Vulcao San Pedro: Solitário e de bivaque – parte 1

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Ao partir para esta montanha, originalmente, a idéia era culminar o San Pedro e o San Pablo em apenas cinco dias (um pra ir, um pra voltar, 3 pra escalar). Mas chegando lé e depois de tanto tempo na estrada o ocorrido fica meio diferente do planejado, normal.


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Paguei por um transporte com um figuraça de San Pedro chamado Rodrigo pra me levar até a base dos vulcões e me buscar no quinto dia que seria no dia 22 de março. Porém, como combinado, deveria passar comigo por Calama antes pra que eu pudesse ir ao mercado (comprar provisões aqui em San Pedro e caríssimo), almoçar e depois sim ir. Tudo seguiu como planejado e ele me deixou no antigo acampamento base dos vulcões e partiu, prometendo de pés juntos voltar pra me pegar. Caso eu voltasse antes por alguma mudança de planos minha, deveria passar em sua casa e avisá-lo.

Atualmente a ascensão aos vulcões está proibida, eu deveria pedir por permisso no vilarejo de Ollague assim como pedi para o Aucanquilcha, mas isso daria mais trabalho e o transporte seria mais caro do que já foi. Fui sem permisso mesmo.

O acampamento base dos vulcões é pequeno, um cercado de rochas enormes que garante uma boníssima proteção de ventos fortes dali, mas que só abriga umas cinco barracas, seis se forem pequenas. Além disso, o terreno é forrado do que eles chamam de “campo minado”, você está caminhando numa boa, de repente seu pé afunda em um buraco escondido. Trata-se de antiga mesa de jantar de um rato andino que come a raiz da vegetação. Só que para comer ele limpa o terreno ao seu redor fazendo uma pequena caverna. Taí o problema. É uma droga caminhar ali, pois deveria ser bom, areia vulcânica bem macia…o problema são as bombas (risos). Tirando isso e a completa falta de água, tudo bem.

Este e o problema da ascensão aos vulcões San Pedro e San Pablo, água. Não há sequer gelo ou neve para derreter, portanto se estiver planejando ir lá, prepare-se para carregar muito peso ou sofrer as conseqüências por não levar.

Para minha aventura por lá tomei duas decisões que provavelmente culminaram na minha desistência de escalar o San Pablo: Primeiro – não levar barraca, fui de bivaque. Segundo – Peso mínimo, o que acarretava necessariamente em levar pouca água, substituindo a água por isotônicos (gatorade e similares). Também acarretava em levar pouca comida e pronta, pois nem fogareiro levei.

Minhas provisões para os cinco dias se limitavam portanto a: cinco latinhas de atum, duas das quais de 150 gramas pois vinha com salada, as outras três eram somente atum, 80 gramas. Duas latas de uma batata concorrente da pringles, um saquinho de amêndoas salgadas, dois saquinhos de amendoins salgados, dois sacos de queijo ralado (pra dar um diferencial no atum), finalizando com um pacote 1/2 kg de cereais açucarados. Para beber, eu tinha para os cinco dias duas garrafas de 1,6 litros de água cada e cinco garrafas de meio litro de isotônicos de sabores variados. Era só isso.

Por que fiz isso? A resposta e simples, o roubo em Mendoza encurtou minha expedição violentamente então, sabendo que esta seria a minha última escalada da viagem, decidi fazer valer, pra fechar com chave de ouro o projeto Quanto mais melhor. Loucura? Não. Me arrisquei? Um pouco sim, confesso. Mas, como diria a amada do Conan Valeria: “Quer viver pra sempre?!”

O vulcão San Pedro tem altitude confirmada de 6.145 metros acima do nível do mar, tem dois cumes, o cume que é aproximadamente cem ou cento e cinquenta metros mais baixo é ativo, soltando fumarola constantemente. O cume maior é adormecido. O vulcão San Pablo, seu vizinho, tem 6.092 metros acima do nível do mar também confirmados pelo mesmo projeto antes aqui citado 6000dechile e é extinto.

