Por que tantas mortes no Mont Blanc?

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Mont Blanc, ou Monte Bianco como é conhecido pelos italianos. Comumente conhecido como a montanha da morte. O Mont Blanc mata a cada ano tanta gente que chega a ser difícil documentar, é bem complicado encontrar online um site que determine “este é o número total de mortes até hoje”. Não encontrei. Esta é uma rápida análise da montanha e seus números assustadores que este ano fizeram o Clube Alpino Suiço repensar sobre segurança no teto dos Alpes.

O acidente deste ano colocou tudo novamente sobre a mesa. A avalanche mortal que matou 9 alpinistas experientes relembrou e deixou mais do que claro que, quando se trata de risco de avalanche, não importa a experiência do alpinista, não importa a proteção bem feita, ele será arrastado montanha abaixo, seu corpo será repartido e ficará soterrado sem vida sob metros de neve. Fato. Basta recordar de grandes nomes do alpinismo mundial que constatamos que, na maioria, eles só foram parados por avalanches. Caso contrário, continuariam suas conquistas geniais, rotas ousadas e aproximações agressivas nas encostas geladas alpinas, norte-americanas, canadenses, andes e no Hilamaia.

Não sei se as pessoas se dão conta de quantos morrem nos Alpes a cada ano, não só no Mont Blanc, mas em todos os Alpes. Vale lembrar o Inverno do Terror, entre 1950 e 1951, quando foi registrado nos Alpes um número sem precedentes de avalanches de grandes proporções, 649 de grande porte. Número de mortos só naqueles 3 meses? Nada mais nada menos que 265 alpinistas. Dá pra acreditar?

Por isso não se impressione quando ler ou ver na TV a notícia sobre 9 mortos em uma só avalanche no Mont Blanc, é normal. Não é normal morrerem nove alpinistas de uma só vez, mas no total, todo ano, duas dúzias morrem. As notícias só não chegam a ganhar proporções porque acontecem em eventos separados por semanas ou meses, mas somando o ano todo, aí sim assusta.

Em números absolutos, o Mont Blanc mata mais do que qualquer outra montanha que atrai muitos aventureiros em busca de seu cume glaciado. Infelizmente, quanto maior o número de pessoas tentando escalar o Mont Blanc, mais pessoas morrem. O aumento do número de mortes é exponencial é claro.

Outro ano mortal na montanha e em seus cumes secundários foi 2007, quando 30 pessoas morreram no total da temporada, mais um ano sangrento e um placar de goleada pra montanha, derrota pros homens.

O que acontece paralelamente é que a mídia de montanha se concentra muito nas grandes montanhas de 8000 metros do mundo, mascarando, projetando uma sombra do que acontece milhares de quilômetros a oeste dali nos Alpes. Não só nos Alpes, nos Estados Unidos e nos Andes também. Aliás, levando em consideração o número de mortes em toda a cadeia montanhosa dos Andes e suas 110 montanhas com mais de 6000 metros de altitude, pode-se observar rapidamente que o número de fatalidades aqui é infinitamente menor do que nos Alpes e no Himalaia.
Creio que isso seja mais fácil de compreender. Apesar de serem muito maiores do que as montanhas alpinas, a incidência de avalanches e glaciares aqui nos Andes é infinitamente menor. Aqui os glaciares são menores, menos presentes, derretem mais rápido, e temos o absurdo de montanhas de 6000m+ que são completamente livres de gelo ou neve, que derrete em algumas horas quando não é inverno andino. Assim, a segurança nas grandes montanhas andinas depende quase que exclusivamente de apenas de um fator importante: Uma boa Aclimatação. (por isso não perca a palestra do Max semana que vem! risos)

Claro, precisamos nos preocupar também com tempo que pode ser implacável, mas as chances de escapar de um whiteout digamos no vulcão Licancabur, uma grande montanha de 5.920 metros (ou 19.300 pés), quando comparada ao Eiger ou Monch, montanhas de 3.970 metros (ou 13.000 pés) e 4.107 metros (ou 13.475 pés) respectivamente, é muito maior. Se ver em uma situação de whiteout nos Alpes é realmente complicado. As montanhas são muito, muito mais escarpadas do que as montanhas andinas, então um passo errado pode significar cair 300, 400, 500, 1.000 metros verticais rumo à morte certa.

