Ano passado conheci um dos muitos ranchos norte paranaenses que descobriram sua vocação pro ecoturismo, capitalizando de forma consciente seus atrativos naturebas aos visitantes de plantão, sejam eles aventureiros ou não.
E neste Carnaval não foi diferente, uma vez que me mandei pra outra fazenda cujas porteiras estão abertas aos visitantes. Situada a 75km de Londrina e quase na beira de um perau, a Estância Barão do Rio Branco tem uma localização privilegiada que abraça todo o vale do ribeirão que lhe empresta o nome.
E o melhor, possui uma trilha que contempla enormes cachoeiras, mirantes com vista impressionante da Serra do Cadeado e muitas piscinas naturebas, ideais pra banhos refrescantes em meio a natureza. Sim, um rolê com pernoite no Terceiro Planalto Paranaense que não deve em nada ás adrenadas trilhas na Serra do Mar paulista.
Parti junto com as meninas por volta das 9:30 hr, e num piscar de olhos o carro tomou o asfalto da PR-445 em direção a Tamarana, rumo ao sul, deixando o borborinho urbano de Londrina pra trás.
Dentro do veículo, a Elenice, Lau e Jucélia tentavam lembrar a última vez que tinham pisado no “Camping da Aurânia”, nome popular pelo qual é conhecida a Estância Barão do Rio Branco. É verdade também que a muito ouvia falar de lá por parte da Lau, e isso aliada á minha curiosidade em conhecer esse recanto foi decisivo pra gente decidir se mandar pra lá durante os festejos momescos.
Depois de rodar um tanto em meio á horizontalidade monocromática típica da paisagem norte paranaense e de passar pela entrada pra Tamarana, prosseguimos por mais 20 kms até finalmente deixar o asfalto em prol uma estrada de chão que nasce pela esquerda, pouco antes de chegar em Mauá da Serra.
Tudo bem sinalizado, tocamos então por aquela trôpega e empoeirada via de chão por mais 4 ou 5 kms, na direção leste, até finalmente chegar na entrada do rancho em questão. Horário? Apenas 11:15 hrs e o dia reluzia lindamente, com promessas de bom tempo no decorrer do período.
A Estância Barão do Rio Branco lembra muito a “Fazenda do Dilson” (aquela do PP, em Curitiba) e até o “Camping Simplão”, em Paranapiacaba. Ali, duas simpáticas casinhas de madeira dividem espaço num vasto gramado com quiosques, chalés e um barracão comunitário pra preparar refeições.
Tudo bem simples e rústico, porém bem acolhedor. Ali, a simpática tiazinha que atende pelo nome de Dona Aurânia (ou Dona Naná) nos recebe com carinho de mãe e, doida por um dedo de prosa, nos dá informação de tudo e todos, até daquilo que nem precisa. Por incrível que pareça e tendo em vista o feriado prolongado, o lugar não estava lotado. “É que o pessoal foi tudo embora ontem, mais cedo, pra não pegar trânsito!”, diz ela.
Armamos as barracas rente um quiosque, as meninas arrumaram um colchão (sim, a Aurânia arruma tudo que for preciso aos visitantes) ao invés do tradicional saco-de-dormir, mastigamos um lanchinho rápido e nos pirulitamos pra tal “Trilha da Cachoeira” pouco depois do meio-dia. Cruzamos então o vasto gramado na direção do Rio Branco, que marulha perto dali mansamente, ornado por bonitos lirios-do-brejo em ambas margens.
Depois do gramado – onde crianças deslizam num plástico umedecido – vem uma porteira de madeira onde uma plaquinha bem simples indica a rota pra trilha e cachus. Depois dela vem a verea propriamente dita, mas antes de seguir por aquele caminho bem óbvio damos de cara com a parte alta da primeira queda, na verdade, a mais famosa do lugar.
Numa questão de poucos metros o chão literalmente termina, e ao se debruçar no chão pedregoso se avista as águas mansas do pacato Rio Branco despencando do alto de mais de 40m de altura!
Uma vista maravilhosa que além de descortinar todo vale do Rio Branco, revela muito mais além, como as escarpas verticais da Serra do Cadeado, elevando-se a nordeste. A queda tem nome de “Salto das Gêmeas”, mas o porque dessa denominação só tem explicação quando vista lá de baixo. Pausa pra fotos, aliás muitas!
