá e Apucarana, pequeninas a oeste e leste, respectivamente. Além, claro, da verdejante mata da RPPN Recanto das Nascentes, a meio caminho.

Rio Pirapó

Após quase 10km de poeira e sacolejo, ao perceber a proximidade do vale do Rio Pirapó alerto as meninas que é preciso buscar algum lugar pra deixar o veículo, a exatas 11hrs. Aqui as fazendas estão todas muito distantes entre si, e por este motivo optamos por acomodar o carro atrás do salão comunitário da Igreja Santa Clara. Aliás, boa parte daquela região das redondezas pertence de fato a uma tal de Faz. Sta Clara, pelo que soube posteriormente, e que pertence a um ex-prefeito de Astorga.

Arrumamos as mochilas, ajeitamos as botas e lá pusemo-nos a andar, prosseguindo pela estrada de terra, vale abaixo. E lá vamos nós, descendo suavemente pela via de chão, sentido sul, sob o olhar curioso dos boizinhos que pastam nas colinas, ao longe. Mas após cerca de 15min nesse ritmo e antes de cruzar a ponte de concreto sobre o largo e manso Rio Pirapó, deixamos a estrada por outra menor que nasce pela direita, tocando pra oeste.

Visivelmente em propriedade particular (fato corroborado por várias placas), cruzamos uma vasta plantação de feijão durante um bom tempo, indo de encontro numa matinha alocada nas encostas duma abaulada colina. Uma vez na beirada da mesma bastou procurar, procurar e pronto. Achei um cercado que foi só cruzar (encolhendo a barriga!) que me deparei com uma precária trilha que se pirulitava floresta adentro, sentido o miolo daquele vale transversal.

Na trilha

E lá fomos nós, naquela simplória vereda de chão que mostrou-se ser na verdade uma antiga estrada a muito desativada. O corte vertical na encosta que bordejávamos e vestígios de antigo calçamento envernizavam essa suposição. O caminho perdia altitude de forma imperceptível no mesmo tempo em que se aproximava dum ruidoso som de muita água despencando nalgum canto. O caminho, como foi dito, estava repleto de mato tombado, fossem voçorocas de taquarinhas ou bambuzinhos, mas por sorte de fácil transposição. Na verdade, desvios bem rústicos que apenas contornavam tais obstáculos.

Dessa forma avançamos cerca de um km mato adentro, naquele ritmo bem desimpedido, desviando ligeiramente pro norte. Foi aí que caímos na margem dum simpático ribeirão, que deduzi ser o tão falado Cebolão. O ruído aumentou e lá estava ela, bem próxima, o Salto do Cebolão! E assim, após bordejar o rio por uma estreita picada, escalaminhar uns rochedos de fácil acesso e ladear mais um tanto daquela íngreme encosta, finalmente desembocamos a margem das pedras no sopé daquela grande cachoeira. Um enorme véu dágua despencava de mais de 50m do alto dum enorme paredão, pra depois cair num piscinão de águas turvas, onde as águas represadas depois prosseguiam seu curso sinuoso pela floresta pra desaguar no Rio Pirapó, algumas centenas de metros depois. Do lado da queda se destaca um enorme tubo de concreto armado, que servia pra canalizar a água do Cebolão em direção as turbinas da outrora casa de máquinas, da qual ainda existem vestígios entre as pedras na base da queda. São enormes pedaços de concreto, manivelas e dutos de ferro que se amontoam em meio as lajotas úmidas, que brilham ao borrifo constante daquela bela queda.

Vestígio de antigo calçamento

Era pouco mais de meio-dia e jogamos as mochilas nas pedras e ficamos ali de boa, curtindo aquele paraíso reservado apenas pra gente, com direito a tchibum no piscinão no sopé da queda. E pensar que aquela bela queda, com vazão de 700L por segundo, gerou energia e desenvolvimento pros municípios das redondezas. Eu bem que procurei, mas dada a alta declividade do paredão da cachu não achei nenhum acesso ao alto por ali, sinal que pra atingir a parte alta teríamos que dar a volta no vale e contornar a florestinha pela encosta da colina. Mas não havia pressa alguma pra isso, pois ficamos ali mais um tantão apenas descansando, beliscando nosso lanche e contemplando aquele pelo espetáculo da natureza.

Cruzando pasto

Pouco depois das 13hr resolvemos partir pra conhecer a parte superior da queda, e retomamos o caminho da ida no sentido contrário. Uma vez no inicio da picada, começamos então a subir a colina que abriga a queda, porém bordejando a espessa mata que cerca. Ganhando lentamente altitude através do pasto, as vistas a nossas costas se ampliaram consideravelmente, exibindo toda extensão do quadrante sul.

Caminho bem sussi

Uma vez no alto da colina, cortamos a campina rala em meio a uma vegetação totalmente distinta daquela que permeia o fundo de vale. Árida e ressequida, as lajotas daquela cumieira são permeadas de cactos e bromélias adaptadas á baixa umidade, num trajeto permeado de cupinzeiros. Cruzamos então um foco de mata por um trilho bem definido até então cair nos limites duma enorme plantação de soja, onde havia outro caminho bem batido que ia na direção desejada.

