Travessia Sete Picos do Caparaó, em Solitário

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O Parque Nacional do Caparaó é um dos mais visitados do Brasil, devido à facilidade de acesso e principalmente, por abrigar o terceiro maior pico do país, o pico da Bandeira. Outro picos visitados são o Calçado e o belo pico do Cristal. Mas o que poucos sabem é que além desses, existe outros 4 picos que figuram entre os 21 maiores do país, sendo eles o Cruz do Nego, Pedra Roxa, Tesouro e Tesourinho. Essa pernada inédita iniciada em uma antiga trilha de jesuítas, incluiu os 7 grandes picos, e lugares como o Curral e a casa de pedra do arrozal. Finalizando em Alto Caparaó, passando por um caminho sem trilhas, seguindo o ribeirão Vargem Alegre.


Como tive férias na última semana de julho, fui visitar meus pais na cidade de Ibatiba, sul do Espírito Santo. Aproveitei que estava por lá para realizar uma travessia que estava de olho há muito tempo, fruto de uma análise detalhada da região e com caráter exploratório. A travessia inicia-se no vilarejo de São João do Príncipe (ES), ao norte do Caparaó, passa por todos os principais picos da região (Tesouro, Tesourinho, Cruz do Nego, Pedra Roxa, Bandeira, Calçado e Cristal), e em lugares pouco conhecidos como a casa de pedra do arrozal e o curral, finalizando em Alto Caparaó. Desses 7 picos, seis (exceto o Calçado) são reconhecidos pelo IBGE e estão entre os 14 mais “altos” do Brasil, exceto pelo Tesourinho, que é 21.

Antes de sair de casa, meu irmão disse que havia um casal de onças pardas na região, que inclusive, tinham pego um cachorro na semana anterior. E pra finalizar, contou algumas histórias de pessoas picadas por cobra, com destaque para a que a vítima chegou no hospital com os olhos, dentes e nariz sangrando. Vlw mano!! Era tudo que eu precisava!

Como o inicio da trilha fica a uns 50km de Ibatiba, meu irmão me levou de moto até lá. Foi bem tenso andar de moto com a cargueira, principalmente em subidas íngremes. Já cheguei com uma perna e um braço dolorido pelo esforço de me manter sobre a moto. No vilarejo, enquanto íamos para o inicio da trilha, meu irmão perguntou a 3 moradores locais se era possível chegar ao pico da Bandeira a partir dali, todos disseram que não, o último completo enquanto ria: “só se for voando”, essa parte foi ótima, meu irmão me olhou com uma cara de “cê é doido?!!”. Nos despedimos, ele voltou para Ibatiba e eu segui minha empreitada “suicida”.

Dia 1:  A exaustiva subida.
Após uma cuidadosa análise à carta topográfica, as 11:35h iniciei a pernada, passei por um riacho que cruzava estrada e segui subindo ao fim das lavouras de café. Enquanto subia vi pegadas recentes, provavelmente de um grupo que subiu ao pico no fim de semana. Mais acima passei debaixo de uma pedra curiosa que parecia até uma laje, e logo a frente havia um belo pé de limão, no qual peguei 3 limões. A esquerda havia uma mata rala com árvores e samambaias, nesse ponto ouvi o barulho de algo se movendo no mato. Parei e tentei ver o que era, pelas frestas vi um animal de médio porte andando pelo mato, mas não consegui ver direito. Como não sabia o que era, peguei o facão e passei bem atento.

Por vota de 12:10h cheguei a uma clareira, que era o fim da estrada. Fiz um lanche rápido e logo peguei uma trilha a direita, que descia para um riacho. Após o riacho, a trilha pela mata, quase me linha reta. Quando estava quase chegando ao topo comecei a curvar para a esquerda, depois cruzei o morro e continuei ladeando por um bom tempo até que começar a descer e chegar num riacho, por volta de 13:10h. Fiquei um bom tempo aí, fiz uma limonada e desci o rio sem mochila para explorar e tirar algumas fotos.

