Morro da Pedra Branca: Face Norte

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Quem trafega pela “Rodovia do Café” (BR-376) entre os municípios norte paranaenses de Mauá da Serra e Ortigueira, não deixa de se encantar com aquela elevação imponente que se destaca na paisagem. Coroado por antenas que também lhe emprestam um segundo nome, o Morro da Pedra Branca é um dos grandes atrativos naturais de Ortigueira que, detentor de um lindo mirante natural situado no alto dos 1300m de altitude, permite uma privilegiada panorâmica de toda região. Com acesso facilitado (até pra veículos) por um breve caminho que nasce do asfalto, a ideia de chegar no cume de forma mais rústica era algo que pairava na minha mente toda vez que circulava pela rodovia. Pois bem, a ideia finalmente saiu do papel e foi levada á cabo neste último verão. Este é o relato fiel desse perrenguinho de um dia bem cheio que alcançou o alto desse maciço desgarrado e respeitável da Serra do Cadeado pelo seu íngreme contraforte norte.

Rumo a Pedra Branca

A manhã parecia promissora enquanto o carro rasgava o asfalto da BR-376 no início daquele dia. Saímos cedo de Londrina e num piscar de olhos a horizontalidade da paisagem, composta de plantios e cultivos, dava lugar ao terreno escarpado da Serra do Cadeado. No interior do veículo eu e a Lau íamos a convite da Tania e do Jair, que além de motora também partilhava do mesmo anseio meu, isto é, chegar no alto do morro de outra forma que não fosse a oficial. Sim, ele já tinha alentado um possível trajeto pelo norte, enquanto eu apenas me limitara a dar uma olhada imagens aéreas do lugar de forma bem superficial, topando sem pestanejar o estudo prévio do meu amigo. Mas era aquela coisa: imagens aéreas eventualmente enganam e escondem surpresas que só se descobre “in loco”. Independente disso, o mero alinhamento de interesses já era meio caminho andado. O resto seria apenas tempero pro que viria a seguir.

Cachuzinha do Rio Preto

Não demorou pro tal Morro das Antenas surgir á nossa frente com toda sua imponência, emoldurado pela janela do carro, ao longe. A bruma matinal mal se dispara concentrando-se no fundo dos vales, deixando a mostra apenas o alto do morro feito uma ilha. “Olha lá ele! A previsão é que esquente mais tarde e tudo isso aí se disperse no decorrer do período!”, pensei comigo mesmo, desafiando a previsão meteorológica praquele dia que alardeava mudança de tempo pela tarde.

Cruzando plantios de soja

Abandonamos a rodovia e após breve trecho de chão finalmente chegamos na Faz. Santa Maria, atual Pousada Águas Claras, onde fomos recebidos pela simpática Gisele. O lugar é um charme e digno representante do chamado turismo rural, ideal pra família passar um final de semana diferenciado perto do mato. Pois bem, após breve prosa embalada com goles de café e pão-de-queijo fresquinho, arrumamos as mochilas pra finalmente colocar pé na trilha! A ansiedade tomava conta de todos, ainda mais quando dali contemplávamos claramente nosso destino elevando-se ao sul com todo seu esplendor, com brumas indo e vindo por sua cumieira.
Começamos nossa chinelada pontualmente as 10:30hr tocando pro sul por um precário caminho por um pasto salpicado por araucárias, deixando os limites da fazenda pra trás. Não demorou e caímos no primeiro vale do trajeto, ás margens do cristalino Rio Preto, por sinal divisa natural entre Mauá da Serra com Ortigueira, que ali despencava numa bonita queda formando uma convidativa piscina natureba cercada de reluzente lajeado. Ah, um lugar perfeito pra se refrescar e lagartixar depois de um árduo rolê. Não era o caso, infelizmente. Esta aí mais um motivo pra retornar aqui com a família curtir a pousada da Gisele.

Quase no pé do paredão.