Lembro como se fosse ontem quando me vi em uma situação de whiteout absoluto, com visibilidade de cerca de 4 ou 5 metros no maciço do Mont Blanc. Eu não confiava no meu próprio julgamento de distância, e só encontrei o refúgio Tete Rousse (3.167 metros – 10.390 pés) que estava literalmente a 6 metros na minha frente, uma construção de 10 metros de altura, diversos quartos, vestiário, sala com lockers, graças ao meu GPS. Eu já carregava 2 quilos de neve nos ombros e costas sobre minhas 2 mochilas e 25kg de carga, e estava absolutamente sozinho. Assustador.

Os Alpes são assim, imperdoáveis, parece até um título de filme de faroeste estrelado pelo Clint Eastwood. Não é brincadeira não.

O maior vilão considerando-se os alpes tem duas cabeças, uma delas se chama “acessibilidade” e a outra se chama “condições climáticas adversas”. Coloque estes dois juntos e você terá uma verdadeira catástrofe sangrenta montanhística. É isso que acontece nos Alpes todos os anos, em especial no Mont Blanc e nos seus cumes satélites. O acesso ao Mont Blanc é incrivelmente facilitado, e muito, muito barato.

Matemática rápida:

Saindo de Paris eu peguei um ônibus até Genebra na Suíça, gastei cerca de 50 euros;
De Genebra eu peguei um ônibus até Chamonix, cidade base pra escalada do Mont Blanc e outras 3 dúzias de montanhas alpinas de 3000m+, com isso gastei mais 33 euros;
De Chamonix consegui carona com 2 catalães até Les Houches e de lá peguei o teleférico até o trem, custou 13 euros;
Lá, peguei o trem que custou mais 17 euros.
Gastei nas 3 noites que dormi nos refúgios, 2 antes e 1 depois da escalada um total de cerca de 75 euros, gasto opcional já que acampar no maciço é proibido, mas todo mundo o faz, e eu não sabia e por isso não levei minha barraca.

Soma total de gasto necessário: 113 euros (na época cerca de R$ 305,00);
Soma total de gasto do Parofes: 188 euros (na época cerca de R$ 507,00).

Bem, agora pro camarada aí entender:

Custo de uma expedição ao Everest, topo do mundo: US$ 60,000.00;
Custo só do permiso do Aconcágua de 2012, topo das Américas, na alta temporada quando as chances de cume são maiores: US$ 750 (valor aproximado para o período de dez2011 e jan2012);
Custo de permiso do Mont Blanc: R$ 0,00/ US$ 0.00

Não há permiso para escalar o Mont Blanc! Não há obrigatoriedade de guia, não há muito o que se fazer de gastos. É muito barato chegar ao teto dos Alpes, isto é fato.

Assim sendo, todo ano mais ou menos 20.000 pessoas tentam escalar a montanha, que tem dúzias, dúzias de rotas. Destas, quatro rotas são normais e até nestas é requerido conhecimento prévio de deslocamento em glaciares, identificar e evitar gretas, conhecimento de nuvens ameaçadoras, encordamento, um bom equilíbrio e disposição, já que a montanha é a 11ª do mundo em proeminência, de seus 4.810 metros de altitude, ele tem 4.695 de proeminência, é quase a montanha toda. Isso explica a minha observação ao vê-lo da estrada em junho de 2010:

“Pois bem, uma hora e quinze minutos depois, quando desci do ônibus, estava instantaneamente hipnotizado olhando pra uma paisagem himalaiana em plena França! Explico, a cidade de Chamonix fica a 1.035 metros de altitude, isso significa que muitos dos cumes que beiram ou ultrapassam 4.000 metros que podem ser vistos da cidade, representam uma muralha de montanhas cujo desnível é de 3.000 metros verticais!”