As 14h continuei subindo a mata, encontrei algumas aves e vi dois macacos da cara branca, que fugiram rapidamente, sem me dar a chance de uma boa foto. O terreno foi ficando cada vez mais inclinado e passa-se em trechos de trilha bem funda, resquícios da habitação dos jesuítas naquela região. Segundo moradores, existe um cemitério jesuíta ali nas proximidades, mas infelizmente não tinha tempo para procurar. Após algumas curvas e uma pequena subida, sai da mata e cheguei numa área de camping onde tinha bastante lixo (panela, grade, lona, vidro de conhaque, etc).

As 15:10h fiz uma parada de uns 10mim, e logo segui subindo quase em linha reta por uma laje de pedra inclinada. Ao fim da laje começa uma trilha sutil pela vegetação, sempre subindo em direção ao cume do morro. Quando estava quase chegando ao cume, senti uma dor na perna, fiquei preocupado pois achei que fosse o joelho, mas era no músculo “interior”(vasto medial) da coxa. Parei uns 15mim, fiz uma massagem no músculo enquanto comia uma barra de cereal. Quando voltei a andar já estava normal e não doía mais. Acredito que tenha sido devido à falta de preparo e ao esforço de subir continuamente aquela serra.

Uma vez no topo, andei pela crista ate chegar a junção com o maciço do tesouro, pra isso devia subir e descer um pequeno morrote. Nessa hora tive a “genial” idéia de contornar o morrote. Foi um vara mato passando por pedras muito inclinadas. Ao fim, notei que estava sem meu óculos escuro, já tava tarde e como tinha passado por um caminho aleatório, sabia que era inútil tentar procurá-lo. Continuei, e as 17:30 dei por encerrada a caminhada do dia. Acampei aos pés do tesouro, enquanto o sol descia no horizonte. Tirei algumas fotos e montei minha barraca num local plano, com grama e abrigado do vento. Após tudo arrumado, resolvi apenas repousar o corpo no isolante apenas pra descansar um pouco. Dormi instantaneamente, e acorde 30mim depois com o barulho do meu próprio ronco. Nesse momento que percebi o quanto estava cansado. Esquentei minha comida, apreciei a bela lua cheia enquanto comia, e logo fui dormir.

Dia 2: Tesouro, Tesourinho, curral e casa de pedra.

Acordei por volta de 9h (dormi umas 12h seguidas, hahahah), como tinha pouca água deixei pra fazer o café mais tarde. O tempo estava completamente fechado, só dava pra ver uns 5m a frente, o que dificultaria a navegação pela carta. Esperei um pouco pra ver se melhorava, mas continuou do mesmo jeito. As 10:30h comecei a andar. Com alguns minutos alcancei o pico do Tesouro. Lá existe uma placa, que a tinta das inscrições já saíram há tempos. Fique lá por algum tempo e em seguida continuei passando pelo cume seguinte. Esse rochoso possui dois cumes, quase da mesma altura. Após o segundo cume desci até o vale entre tesouro e o tesourinho. Descendo o vale uns 100m chega-se à nascente do rio Balaios.

Por volta de 13:30h cheguei na nascente, e finalmente tomei meu café da manhã. As 14:10h iniciei a subida em direção ao tesourinho. Subi circulando o rochoso, alcançando o cume pelo o outro lado. As 14:55h cheguei ao cume e lá curiosamente havia um “cercado” de pedras, o que me levou a pensar que poderia ter sido usado como guarita, na época da guerrilha do Caparaó. Fiquei uns 30mim por lá e segui descendo ao sul, em direção curral, que fica no colo entre o Tesourinho e pico da Cruz do Nego, chegando as 16:10h. O curral tem formato quadricular e uma das aresta é uma grande rocha. De lá segui bordeando a cruz do nego pela direita, em direção a região do arrozal, onde existe uma segunda casa de pedra.

Por volta 16:45h cheguei a tal casa de pedra. Bem próximo dela tem um lugar plano e com muito capim, ideal pra montar a barraca. A casa é bem pequena e está quase toda destruída, apenas a metade ainda está coberta. No lado que está coberto existe alguns colchões velhos. No outro lado tem um velho fogão a lenha com algumas panelas de alumínio, xícaras e até um porta coador de café. A frente da casa há uma área plana recoberta de um capim amarelo. Mas ao contrário do que parece, essa área é um grande brejo, talvez seja por isso que era chamado de arrozal, já que é bem propício ao cultivo de arroz. Minha imaginação disparou com teorias relacionando o curral, o arrozal, a casa e a pequena guarita, tudo relacionado com a guerrilha. Ao fim do brejo a água se concentra, formando um pequeno riacho onde abasteci meus cantis. A noite foi tranqüila, e dormi como um bebê sobre aquele confortável colchão de capim.

