Vantagens da filiação direta

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Recebi por email um excelente texto, escrito pelo amigo Alex Hubner, de São Paulo. Postei o texto nos comentários da coluna que propõe tal debate, porém acredito que pela qualidade e principalmente pela experiência vivida pelo Alex, o texto merecia um espaço mais digno. Aí está! Vale a pena a leitura!

Salve Hilton! Cara, escrevi alguma coisa em resposta à suas indagações na sua última coluna no AM. Não dá para colocar como comentário por que ficou enorme, mas se você puder/quiser publicar em algum formato, sinta-se a vontade! É para botar mais lenha na discussão.  😉

Parabéns pela levantada de bola, essa discussão é bastante pertinente na minha opinião, e a troca de idéias e opiniões, fundamental.

Abraços e bons ventos!!

Alex
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Hilton, respondendo às suas indagações e colocando mais lenha na fogueira:

Não dá para garantir que um indivíduo vá se adaptar aos preceitos de uma Federação, mas a mesma coisa também vale para os clubes. Se o individuo não se adapta, ele pula fora (ou é “pulado” fora), seja de uma federação, seja de um clube. A questão toda é a obrigatoriedade de se filiar a um clube para poder fazer parte de uma Federação, e conseqüentemente de uma Confederação, que são coisas mais abrangentes em minha opinião. Explico: não estamos falando de futebol. Estamos falando de montanhismo, uma atividade que tem uma relação intrínseca e muito forte com o próprio estilo de vida de cada um, muito mais do que em várias atividades/esportes ditos convencionais.

Uma atividade cujas “regras” não podem ser estabelecidas na base de preceitos pessoais e/ou coletivos (clubes), justamente devido à diversidade de práticas, de praticantes e do número de clubes existentes (poucos).

Ao se filiar a um clube você endossa de maneira direta a cultura, a história e os valores deste clube. Valores e história que não necessariamente são iguais aos seus. Tem gente que escala por si, outros escalam por Cristo, outros ainda simplesmente por esporte, e assim vai. Prova de que clubes defendem valores próprios e muito específicos é a enorme quantidade e freqüência de desavenças e diferenças que pipocam em nosso meio, seja dentro dos próprios clubes (por conta de panelinhas, de atitudes e afins), seja entre os clubes (por valores e visões diferentes).

É justamente aí é que entram as Federações, como denominadores comuns e democráticos. Mesmo que a democracia das Federações ainda esteja no nível da “democracia de condomínio” (dada à baixa participação dos próprios clubes, que dirá dos filiados individuais), eu ainda acredito que ela é mais representativa que a dos clubes (e espero que assim continue – seria ingenuidade minha? O tempo dirá, e eu torço para que não seja ingenuidade).

As federações possuem caráter mais abrangente e “nobre” no meu entender, na medida em que colocam, de maneira bastante clara e direta o montanhismo em primeiro lugar. Tornam-se uma opção interessante de identidade para aqueles que são avessos à politicagem (e barbeiragens) dos clubes, ou simplesmente não se identificam com nenhum dos existentes (como é o meu caso aqui em SP, por diversas razões). Os objetivos propostos no estatuto da FEPAM, da FEMESP e da FEMERJ, por exemplo, são factíveis e perfeitamente aceitáveis para qualquer montanhista minimamente bem intencionado e comprometido com questões básicas da atividade, tais como proteção e respeito às nossas montanhas e ao meio ambiente de maneira geral. São objetivos aceitáveis, compreensíveis e desejados por, chuto, 90% daqueles que procuram as
montanhas, sejam filiados a um clube ou não. Compreendem e englobam os objetivos de um número mais expressivo e diverso de montanhistas. Do montanhista que vai procurar Deus nas montanhas ao que vê a atividade como um mero esporte de final de semana. A “causa” e os objetivos defendidos por uma federação são mais genéricas, abrangentes, aceitáveis e focadas num único assunto (montanhismo), é isso que eu quero dizer.