Na sequência, retomamos a rota da trilha e o que era chinelada sussa na horizontal logo se tornou uma íngreme desescalaminhada pela lateral da queda.
Uma corda presta assistência já logo de cara, pra depois a perda de altitude se dar na base de degraus de rochas irregulares e trechos mais acidentados onde troncos ao redor servem de apoio. Mas logo surge uma nova ramificação do caminho principal, onde a intuição nos diz que a vereda nascendo pela direita nada mais é que a que nos leva á base da queda. E este é o caminho que tomamos sem pestanejar.
O caminho então aparenta suavizar e, em meio a plantas e algum charco promovido pela umidade depositada no paredão, a vereda nos leva a um mirante intermediário onde é possível avistar a queda sob outra perspectiva e por inteiro!
É aqui que se torna compreensível o nome de “Gêmeas”, uma vez que apesar de ser uma só, o rio despenca do alto em duas quedas d’água quase similares, daí a sua nomenclatura.
Do mirante segue-se uma íngreme rampa de terra, degraus e rochas, em meio a vistosa e exuberante vegetação, que reluz á umidade de meados de tarde. O trecho final se resume a desviar por enormes (e lisos feito sabão) blocos de rochas e pronto, estamos na base da queda onde o borrifo da “Gêmeas” fustiga agradavelmente nossos rosto.
Eu e a Lau não deixamos por menos, e nos brindamos com um refrescante (e gelado) tchibum no piscinão formado pelo represamento das águas do Rio Branco na base da queda.
A Elenice e Jucélia não fizeram questão de se banhar ali, afirmando que a água estava fria demais pra elas naquele horário da tarde. Preferiram apenas ficar ali sentadas, apreciando a paisagem.
Depois de um tempo de descontração retomamos a chinelada e subimos novamente á vereda principal, onde tivemos nossa primeira baixa: a Jucélia, assumindo estar descondicionada e sem calçado apropriado, decidiu voltar ao camping e lá nos esperar.
Escolha sábia dela, porque depois a vereda desviou pra esquerda e desembocou no alto duma pirambeira de pedras verticalizadas.
Restos duma velha corda indicam que a descida se dava antes por ali, mas buscando (ainda pela esquerda) é encontrado um rabicho discreto de trilha que desvia da pirambeira num largo ziguezague pela encosta, com ajuda de tocos de bambus no vértice do caminho, que mostrou-se mais liso e onde este que vos aqui escreve carimbou o “quinto apoio” no chão.
Contornado o trecho verticalizado de pedras a vereda volta a se aproximar do rio, porém ainda a certa distância. Mas serpenteando rochedos (sempre sem perder de vista as marcações de fitas) no arvoredo logo se chega num trecho onde o caminho se torna mais amigável, cercado de mata ciliar.
Ao tangenciar um belo remanso do rio se avista duas quedas partindo de grotas em meio as pedras, e alguns pocinho rasos. Mas este não era o destino e por isso seguimos em frente.
Com a chinelada nivelada em meio a mata e saltar facilmente um pequeno afluente do Rio Branco, reencontramos o dito cujo logo adiante, mais precisamente no alto de outra grande queda, a Cachu do Veado!
Menor que a queda anterior, porém não menos majestosa, daqui se avista a continuidade do rio serpenteando o vale, tocando pro norte ainda quase que emparedado pelas encostas da serra. Pausa pra mais fotos, claro!
Ali perto não é possível não reparar em trocentas mangueiras de captação, uma micro-represinha e uma bomba (ou chave) provavelmente pra futura construção de um reservatório ou algo do tipo. Se alguém souber e puder explicar eu agradeço…
Pois bem, do alto da queda tomamos uma inconfundível picada que desce suavemente a encosta em meio a mata, desvia de uma enorme árvore tombada e finalmente desemboca num caminho maior, uma quase estrada.
Dali basta descer o restante até a queda, tocando pra direita. O corte vertical na encosta denuncia do caminho ter sido uma antiga estrada, fato reforçado pela presença de antigo maquinário tomado de mato a margem da vereda.
E assim as 14hr pisamos na margem do belo laguinho onde se represam as águas do Rio Branco após despencar de uma altura de menos de 30 m.
