Os Anos Atrozes e os Três Picos

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O PE dos Três Picos é a mais variada dentre as reservas naturais cariocas. Com a exuberante vegetação das encostas, as cachoeiras de águas cristalinas e os maciços de paredes lisas com incríveis formatos, ele inspira e emociona os amantes da natureza, da contemplação e da aventura.

Perímetro do PE Três Picos, RJ

O Três Picos já foi considerado uma Patagônia brasileira – pode parecer exagero, mas existem em comum as emocionantes verticalidades e os cenários espetaculares.

Pico Caledônia e Três Picos ao Fundo, Friburgo, RJ

O visual das três pedras irmãs com suas formas pontudas de um lado e a formação abaulada do Capacete de outro, silenciosas e imponentes lá em cima do vale, até parece inventado. Em especial, quando trocam de cor desde o dourado do sol da manhã, o branco da fina neblina e o prata das noites de luar.

Panorâmica do PE Três Picos, Friburgo, RJ (Foto Divulgação)

Este Parque é enorme, o maior do Estado, e continua crescendo por anexação de áreas. O Parque abriga o Pico Maior, que foi conquistado durante a Segunda Guerra pela chaminé do lado oeste e permaneceu por trinta anos como nossa maior parede de escalada, com 500m.

Curiosamente, ela foi suplantada pela via leste com graduação VI⁺ – e na mesma montanha! Também ela permaneceu por quase três décadas nossa maior via de escalada – hoje, seus 700m foram superados pelas supervias abertas a partir dos anos 2000. Mas existem a seu lado dois picos com o mesmo formato de pontões, chamados de Médio e Menor, todos os três acima de 2.200m.

Pico Maior de Friburgo, PE Três Picos, RJ

No inverno de três ou quatro anos atrás, ao chegar na primeira rampa rochosa no caminho do Pico Menor, senti dores atrozes na coluna, o que já vinha acontecendo há anos. Perguntei se meu companheiro Jorge Natureza me enxergava na neblina e ele disse que sim. Mas eu mal estou vendo você, melhor voltarmos!, disse a ele.

Pedra do Capacete, PE Três Picos, RJ (Foto WikiParques)

E assim fizemos, a dor só passou depois de muito alongamento. Foi então que concluí que devia cuidar da coluna – acabei operando no ano seguinte, com uma longa inatividade antes e depois.

Foi uma volta penosa, passei os três piores meses de minha vida depois da cirurgia. Lembro-me de enfim calçando uma bota de montanha, sem uso há quase um ano, para subir uma trilha íngreme de pouco mais de ½ h – levei 1½ hs e me senti um herói. Depois, percorri manquitolando os caminhos da Chapada dos Veadeiros – e, de novo, me achei um herói.

Por fim, no penúltimo inverno, quase no exato dia de dois anos antes, fizemos Jorge e eu o cume do Pico. Tivemos algumas dificuldades e a aventura toda nos tomou 7 horas mais alguma roupa rasgada.

Cabeça do Dragão, PE Três Picos, Friburgo, RJ

Mas desta vez não me achei um herói, apenas cumpri a promessa que me havia feito. Pois as montanhas têm esta qualidade: nós somos mais fiéis a elas do que conseguimos ser com as mulheres.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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