Além disso, clubes têm caráter social, e eu sou um cara meio anti-social, que aprecia escalar em solitário, por exemplo. Chame-me de sócio-fóbico, mas nem sempre eu estou disposto a participar de saídas e outras confraternizações promovidas pelos clubes, sejam pelos objetivos, sejam pelos participantes. E ser um sócio apenas para pagar a anuidade e não participar efetivamente não é ser sócio, certo? Pelo menos eu vejo presidentes de clubes reclamando desta atitude (comum ao que parece).

Tem também uma coisa chata (em minha opinião), que é aquela de “ter” que se identificar como sendo pertencente àquele ou esse clube. Chata no sentido de ser ter que pertencer a um “time”, queira você ou não. Eu já fui filiado a clubes, por isso digo de carteirinha (perdoe o trocadilho), que muitas vezes o simples fato de dizer (ou saberem) que você faz parte de um determinado clube, é motivo para se perceber (e sentir) mudanças no tratamento pessoal, na abordagem, no relacionamento, mesmo que seja uma rápida conversa na base de uma via ou numa parada de descanso na trilha. É motivo para evitar bater papo descompromissado ou sem preconceitos, para a troca de experiências, dicas e afins, tão importantes no nosso meio. É motivo até mesmo para ser
ajudado ou não no caso de uma necessidade/perrengue… sim, as diferenças chegam a este ponto, creia-me. Tudo isso justamente porque você faz parte “daquele” e não “desse” clube… Longa história, que não merece ser discutida aqui, mas tem a ver com a realidade dos clubes no Brasil (e não os seus objetivos nobres, estampados em seus estatutos, que são rasgados e deixados de lado quando surgem rixas e interesses pessoais, como sempre acontece). Se você nunca viveu isso, saiba que existem outras pessoas que viveram esse tipo de coisa e já sacaram o que eu quero dizer, apenas ao ler este texto.

Só para exemplificar: eu me sinto muito mais confortável e feliz em dizer e me identificar como não pertencente a um clube quando indagado sobre isso, na montanha ou fora dela. As coisas se tornam mais leves, menos políticas e mais agradáveis (experiência própria). Pessoas tendem a conversam com você numa boa, sem neuras, sem preconceitos e frescuras… e eu ainda posso contar com a ajuda destas mesmas pessoas, montanhistas como eu, caso meu carro fique atolado numa estradinha de terra (como já aconteceu num passado distante, quando eu era de um clube e não de outro)… O que quero dizer, correndo o risco de ser redundante, é que quero pertencer a algo um pouco maior que um clube e seus ideais e valores (e suas pessoas, afinal, clubes são feitos de pessoas). Quero pertencer ao montanhismo, à atividade, àquilo que me liga às montanhas e não às pessoas que vão às montanhas.

Poderíamos discutir a validade dos argumentos e da realidade prática frente à história “oficial” e “extraoficial” de clubes e afins, mas eu sinceramente acho desnecessário. Os exemplos de que a prática é diferente da teoria são inúmeros e estão às vistas para bom observador. Aqui em São Paulo, por exemplo, os problemas e picuinhas são freqüentes, e em quase todas elas existem clubes envolvidos, na forma de seus quadros mais significativos (diretoria por exemplo) e/ou de sócios que simplesmente vão na onda (torcida organizada). Quero ficar fora disso tudo (e imagino que muita gente também queira), mas ainda sim quero ter uma identidade como montanhista, dentro de uma Federação, cujos objetivos são maiores e voltados especificamente para aquilo que me importa, que é a escalada.

Com relação ao quê as Federações poderiam oferecer aos seus filiados individuais, e o conseqüente interesse do montanhista na filiação individual, eu diria que em primeiro lugar elas oferecem identidade àqueles que a buscam, como já mencionei. Isso pode parecer uma coisa pequena, mas eu particularmente acho importante fazer parte de algo (desde que você se identifique com este algo). Acho importante atuar em comunidade (o que é diferente de atuar em clube). Acho importante partilhar dos mesmos objetivos com relação ao montanhismo. Pegue os objetivos de uma Federação como a FEPAM, por exemplo, e valide-os para o indivíduo. Verá que eles são perfeitamente válidos! Então por que não ter filiados individuais?