Sempre tocando pro norte e contornando a espessa floresta, cruzamos um trecho mais aberto até dar finalmente na margem do espelho dágua do represamento artificial do Ribeirão Cebolão. Vestígios dum trilho bordejam o mesmo indo de encontro ao alto do paredão que figura como a barragem da usina. Palmilhando sem dificuldade o alto da mesma chega-se ao seu extremo norte, onde a linda vista emoldurada privilegia o comecinho da linda queda e uma parte do vale do Cebolão.

Represamento do Ribeirão Cebolão

A partir dali, pra avançar mais é preciso transpôr um trecho mais estreito da barragem cercado de arame farpado, que demanda algum traquejo maior de engatinhada. Uma vez na margem direita da queda basta se enfiar na mata, de fácil transposição apesar de um ou outro cipozinho ou arranha-gato, até encontrar vestígios duma precária vereda que vai de encontro da plataforma no alto do cano de concreto armado. Sim, aquele que tá bem ao lado da queda. A vista do alto é tão impressionante quanto vertiginosa, obrigando a gente a se debruçar na sua base pra poder apreciar toda aquela bela paisagem com segurança. A plataforma, que tem 1 m de largura e sem nenhum apoio lateral, serve perfeitamente de mirante. Ali do alto se tem uma panorâmica total tanto de todo vale da água do Cebolão como do vale do Pirapó, ao fundo. Pausa pra fotos, muitas.

Muitas piscininhas

Salto do Cebolão

Panorâmica

Queda vista do alto

Visu do mirante

Ficamos ali no alto, tanto no mirante do cano concretado como descansando sobre a mureta da barragem, durante um tempão. O incrível é que durante toda nossa estadia não trombamos com ninguém. Ou seja, éramos donos absolutos daquele paraíso natureba particular. O forte sol até lá dava uma trégua com uma camada espessa de nuvens alvas cobrindo parcialmente o firmamento, porém sem dar indícios de precipitação. Apesar disso, o mormaço na atmosfera perdurava firme e forte, como no inicio do dia.

Ficamos ali curtindo o alto da queda um tempão, mas quando deu pouco antes das 16hr julgamos prudente retornar. Dando ás costas aquele belo balneário natureba retomamos a chinelada de volta, porém por outro caminho. Não desejava voltar tudo novamente, tipo perder altitude pra depois subir toda serra novamente. Ao invés disso e vendo que o terreno era todo descampado, composto basicamente por plantios baixos, resolvi cortar caminho sem perder desnível nenhum, tocando sempre na direção sudeste.

Dito e feito, nesse ritmo compassado acabamos caindo na estrada de chão pela qual tínhamos vindo. Perfeito. Não bastasse, na volta fizemos uma oportuna parada sob a sombra dum pé-de-manga recheado do suculento fruto, onde faltou braços pra gente carregar as sacolas que conseguimos encher com as ditas cujas. Dali pro carro foi um piscar de olhos, e pra Londrina foi outro tanto, mas não sem antes passar num boteco afim de celebrar aquele rolezinho tão refrescante quanto despretensioso.

O Salto do Cebolão é conhecido por diversos outros nomes, o que pode gerar alguma confusão. Ele também é conhecido como Véu da Noiva ou Cachoeira de Astorga, mas resolvi adotar o nome do título deste relato por ser a denominação mais precisa que encontrei, além de ser aquela que consta oficialmente nos registros históricos da represa e na carta topográfica da região. Independente de nomenclatura, o Salto do Cebolão continua lá afim de receber andarilhos decididos, que além de desfrutar de suas lindas belezas naturais estarão presenciando um pouco da história da região. Afinal, a usina hidrelétrica banhada pela queda já forneceu energia pra Astorga e arredores no passado. Hoje, desativada, ela apenas é um belo registro do quanto as riquezas naturais do Terceiro Planalto contribuíram pro desenvolvimento. E que por isso mesmo, cuja memória deve ser preservada.

 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

4 Comentários

  1. É muito bom ler esse texto, descrevendo a cachoeira sob uma perspectiva diferente e inédita pra mim! Eu passei minha infância toda nesse lugar, a fazenda Santa Clara pertencia a meu falecido avô.. nunca sequer ouvi dizer que se chamava Cebolão, rsrsrs.. mas tenho inúmeras histórias da “barragem” (como nossa família costumava chamar o local)! As fotos me emocionam.. trazem boas lembranças.. há muito tempo guardadas apenas na memória!

  2. Minha FAmília (Sella) e outros astorguenses faziam churrasco na mata, do outro lado da barragem. Tinha uma escadaria para se descer até casa das máquinas..Lembro do famoso verso a respeito da usina: “Tudo muda,a tuda passa, neste mundo de ilusão. Chove em todo canto,menos na usina do Cebolão”. Na seca do rio o fornecimento de energia elétrica era precário e as luzes dos postos pouco iluminavam. Saudades de minha infância.

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