Os inconseqüentes do Vulcão Osorno

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Olhando uma notícia daqui do Altamontanha, me lembrei de uma aventura que vivi no famoso vulcão chileno.

Recentemente as autoridades chilenas proibiram o ascenso ao vulcão Osorno, um dos vulcões mais belos e famosos do mundo, pois ele exibe uma forma cônica perfeita e está situado numa das regiões mais turísticas e pitorescas do Chile, junto à Fiordes, lagos e outros vulcões.

A justificativa das autoridades chilenas é que muitas pessoas se aventuram sem tomar as precauções necessárias.

Se é realmente este o motivo da proibição, acho que eu já contribui com ele, pois neste vulcão vivi uma das experiências mais bizarras de minha vida na montanha.

Roteiro da Odisseia Austral

Estávamos no ano de 2000, e já era quase Abril, de forma que a maioria dos turistas já tinham ido embora para seus países. Mas eu não, pois estava viajando junto com Maximo Kausch numa odisseia que levou 6 meses por todo o cone sul.

Viajávamos sem dinheiro e de carona, sempre com o intuito de escalar uma montanha que estivesse ao nosso alcance e desde o começo, o Osorno era um de nossos destinos.

Dentre as montanhas que já havíamos escalado, estava na lista o Vulcão Villarica, situado próximo à cidade de Pucón mais ao norte. O Villarica havia sido uma das melhores experiências que havíamos passado, tanto por que ele estava em atividade, o que nos permitiu ver a lava no interior de sua cratera, como também por ter sido uma montanha muito bonita e fácil.

Como a forma dos dois vulcões é parecida, achei que o Osorno ia ser moleza como foi no Villarica, engano meu. Ao invés de encontrar neve fofa como encontrei no Villarica, no Osorno encontrei gelo escorregadio. Até ai tudo bem, o problema é que não tínhamos crampons.

O Vulcão Osorno em foto de 2000.

Pra piorar, havíamos conhecido um australiano e uma argentina e combinamos de escalar a montanha junto com eles, para “mostrar” como era “legal” escalar uma montanha. Já que eu achava que ia ser como foi no outro vulcão.

Subimos à pé a estrada que leva até uma estação de esqui que é onde começa a caminhada pra ir ao cume. Lá nos registramos com um guarda parque, que nos perguntou sobre nossos equipamentos, obviamente mentimos dizendo que tínhamos tudo.

No dia seguinte subimos os quatro, vulcão acima. Quando as coisas começaram a ficar mais inclinadas, o australiano com a argentina resolveram ficar e nos esperar. Eu e Maximo continuamos.

Usávamos uma corda atada entre a gente para “dar segurança”. Como não tínhamos crampons, éramos obrigados a seguir cavando degraus no gelo. O problema era que só tínhamos um piolet, de forma que o guia ia abrindo as escaladas, as vezes se segurando no gelo com uma mão enquanto que com a outra ia “cacetando” o gelo para fazer um novo degrau.

Foi desta maneira, depois de horas, que conseguimos, quase, chegar ao cume. Digo quase, pois o tempo todo estávamos na cola de três andinistas. Quando chegamos a cerca de 50 metros do cume (eu o pude ver), esse grupo que estava na frente já estava descendo e nos encontrou subindo.

Eles nos olharam dos pés às cabeças e perguntaram: Como vocês fizeram pra subir aqui?

Explicamos com muito orgulho nossa precária escalada e mais ainda a maneira como enrolamos o guarda parque lá embaixo. Entretanto para nosso desencanto, um dos andinistas nos falou: Então vocês mentiram lá embaixo! Preparem-se, pois terão problemas eu sou do Conaf. (Conaf é Corporación Nacional Forestal, uma espécie de IBAMA do Chile).

Fomos obrigados a descer com eles, nem tivemos a chance de ir para cume, tão próximo.

A descida foi feita de rapel usando uma estaca de gelo com uma corda longa. Rapelávamos e depois o cara da Conaf, que era o guia, descia desescalando trazendo para baixo a estaca de forma que prosseguíssemos o descenso.

Nos encontramos com o casal de amigos lá embaixo, sabendo que íamos encontrar problemas. Os três andinistas nos deixou sozinhos e foram embora num ritmo mais acelerado, sem é claro, deixar de contar ao guarda parque a infração que havíamos cometido.

Por sorte este guarda parque que havíamos enganado tinha um bom coração e não quis nos aplicar a multa que ele dizia ser devida, além disso, ele ainda tinha feito um casal de turistas de Santiago nos aguardar com uma caminhonete para que eles nos levasse dali, expulsos é claro!

Me senti um merda sendo expulso da montanha, na época escalar já era o que eu mais gostava de fazer. Achava muito injusto isso ter acontecido somente por que eu não tinha dinheiro para ter equipamentos.

O casal de Santiago nos levou até Ensenada, que é um vilarejo nos pés do vulcão. Quando ele nos deixou num posto de gasolina antes de ir embora, ele perguntou: É verdade mesmo que vocês escalaram o vulcão daquele jeito?

Apesar de ele ter nos ajudado em ser expulsos do Vulcão Osorno, ele não acreditava, mas no final falou: Parabéns!

Apesar de nada ter acontecido naquela ocasião, poderíamos ter tido um acidente grave, já que os riscos de cair eram muito grande. Entretanto eu sabia dos riscos e quis assumir. Proibir uma escalada por causa dos riscos é algo inaceitável, uma derrota para a aventura.

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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