Outras vantagens são mais diretas e pessoais. Eu, por exemplo, freqüento o PNI numa freqüência que se justifica, financeiramente, ser filiado à FEMESP, uma vez que tenho desconto de 50% na taxa de ingresso no parque. O mesmo vale para aqueles que vão ao PNSO com freqüência e, tomara, àqueles que freqüentem parques e áreas onde ser filiado faz alguma diferença (ainda são poucos, mas torço – e trabalho – para que sejam em maior número). Sem mencionar descontos em lojas, participação em campeonatos internacionais (onde, se não me engano, você precisa representar alguma entidade, no nosso caso a CBME). Em resumo: mesmo que sejam poucas as vantagens ao filiado individual, creio que cabe a cada um saber se vale a pena ou não.

Com relação a um currículo e/ou capacidade técnica, moral e ética necessária/exigida do filiado individual, creio que há mecanismos que podem minimizar qualquer desvio neste sentido.  Aqui em São Paulo eu tive que apresentar um currículo (escrito) de montanha, colher três cartas de recomendação de montanhistas filiados, além de (apesar de não ser um passo oficial) passar por uma sabatina com a diretoria, quando da apresentação da papelada , onde me encheram de perguntas e eu me senti na obrigação (legítima e justificada, pelo menos para mim) de validar e confirmar o meu “status” de montanhista minimamente consciente e ciente das coisas que faz na montanha.

De qualquer maneira, creio que estes critérios poderiam ser aprimorados, no sentido de incluírem alguma forma de teste teórico e/ou prático e também o escrutínio público – uma vez que estamos cada vez mais conectados (via internet) e outros meios, se esta for a preocupação principal. O discurso de “perder sócios” para a filiação individual é sinal de que as coisas não vão bem nos clubes, uma vez que não há interesse legítimo em se manter como sócio. Defendo inclusive que a filiação individual deva ser mais cara e complicada burocraticamente falando que a filiação de um clube, justamente para invalidar argumentos como este.

Assim como os cursos básicos de montanhismo não formam montanhistas – na minha visão eles apenas introduzem/encaminham o individuo ao meio, não á maneira 100% segura de se garantir que determinada pessoa é montanhista ou não, ou em sendo montanhista, que vá fazer alguma cagada por aí ou não. Eu fiz um curso básico de escalada em rocha em 1990. Se não tivesse escalado desde então, provavelmente não poderia ser considerado um montanhista, pelos simples fato (entre outros), de sequer ser capaz de lembrar técnicas básicas de resgate (por exemplo).  Mas se tivesse me filiado a um clube (onde fiz o curso) e pago minhas mensalidades em dia desde então, poderia ser “federado” hoje, mesmo estando muito longe das montanhas. Aliás, é muito comum encontrar em clubes esse tipo de individuo, aquele que “escala” bem no teclado e no gógó, mas está afastado das atividades de montanha na mesma proporção que sua bunda está do umbigo.

Existem outras considerações obvias a se fazer com relação à filiação individual, que incluem a questão do poder de voto e representatividade em decisões da Federação (como bem lembrou o Hauck em um comentário) – eu também acho que o membro individual tem uma representatividade bem menor que a de um clube, e sua influência (em termos de voto) deve ser proporcional. Existem inúmeras questões, mas de maneira geral meu sentimento é de que o montanhismo e os montanhistas têm mais a ganhar do que perder com a possibilidade de filiação individual. Como saber se não tê-los?  😉

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Sobre o autor

Hilton Benke é um dos idealizadores do AltaMontanha.com. Dono de uma personalidade muito forte, é hoje praticante assíduo do voo livre, principalmente da modalidade "hike and fly", que une o voo com o montanhismo. Como montanhista e escalador, gastou seu tempo galgando montanhas brasileiras e andinas, além de ter prestado alguns serviços como instrutor de escalada junto ao CPM. Deixá-lo feliz é fácil: só marcar um bom pernoite em um cume da Serra do Mar Paranaense, com um bom menu para o jantar e uma condição de tempo boa para que possa decolar com seu parapente dia seguinte e realizar uma das muitas travessias sobre a Serra do Mar.

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