Diferente da queda anterior (que é inclusive negativada) esta aqui, a Cachu do Veado, se dá sob vários patamares rochosos que, escalonados, conferem outro charme ao atrativo.
Pausa pra fotos, contemplação e até cochilo. Só não teve tchibum porque áquela hora de meados de tarde o vale já estava sendo tomado pela penumbra, sem sol, e a água estava realmente bem fria.
Pode não parecer, mas aquele horário já era avançado pra maiores explorações e logo o breu total tomaria conta daquele belo vale. Por isso o máximo que fizemos antes de retornar foi caminhar um pouco mais pela vereda principal, no sentido contrário á queda, e chegar numa curva onde visivelmente o caminho afastava-se do rio, subindo novamente ao alto na forma duma larga e estrada precária.
Naquela mesma curva havia vestígios de uma íngreme vereda que ia de encontro ao rio e devia dar continuidade á exploração de quedas inferiores. Depois a Aurânia confirmou todas essas nossas suspeitas: de que a continuidade da estrada era o acesso á queda pela fazenda vizinha, e de que a pirambeira realmente era continuidade da vereda.
Voltamos ao camping afim de descansar onde reencontramos a Jucélia, mas não sem antes dar um tchibum no belo piscinão natural que existe bem do lado do camping.
Ali, as águas do Rio Branco se represam num belo poco de cerca de metro e meio de profundidade, do lado de uma cascata de quase dois metros de altura, antes de despencar pelo Salto das Gêmeas, perto dali.
Noutras, um lugar ideal pra família toda. Na verdade, o local mais visado pelos visitantes que passam ali por apenas um dia, no geral todos vindos de Maringá, pelo que a dona nos contou.
Com o dia findando rapidamente e o sol pousando no horizonte, não nos restou opção senão preparar a janta no barracão comunitário. Enquanto a generosa panela de macarrão era preparada pelas meninas, eu me informava mais do lugar pela própria dona do lugar, que não perde a oportunidade de conversar com quer que seja.
Contou dos 28 gatos (alguns abandonados) que perambulam pelo camping, sendo que alguns foram devorados por uma suçuarana (ou jaguatirica, segundo ela) das redondezas. Comentou que a fazenda foi presente, na década de 70, do sogro pra ela e seu marido (o Tuka) e que inicialmente era pra criação de gado e soja. Mas com a onda ecoturista da virada do século adaptou o lugar pra receber turistas, gerando mais lucros que a atividade anterior. Da bicharada anterior se desfez de todos, exceto os cavalos, dos quais a Faísca e a Xuxa são seus xodós.
Depois da comilança regada a muita prosa, tanto com a Naná como com os demais campistas dali – entre eles, uma animada família com trocentos integrantes – ficamos ainda um pouco ao relento apreciando a linda e estrelada noite que se seguiu. Mas não por muito tempo, uma vez que logo o cansaço acumulado deu as caras e nos recolhemos a nossas respectivas barracas.
A noite, por sua vez, transcorreu serena e sem nenhuma intercedência, ainda mais com o marulhar hipnótico e relaxante do Rio Branco, logo ao lado. Só a Jucélia que não se adaptou á clausura sufocante da barraca e, ainda no início da noite, mudou-se pra clausura sufocante do minúsculo Pálio. Vai entender…
Levantamos na manhã seguinte assim que os primeiros raios do sol tocaram as barracas, ou pelo menos o pouco deles que atravessava as escassas janelas que surgiam naquele firmamento forrado por clara nebulosidade.
Tomamos nosso farto desjejum no barracão comunitário e na sequência arrumamos as mochilas pra dar continuidade á descompromissada exploraçãozinha da tarde anterior. Como era previsto, a mesma integrante que declinou do rolê optou por permanecer descansando, lendo um livro, no camping. Melhor assim, uma vez que em trio o ritmo imposto seria mais ágil e rápido.
Horário? Apenas 9:40hr!
Nos pirulitamos então novamente refazendo o trajeto da tarde anterior, porém sem parar nas duas grandes quedas, até chegar na entrada da íngreme vereda que tocava vale abaixo.