Dia 3: Cruzando a Cruz do Nego, ataque à Pedra Roxa e noite no Pico da Bandeira

Acordei por volta das 6:30h, sem me mexer olhei para o termômetro/relógio que marcava 0-oC, imediatamente fechei os olhos e dormi mais um pouco. Mais tarde, por volta de 8:30h a temperatura,  estava em 8º C, resolvi sair. No lado de fora a barraca já estava terminando de descongelar, Fiz meu café e arrumei minhas coisas, o tempo tava até bem limpo, consegui bater algumas fotos dos picos tesouro e tesourinho.

As 10h iniciei a subida ao pico Cruz do Nego, logo que comecei a subir o tempo começou a fechar, e em poucos minutos só conseguia ver poucos metros a frente, uma pena. Cheguei ao topo 11h, e nada de visual, fiquei por lá mais de 40mim até que consegui ver alguma coisa a oeste, queria mesmo é que abrisse ao sul, para que eu pudesse ver os picos da Bandeira e Pedra Roxa. Como ainda tinha que passar em mais dois picos naquele dia, iniciei a descida a fim de interceptar a trilha Terreirão x Bandeira. As 12:05h cheguei a trilha e a segui por alguns minutos até que cheguei ao pé do rochoso da Bandeira, parei ali por alguns minutos pra planejar qual seria a melhor rota pra chegar ao pico da Pedra Roxa.

Decidi deixar a mochila próxima a uma nascente no pequeno vale a esquerda da trilha. As 12:50h iniciei o ataque a Pedra Roxa, bordei o rochoso da Bandeira alto o suficiente pra evitar o mato, porém em paredões com inclinações próximas a 45o, passei em um ponto onde havia água escorrendo na pedra, mas era tão pouco que parecia que a pedra estava apenas molhada. As 13:35h estava entre as montanhas dos dois picos e em 20mim cheguei ao topo da pedra roxa.

O interessante da pedra roxa é que ela fica desalinhada das demais, o que permite ver as outras montanhas por um ângulo diferente, principalmente o da bandeira. Caminhei contornando o topo e tirei algumas fotos, fiquei por lá 40mim. Iniciei a descida as 14:25h, estava morrendo de sede, pois não tinha levado água, dessa vez contornei o rochoso um pouco mais alto, e pra minha surpresa, no meio do paredão havia um pequeno ressalto onde a água que escorria fez uma pequena poça e pude saciar a minha sede, nessa, que é a nascente do rio Pedra Roxa.

De volta à mochila, fiz um lanche e abasteci minhas reservas de água, iniciando então, as 15:50h, a subida o pico da Bandeira. Na subida encontrei um grupo de pessoas descendo, eram dois casais e foram as primeiras pessoas que vi desde o início da pernada. Cheguei ao topo as 16:35h e não havia ninguém lá, em contraste às grandes multidões que se encontra por lá em feriados, o pico era só meu. Como ainda era bem cedo, tive tempo de sobra pra escolher minuciosamente o melhor local para montar a barraca.

O vento estava vindo do leste e quebrava sobre o cristo, fazendo um barulho semelhante a uma turbina de avião. Infelizmente, uma vez mais o tempo estava fechado, e nada de visual. Após escurecer fiz a minha deliciosa feijoada e fui dormir. As 23h saí da barraca para “regar a moita”, o céu estava bem claro, a lua fazia a noite parecer dia e a beleza da estrelas me convidaram a ficar por lá por algum tempo, antes de voltar ao conforto de meus aposentos. Baseado nisso achei que amanheceria com tempo mais aberto, mera ilusão.

Continua…

Antonio Junior
Fotos: http://antoniojunio.multiply.com/photos/album/10/10

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