Saltando pedras ou chapinhando pela água cruzamos á outra margem do rio, agora subindo uma larga piramba de terra que nos deixou no alto da colina seguinte, forrada por intermináveis plantios de soja. Dali azimutamos pro sul e tocamos sempre naquela direção, cortando cultivos, até pisar novamente noutra precária estrada de chão que bastou acompanhar, pois ia na direção desejada. Este trecho nos ajudou muito pois avançamos bem enquanto o maciço da Pedra Branca, agora totalmente isenta de nuvens, dominava cada vez mais o quadrante a nossa frente, cada vez mais próximo. Não sei porque, mas de onde estávamos sua silhueta me lembrou muito a da Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí (SP), guardadas as devidas proporções, claro!
Mas como tudo que é bom dura pouco, a bendita estrada mudou de direção nos obrigando a abandoná-la e seguir novamente pelo campo de soja da vez, descendo suavemente até o vale seguinte. Cruzamos sem dificuldade um foco de mata onde corria um pequeno afluente do Rio Preto e dali retomamos o mesmo processo anterior, isto é, subir pela soja até dar noutro precário carreiro. Sempre navegando visualmente, bastou seguir esse carreiro apenas o necessário pra ele contornar a espessa mata seguinte, a sudoeste. Mas quando ele mudou de rota o abandonamos em prol de outra precária vereda que ia sim na direção desejada, ou seja, sudeste.
Cada vez mais próximos da base do morro almejado, nossa rota perdeu um tanto altitude pra depois subir tudo de uma vez, e bem forte. Foi aí onde nos separamos uns dos outros, cada um respeitando seus limites. Mas eis que o caminho sumiu de vez e então nos vimos ganhando a suave encosta de capim ralo do sopé da serra, desviando de focos de vegetação mais agreste. Apesar da declividade aqui cobrar seu tributo físico, o fôlego era facilmente retomado só de admirar os íngremes paredões verticalizados do morro, quase ao “alcance” de nossas mãos. Mas firmes e fortes ganhamos um bom desnível pois bisbilhotando por sobre o ombro era possível avistar todo trajeto feito até ali desde a fazenda.
Pois bem, chegamos então num trecho mais empinado próximo da base do perau, onde o pasto da encosta fazia divisa com a vegetação mais espessa e fechada. Ali ficamos no impasse de seguir pro sul (e cair no caminho oficial do morro) ou encarar os grotões repletos de mato, a leste, acompanhando a base do desfiladeiro. Enquanto as meninas descansavam e beliscavam alguma coisa empoleiradas num enorme rochedo, eu e o Jair discutíamos o melhor trajeto pra dar continuidade ao rolê. Sim, terminamos optando pela segunda opção. Fiz o sinal da cruz e lá fomos nós.

Escala mato

Mergulhamos então no frescor da mata fechada e fomos então ganhando terreno, sempre tocando pra oeste e acompanhando a base do perau, desviando da vegetação espinhenta e escalaminhando enormes blocos de pedra. Contudo, mesmo com o Jair limpando com facão a rota na frente, reparei que nosso avanço era lento demais por conta dos obstáculos do trajeto. Sim, tive receio de ter de retornar tudo aquilo noite adentro. Não que fosse problema pra mim, mas a questão era que estávamos com as meninas e isso fazia toda diferença. Não havia necessidade de expô-las a riscos e desgaste desnecessários, pois é sabido que á noite a chance de acidentes é tremendamente maior. Sendo assim, a ideia original de subir o morro pedra e voltar pelo mesmo caminho mostrou-se inviável naquelas condições. O celular cravava além das 14hrs, horário avançado demais pra seguir o plano inicial. O jeito foi chegar num consenso e seguir em frente porém sem se preocupar com a volta, ou seja, chegar no alto e tentar carona pra retornar. Aí sim!