Claro que eu fui na dianteira pra ir demarcando bem o trajeto ás meninas e assim foi. Num piscar de olhos fomos perdendo altitude considerável na base da desescalaminhada, nos firmando em rochas e arvoredo ao redor, evitando assim o chão liso ou instável, e assim sucessivamente.
Mais abaixo, o caminho se tornou mais amigável em meio a muita mata ciliar, cruzou um espesso bambuzal e tangenciou um enorme paredão encravado na encosta, cada vez mais próxima do som do rugido do rio, logo abaixo.
A trilha desembocou então as margens dum belo remanso ribeirinho, onde o Rio Branco despencava em várias quedas escalonadas e vários pocinhos sucessivos, pra seguir seu curso no mesmo esquema, isto é, mais cascatas e piscinas abaixo.
Totens de pedras indicam dali ser mais um dos pontos de tchibum da galerinha mais aventureira, mas eu queria ir além. Como dali a trilha sumia definitivamente deduzi que o caminho se dava pelo próprio rio, chapinhando pela água e alternando margens, á semelhança das tradicionais explorações na Serra do Mar paulistana.
Cruzamos com cuidado á outra margem, desviando de uma quarta queda pela encosta cheia de mato até atingir um patamar inferior. Ali vi que o ritmo da chinelada seria reduzido á metade por conta da cautela redobrada em pisar nas rochas lisas e retrasos causados pelo mato espesso nas margens, e disse pras meninas que dali seguiria sozinho mais um tanto. Enquanto elas ficavam ali, descansando á minha espera.
E assim foi, prossegui chapinhando pelas pedras um tanto, cruzei agreste vegetação das margens onde seguir pelo rio, passando por muitas cascatinhas e bucólicos remansos até dar num trecho onde um mega-deslizamento havia trazido metade da encosta pra cima do rio.
Creio que até ali não tinha rodado nem 100m desde o lugar onde estavam as meninas e tinha me tomado mais de meia hora, então dali encerrei minha descida, que me lembrou muito a “Ferradura” de Paranapiacaba. Limpei a sujeira e suor mergulhando num piscinão do trajeto e retornei ao encontro das gurias, pra não preocupá-las com minha demorada ausência.
Dali resolvemos retornar ao terceiro remanso e ficar lá curtindo de boa as quedas, hidros e piscinas naturebas antes de retornar, isso no exato momento em que o sol brilhava com força lá do alto. Nossa preocupação com o tempo era legítima pois estávamos no meio de um estreito desfiladeiro e a possibilidade de tromba d’água nos carregar dali até o Rio Apucaraninha era real. Ainda bem que não era o caso.
Pouco depois do meio dia e meio começamos o retorno pro camping, mas não sem antes dar uma nova passada na base da Cachu do Veado pra mais um relax e tchibum.
Afinal, não tinha pressa em voltar pra Sampa. A tarde estava magnífica e ficamos ali de boa, naquele paraíso particular reservado unicamente pra gente, sem ninguém ali pra importunar.
E assim foi, quando estávamos farto de muita curtição empreendemos nosso retorno definitivo ao camping, vale acima, onde chegamos por volta das 15hr.
Uma vez lá, antes de levantar acampamento (e descobrir uma enorme aranha mocada) ainda nos brindamos com mais um tchibum no laguinho natureba – que áquela altura estava apinhada de jovens – e assim finalmente partimos da Estância Barão do Rio Branco por volta das 16:45hr, dando não apenas um adeus ao lugar mas sim um “até breve”.
Hora e meia depois chegávamos finalmente no conforto e aconchego da “Pequena Londres”, a tempo de filar a deliciosa janta da Dona Maria.
Recapitulando, a Estância Barão do Rio Branco passaria despercebida como mais uma fazenda (das muitas da região) de cultivo de soja não fosse sua vocação voltada pro ecoturismo. Ainda bem, pois a região norte paranaense carece muito de áreas naturais que possibilitem o lazer em contato com a natureza.
Sim, o rancho da Naná e do Tuka está longe de oferecer rolês selvagens mas o pouco que disponibiliza já é mais que suficiente pra tornar um simplório final de semana numa divertida aventura.
Camping selvagem ou “Nutella”?
Aí fica a seu critério, uma vez que a diversão está garantida de qualquer forma neste rincão privilegiado do Norte Pioneiro.