Aí eu me referia a montanhas locais vistas já de Chamonix o que realmente impressiona, mas o que eu não disse é que Genebra está a só 400 metros de altitude, saindo da cidade na estrada (a viagem de Genebra até Chamonix só tem 70kms), ainda a 500 metros de altitude eu tive a primeira visão do maciço inteiro, e o Mont Blanc é facilmente identificado. Mais matemática? Vamos lá:

Altitude da vista: 500 metros
Topo da montanha: 4.800 metros (arredondado)
Diferença à vista: 4.300 metros verticais

Dá pra entender? É literalmente, mesmo distante ainda 40kms, olhar pro Monte Branco esticando a cabeça 30° para o céu. Isso é mais do que o próprio Everest onde a diferença do Acampamento Base pro topo da montanha é de 3.500 metros, é muito mais! Fácil entender o fascínio do mundo pelo pico.

Buscando feito louco na internet encontrei um pedaço de artigo do The New York Times impressionante, um documento digitalizado que afirma que entre os anos de 1890 e 1901, ou seja, apenas 11 anos, o Clube Suíço Alpino contabilizou 303 mortes. Uma média de 27,54 mortes por ano.

As pessoas se impressionam com este ano, onde reportes dão conta de 11 mortes até agora? Que tal falarmos de 2008, um ano bem mais próximo do que a assustadora década de 1890 a 1901, quando 58 pessoas morerram e 10 desapareceram, todas exclusivamente no Mont Blanc? Isso dá um total de 68 fatalidades em só 1 ano!!!

Considere também que aproximadamente de 1990 pra cá, as mortes não só no Himalaia mas em todo destino popular pra montanhismo caíram bastante (excluindo é claro o terrível acidente que virou filme), com a evolução dos equipamentos e técnicas. Mas de nada adianta quando uma grande avalanche vem…

Proporcionalmente

Okay, vamos ao proporcional (números aproximados):

Todo ano cerca de 20.000 pessoas tentam escalar o MB, tomando como número base 30 mortes anuais no maciço, chega-se a uma taxa de mortalidade de 0,15% anual.
Todo ano cerca de 1.000 pessoas tentam escalar o Everest, tomando como número base 6 mortes por ano, chega-se a uma taxa de mortalidade de 0,6%.
Na temporada 2011/ 2012 3.500 alpinistas tentaram escalar o Aconcágua, nenhum morreu. Mesmo que o número cresça vertiginosamente todo ano, consideremos este e a média de mortes a 2 por ano, chega-se a uma taxa de mortalidade de 0,06%.

Tá vendo só? Só 0,15% do total acabam perdendo a vida no Mont Blanc todo ano. Tá esperando o que? Vai lá!

OBS1: Olhar estatísticas por proporcionalidade mascara números muito mais assustadores, fato. Não observe desta forma, observe números absolutos!
OBS2: Só as mortes registradas entre 1890 e 1911 nos Alpes superam todas já registradas no Everest desde que se começou a contabilizar.

fontes:

http://en.wikipedia.org/wiki/Winter_of_Terror
http://query.nytimes.com/mem/archive-free/pdf?_r=1&res=9A04E2D7113DEE32A25754C0A96F9C946397D6CF
http://climbing.about.com/
http://www.independent.co.uk
http://www.lonelyplanet.com
http://en.wikipedia.org/wiki/Mount_Everest

Não deixe de ler:

https://www.altamontanha.com/Colunas/2718/a-montanha-vendida

https://www.altamontanha.com/Colunas/2119/o-circo-do-aconcagua

 

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Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

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