De onde eu estava, no antigo acampamento base, a 3.958 metros de altitude, os vulcões apesar de longe pareciam perto. Entretanto, me reservavam uma caminhada de aproximação que eu não havia avaliado corretamente, achando inocentemente que em apenas um dia conseguiria chegar a altitude de 4.900 metros e lá estabeleceria um “bivaque base” de onde faria os ataques. Não foi bem assim que rolou…

Em linha reta, a aproximação até o portuzuelo é de 7,5 kms. Mas, contando curvas e tudo que normalmente se tem que fazer em uma aproximação, isso sobe facilmente para 11 ou 12 kms. E muito pra se caminhar em um dia, carregando de 15 a 17 kgs (não sei ao certo, o que importa e que estava consideravelmente mais leve que no Plata) levando em consideração a rápida desidratação que se sofre no clima local, desértico. Então, eu tinha que ter cuidado e escutar a todos os sinais que meu corpo me dava, estava completamente sozinho por cinco dias. Pensava nisso sem parar.

Me despedi do Rodrigo às 16hs e fui embora, olhei para trás vendo seu 4×4 velho se afastar pensando “se esse cara não voltar, estou roubado”. Liguei os meus motores, me virei, olhei pros vulcões e disse para mim mesmo: “Agora o assunto e só nosso.”

Caminhei, caminhei e caminhei…A distancia parecia não encurtar, a altitude mudava lentamente, uma desgraça só. Enterrei meus pés no campo minado diversas vezes…Por isso as vezes tinha que mudar de rota saindo da areia confortável para as rochas, o que piora a caminhada.

Quando deu 19:30hs eu ainda estava a 4.450 metros e os vulcões ainda pareciam distantes…Como pode? Olhei o GPS, tinha caminhado em linha reta somente 3kms mas parecia muuuuito mais, isso significava que tive que fazer muitas curvas. Decidi procurar meu primeiro lugar pra bivacar. A minha frente, um corredor natural de passagem se acentuava com rochas bem grandes, isso significava uma boa proteção contra vento e frio. Ali seria minha casa por um dia pensei, comecei a procurar onde dormir.

Por sorte (pra me poupar trabalho) não fui o único com a idéia de bivacar ali, encontrei uma rocha grande com um cercado de bivaque pronto, sequer tive que trabalhar coletando rochas! Que ótimo, pois estava cansado…O problema é, não planejara gastar uma noite a mais na aproximação! Mesmo não planejando, era impossível prosseguir noite afora no frio pra chegar a altitude que queria lá pelas dez ou onze da noite, seria desgastante demais. Preparei meu isolante e saco ali mesmo a 4.480 metros de altitude.


Um video que mostra o ceu!

Hotel um milhão de estrelas. Minha noite foi fresca (mínima de confortáveis 3 graus) e absurdamente estrelada. Fiquei olhando as estrelas e escutando musica ate cair no sono, depois de matar uma das minhas latinhas de atum com queijo ralado e alguma batata. Para beber, meia garrafa de isotônico.

Acordei tarde, quase oito da manha. Me arrumei rápido e as oito retomei a caminhada depois de um pouco de sucrilhos sem leite. Leite pesa na mochila kkk.

Andei, andei e andei mais…O sol torrava o couro forte…Quando era perto de meio dia eu estava na base de uma gigante rocha que se partiu com o passar dos anos (exatamente como os castelos do açú) a mais ou menos 4.900 metros. Parei ali para uma refrescada com água e pra resolver assuntos fisiológicos, é claro. Aproveitei pra filmar a paisagem…

Como ainda era cedo, resolvi ganhar mais altitude pra facilitar meu ataque aos vulcões, lá fui eu em direçãoà canaleta de moraina que leva ao Portuzuelo. Que desgraça de terreno (pra subir)…Com paciência se chega lá. A passos de tartaruga venci metro a metro e lá pelas 14 ou 14:30h cheguei a 5250 metros, já no portuzuelo no meio dos vulcões, delirei pela paisagem desolada e pela solidão completa que sentia…Pensava (serio mesmo!) assim: “Esta é a ultima escalada da viagem Paulo Roberto, faz direito e você volta pra casa pra lili e pra comidinha da Oma”.

Ainda com a mochila nas costas que por sinal incomodava pra cacete, procurei por um lugar pra montar meu bivaque que seria necessariamente mais frio. Encontrei junto à montanha uma enorme rocha que me protegia estratégicamente do vento. Ali mesmo a 5.288 metros montei o bivaque e o resto da tarde fiquei pensativo, escutando música, observando o vulcão e as mudanças de vento, considerando o movimento da fumarola do cume ativo do San Pedro, minha primeira investida.

Me sentia bem cansado, definitivamente não sou pra carregar peso, mesmo que não seja muito. Pior, em clima desértico…

E esta foi a janta antes do San Pedro no dia seguinte. (só comi uma latinha, tinha que economizar!

Continua…

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Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

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