Trilogia nos Andes bolivianos

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Enquanto os integrantes da expedição “suíça-alemã-austríaca” de Kobler & Partner lidavam com o pessoal pouco cooperativo da LAN Peru, além de serem obrigados a empreender uma visita involuntária da cidade de Lima, eu achava ter embarcado numa viagem ao fim dos tempos. A bordo de um ônibus da linha “Expreso Tupiza”, atravessava uma remota Bolívia, junto a algumas galinhas, por rodovias não asfaltadas. Como muitos guias de montanha, eu tinha um caminho bastante largo para chegar ao seu escritório…


Relato: Isabel Suppé. Fotos: Simon Hauert

A missão da viagem:&nbsp, encontrar-se no aeroporto de La Paz para iniciar a expedição “Potosi, Illimani &amp, Sajama” da companhia suíça Kobler &amp, Partner. Apenas 49 horas depois de haver iniciado a viagem, eu tive tempo para tomar um cafezinho antes de conhecer o pessoal da minha expedição: Simon, Basti, Rolf, Jürg, Stefan, Edgar, Jasmin, e Benjamin, além do colega suíço, Jonas Lambrigger. Minha surpresa foi grande ao encontrar-me com o suíço menos suíço que eu jamais havia visto – que, não só falava espanhol, senão que também tomava mate argentino. A surpresa do pessoal não foi menor. Eles&nbsp, esperavam um guia boliviano autóctone quando os saudou um guia mulher, argentina-alemã loira.
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Depois da boa-vinda, o grupo, continuou viagem à Copacabana, pitoresco povoado de pescadores situado a 3841 metros na beira do lago Titicaca, com sua famosa Basílica de “Nuestra Señora de Copacabana” que deu o nome à Copacabana carioca.
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Foi um trajeto muito emocionante. Quem teria pensado que no Titicaca os carros ainda nadam em minúsculos barquinhos?!
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No dia seguinte, fortalecidos por um copioso café da manhã no Hotel Gloria com sua maravilhosa vista sobre a Baía de Copacabana, os integrantes da expedição empreenderam seu trekking de aclimatação. Respirando o perfume dos cheirosos bambus, caminhavam por campo aberto, bosques e pequenos povoados sempre à beira do “mar boliviano” até chegar a Yampupata, onde lhes esperava o barco que tinha que levar-lhes para a Ilha do Sol: A histórica ilha sagrada para os incas, onde se encontravam os santuários das “Vírgenes del Sol”, dedicado ao Deus Sol.
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Na ilha, a 4000 m sobre o nível do mar, encontraram um lugar de sonho: os chalés do Ecolodge, feitos inteiramente de madeira e de vidro, com vista panorâmica sobre a imensidão azul do Titicaca e a brancura gelada da Cordilheira Real à frente. Se não fosse o Condoriri, que os chamavam, seguramente não teriam deixado a Ilha do Sol tão cedo…
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Do acampamento de aclimatação em Rinconada foram três horas de caminhada admirando a majestuosidade da Cabeça do Condor até chegar ao acampamento base do Condoriri a 4700 m na lagoa Chiara Khota, que é cheia das trutas mais saborosas do mundo – ou foi a mão milagrosa da cozinheira Cenobia que deu essa impressão? A única certeza é de que o jantar foi inesquecível.
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À uma hora da madrugada, acordaram numa noite iluminada pelo brilho das estrelas refletindo-se no gelo. Uma hora mais de marcha os levou ao pé do glaciar onde se dividiram em três grupos liderados pelos três guias: Jonas, Pedro (o guia boliviano) e eu. Se bem todos os integrantes da expedição eram montanhistas com algo de experiência de trânsito em glaciar, para alguns foi a primeira vez que passavam os 5000 m de altura. E com certeza foi uma escalada cansativa para todos, depois de ter estado ao nível do mar apenas cinco dias antes. Porém perto das oito da manhã, o pessoal inteiro – (com exceção do pobre Rolf que ficou na sua barraca doente do mal da altura) – se abraçou no cume do Tarija aos 5320 m.
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Nessa primeira experiência técnica trabalhando juntos, tanto eu como Jonas pudemos observar até que ponto a cosmo visão do guia têm influência sobre sua maneira de guiar – e, sobre tudo, respeito à segurança que dá. Para grande espanto do pobre suíço, Pedro demonstrou que era muito fiel às suas origens aymaras… Enquanto Jonas insistia nos protocolos de segurança internacionais, Pedro falava da “Pachamama”, dizia que só o pensamento positivo podia garantir a segurança de todos…
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Apesar das diferenças, a expedição chegou sã e salva ao acampamento base e no dia seguinte começou a dirigir-se ao seu próximo destino: o Huayna Potosí, o assim chamado “6000 mais fácil da Bolívia”, uma montanha que muitas agências de La Paz vendem&nbsp, como se fosse apenas um passeio&nbsp, para gente sem condição física alguma, nem experiência e nem aclimatação, apesar dos 6080 m e das dificuldades características a todo glacial. Além disso, levam suas vítimas sem capacete e com materiais técnicos de qualidade bastante duvidosa, por um terreno sulcado por gretas e com perigo inerente de quedas de rocha.