Grotão no caminho

Lentamente ganhamos altitude até que, após nos pirulitar por uma estreita canaleta onde havia sinais de mamíferos de pequeno porte, emergimos da mata fechada num segundo patamar levemente inclinado. Reparamos que subíamos a lateral do paredão em largos ziguezagues, e pra isso fomos nos firmando no bambuzal em volta ou simplesmente galgando os degraus rochoso do trajeto. Durante o trajeto, parei num rochedo mais proeminente daquela muralha alaranjada de arenito pra fotografar o belo visual descortinado. Ali constatei não apenas a altura vencida até então como avistei um medonho negrume avizinhando-se do morro, ao norte. Sim, a medonha previsão meteorológica parece que acertava desta vez. Paciência.
Dito e feito, bastou emergir da beirada do paredão e pisar um terreno coberto dum chaparral de samambaias que os primeiros pingos começaram a cair sobre a gente. A chuva torrencial veio logo a seguir, nos forçando a vestir anorakes (que eu esquecera, infelizmente) pra só depois dar continuidade ao vara-mato em direção a cumieira propriamente dita. E sempre com o bravo Jair empunhando seu facão na dianteira, abrindo caminho pra todo mundo. E assim foi por um tempo razoável, pelo menos até aquele aguaceiro de verão passar, pra só então retomar a subida gradual de lajota em lajota, mais fácil e menos exposta. Desnecessário dizer que este que vos agora escreve tava ensopado da cabeça aos pés. Nem a cueca tinha passado incólume. Pelo menos o ato de avançar naquele terreno empinado conseguia me manter relativamente aquecido.

Ganhando altitude

Rasgando samambaial sem fim.

Finalmentes da subida.

Pois bem, depois de andar mais um pouco e ganhar tanto altitude quanto terreno, eis que emergimos na suposta cumieira da serra, por volta de exatas 16hrs!!! Entretanto, foi ai que percebemos nosso breve desvio de rota pois nossa localização mesma era o cume do empinado dorso rochoso que antecede o topo do Morro das Antenas, na verdade, um segundo cume cuja altitude não difere muito do principal. Pausa pra fotos, claro! Dali tinhamos uma magnífica panorâmica daquele majestuoso monolito rochoso, das antenas e da vastidão do Terceiro Planalto Parananense permeada de brumas aqui e acolá! Apesar do desvio de rota, a missão estava concluída pois querendo ou não estávamos no topo daquela serra e não havia mais o que subir! A menos que descêssemos ao caminho oficial e completássemos o breve trajeto que nos separava do cume das antenas. Essa ideia até passou pela cabeça, mas foi imediatamente descartada quando o tempo começou a fechar novamente nos forçando a descer em definitivo. Afinal, nossa cota de chuva no coco já tinha dado sua cota e não queríamos ficar expostos ao risco real de algum raio maroto! Outro fator que apressou nossa descida foi que a iminência dessa nova tempestade fazia os poucos visitantes do lugar partir, sendo que contávamos com eles pro nosso retorno.

Visu do topo

Dali bastou então descer por uma trilha bem marcada até o selado que unia o “cume” conquistado com o cume principal, e dali descer até a rodovia pelo caminho oficial. A decisão de terminar o rolê ali revelou-se mais que acertada pois foi naquela precária estrada que tropeçamos com um grupo de jovens de Mauá da Serra disposta a dar carona pro Jair poder buscar nosso veículo. Uma vez no portão de entrada que dá acesso ao morro, não nos restou opção senão aguardar o bravo mateiro beliscando alguma coisa pra passar o tempo. Tiritando de frio por estar ainda úmido e sem roupa seca pra vestir, o jeito foi me manter em movimento constante pra ficar aquecido até nosso motora chegar. Pelo menos deu pra passar esse tempo bebericando latas de cerveja, adquiridas com o tiozinho que cobra módicos “deiz real” pra subir o morro de forma tradicional, que não foi o nosso caso. Brindando á imponente Serra do Cadeado, logo ao lado, vimos a tarde findar rapidamente enquanto o tempo enfim dava sinais de alguma melhora.

Quando o Jair chegou com o veículo encaramos enfim o longo retorno pra Pequena Londres, no exato momento em que a escuridão se debruçava lentamente sobre aquele rincão escarpado do Terceiro Planalto Paranaense. O Morro da Pedra Branca, das Antenas ou do Apucarana ficava pra trás, e os últimos vestígios de luz silhuetando seus íngremes contrafortes apenas realçavam sua majestuosidade. Cansados? Sim, mas satisfeitos pela sensação de dever cumprido. Quem sabe futuramente a gente encare o morro por outro quadrante ou algum outro programa interessante pela região, não? Afinal, a zona rural de Ortigueira está repleta de outras belezas naturais, como cachus, morros, rios, cavernas e grutas. Logo, as possibilidades são inúmeras. É o chamado Norte Pioneiro sempre me surpreendendo a cada nova visita, com um futuro promissor para o Turismo Rural, ainda inexplorado. E pro “turismo perrengueiro” também.

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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