&nbsp,O pior: como Pedro, a maioria&nbsp, dos guias que a expedição encontrou no Huayna confia exclusivamente na “Pachamama” e não nos protocolos de segurança. Conforme esses últimos, se o perigo fosse escorregar, a corda deve ser curta, não mais de 1,5 ou no máximo 2 metros entre duas pessoas para impedir que, no caso de uma queda, o corpo do escalador caído se acelere e arraste os demais. Se o maior perigo fossem as gretas, a corda deveria ser larga para permitir aos companheiros do escalador caído&nbsp, frear a queda. Porém muitos “guias” bolivianos no Huayna Potosí, quase exclusivamente, usam a “técnica Pachamama”: corda de 4 a 5 m sem variações segundo o terreno. Assim, se precisa de um pensamento muito positivo…

A expedição se encontrou bastante debilitada ao chegar ao acampamento, alto “Roca”, do Huayna Potosí sendo que só o casal austríaco, Jasmin e Edgar, fizeram cume.
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Afortunadamente, depois de um prazenteiro reencontro com o chuveiro, as barrigas de todos voltaram a sorrir no restaurante argentino “El Arriero”. Com novas forças graças ao “bife de chorizo” o grupo partiu na direção do Illimani, a montanha do plano de fundo da cidade de La Paz, que, com seus 6438 m, é a maior altitude da Cordilheira Real.
Uma viagem de três horas e meia em uma 4×4 os levou por umas quebradas escarpadas não transitáveis na época das chuvas, por subidas muito empinadas e por uma paisagem encantada até chegar ao povoado de Pinaya, aos pés da gigantesca brancura da segunda montanha mais alta da Bolívia.
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Enquanto os arrieiros&nbsp, ficaram carregando os burros, o pessoal almoçou sentado no pasto. Foram três horas de caminhada por um cenário idílico para chegar ao acampamento base Puente Roto (4400 m). Suaves ondulações sulcadas por pequenos arroios o que, sem dúvida, o torna no acampamento base mais bonito da Bolívia, um grande campo verde protegido do vento com uma vista incrível da cidade de La Paz.
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No dia seguinte despertaram de muito bom humor e, com as barrigas cheias de panquecas, empreenderam a ascensão com muito entusiasmo. A subida ao acampamento alto do Illimani (5400 m), sim, custou suor por ser bastante empinada e longe. A segunda metade levava por uma aresta escarpada&nbsp, de rocha que saía do mar de gelo. Na parte mais exposta, localizada pouco antes da chegada ao acampamento. Eu e Jonas decidimos assegurar os mais cansados e assim, logo puderam desfrutar de uma refeição ao sol da tarde em “Nido de Condores”, um pequeno local de acampamento com espaço para não mais de doze barracas.
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Durante o jantar, tivemos uma conferência técnica. Ficou combinado em que partes fixar cordas e coisa e tal… Desgraçadamente, já a preparação do material técnico começou com uma surpresa muito desagradável: Pedro tinha deixado quase todos os parafusos de gelo no acampamento base porque pensava assegurar com o pensamento positivo. Com raiva, seus colegas buscaram uma solução. A ascensão ia ser lenta, mais se as cordadas ficassem juntas para compartir o material técnico, seria possível e segura.
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Às 02h30min da madrugada começaram a escalada por uma aresta ascendente muito exposta de 45 graus para logo continuar por terreno menos inclinado, mais sulcado por gretas. À noite foi amena e estrelada. Só na hora do amanhecer irrompeu o típico vento gelado do Illimani. Estavam chegando às “escadas do céu”, a 6000 m, a parte mais exposta e perigosa da montanha com 50-55 graus de inclinação e algumas passagens de gelo. Aos pés das escadas, Isabel teve que descer com Jürg, o químico suíço que tinha ficado muito exausto.
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Agora: o que acontece quando uma mulher deixa sozinha a dois homens? Coisa ruim com certeza.. Pedro, de repente, se esqueceu de todas suas promessas da noite anterior… Em vez de ficar perto do colega suíço para dividir o material, além de ajudar a fixar as cordas, o boliviano (talvez esperando que Jonas fora com a Pachamama) se adiantou, deixando o suíço sozinho. Sem material técnico para garantir a segurança do pessoal, Jonas teve que decidir descer…
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Só na tarde, já no acampamento base, o clima melhorou, quando afogaram as mágoas na cerveja Paceña. Porém ficou muito claro que teriamos que mudar alguma coisa se quisessemos fazer cume na montanha mais alta da Bolívia, o Sajama (6542 m).
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Antes de despedir-se do Illimani, a expedição foi convidada pelos moradores para compartir uma “Pachamanca”, comida típica de carde de lhama que é cozida num buraco na terra.
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No dia seguinte, Jonas e eu nos reunimos com a agência local que tinha empregado o Pedro, que só apareceu com várias horas de atraso. Ficou decidido que no Sajama teriam o apoio de outro guia boliviano enquanto Pedro se encarregaria das tarefas do acampamento e que os materiais técnicos ficariam sob responsabilidade minha e de Jonas.
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Em companhia de Rolando, o assistente novo, empreenderam a viagem ao povoado de Sajama. No caminho, fizemos uma parada cultural em Curahuara de Carangas para visitar a Capela Sistina do altiplano, um local bem curioso onde o catolicismo se mistura com elementos autóctones. Nos afrescos, os romanos têm cara de espanhóis e na Última Ceia, figuram pratos típicos do altiplano.
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Rodeado de uma paisagem de vulcões onde era fácil imaginar povoados de bruxas e seres de fábulas, encontraram a Vila Sajama. Com sua antiga igreja, sem internet nem ruas asfaltadas, parecia um local eterno entre os gigantes Parinacota, Pomerata, e Sajama.
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Uma tarde de paz&nbsp, e águas termais, prepararamos os escaladores para a última escalada da expedição. Porém, a partida ao acampamento base teve que ser atrasada por causa do jogo entre Suíça e Espanha – ocasião que Jonas aproveitou para seqüestrar uma “alpaca”. Apesar do triste final para Suíça, isso não afetou o patriotismo de nossos escaladores. Não só seguiam falando com a maior alegria do mundo em seu alemão bem particular (o que eul e os demais não suíços achavam totalmente incompreensível) senão que, além disso, levaram sua bandeira na mochila e na sua barraca que instalaram no acampamento depois de duas horas de caminhada pelos cheirosos bosques de Quinoas.
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O segundo dia da ascensão culminou com o pessoal no pequeno e ventoso acampamento alto (5600 m) enquanto Jonas, Rolando e eu subiamos até os 6000 m para fixar cordas nas partes mais expostas. Desceramos somente às 6 da tarde para descobrir que Pedro só tinha um copo de água para cada um deles… Por sorte, por outro lado, o pessoal sim tinha bebida à vontade.
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À meia-noite&nbsp, acordaramos e começamos o grande dia. As quatro cordadas avançavam devagar pelas cordas fixas, logo atravessaramos o Campo de Penitentes que nos fez sofrer bastante até chegar na pala que conduz em linha reta ao cume.
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Eu temia pelo êxito da minha cordada quando vi a determinação de Jürg enfraquecido pelo cansaço. Nesse momento, Basti usou sua resolução bárbara e falou para o companheiro: “Deixe de encher meu saco e vai direto para o cume!” Jürg nem ousou responder e não parou mais até chegar ao ponto culminante da Bolívia. Por fim todos os escaladores e seus guias puderam abraçar-se contentes pelo êxito da expedição.
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Grande foi a alegria e maior ainda foi o festejo nas termas de Sajama, aonde a água ia se misturando com cerveja… Onde terminou a expedição? Depois de uma ronda de Pisco grátis (façanha que converteu me em heroína da expedição) na discoteca Malegria de La Paz, onde surgiram talentos de baile nunca suspeitados…&nbsp,&nbsp,&nbsp,&nbsp,&nbsp,&nbsp,&nbsp,
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