De 5 em 5 o montanhista enche o papo! Parte I

0

Este relato conta a última aventura deste que escreve junto de seu amigo Edson Vandeira em terras altas paranaenses com um objetivo muito esperado: O mítico Pico Ciririca.

Era quarta-feira dia 17 de junho quando recebi um recado do Tácio dizendo que não poderia ir ao Itatiaia conosco. Tínhamos a intenção de chegar ao ponto culminante da linda formação rochosa Asa de Hermes, mas ele ficou ocupado por outros lados e não foi possível, fica para a próxima!

Assim sendo, trocando e-mail com o Edson, decicimos na quinta-feira dia 18.06.2009 por ir ao Paraná no dia seguinte fazer o ataque a montanha pela trilha “de cima”. Passaríamos assim por quatro cumes antes de atingir o quinto e último, o Pico Ciririca e seus 1.781 metros de altitude.

Ouço ou leio de longa data sobre a dificuldade de acesso da montanha, já escutei e li também várias vezes que, de cada 100 pessoas que tentam a montanha, aproximadamente 80 desistem. Portanto, o número de visitantes na montanha já é curto, menor ainda é o número de pessoas que chegam no Agudo de Cotia, montanha mais distante.

Não tínhamos carona nem companhia. Quando finalmente decidimos por ir na quinta-feira, imediatamente mandei um e-mail pro Pedro, pois ano passado subimos a Serra com essa intenção mas o tempo não ajudou (puro eufemismo escrever assim ahahahah) e o ataque ficou para outra oportunidade, voltamos do Tucum. O problema é que como foi muito em cima da hora, avisei ao Pedro mais em cima da hora e por isso aconteceu uma inversão de direções: nós indo para o Paraná e ele vindo para São Paulo. Mesmo assim, ele me disse que talvez o Julio aceitaria a pernada. Fiz o convite e o Julio me respondeu na própria sexta-feira, dia de nossa partida, que provavelmente conseguiria ir. A única dependência era a locomoção que ele tentaria resolver.

Partimos de São Paulo as 22:15h de sexta-feira dia 19.06.2009 pela Itapemirim, um carro promocional que custa somente R$ 40,00! Descemos no posto do Túlio (valeu pela dica Pepe!) as 04:25h da matina. Paramos no posto, compramos mais alguns quitutes como prestígio, 2 cocas e uma caixa de biscoito, e tomamos o caminho da estrada que leva a fazenda do bolinha. Como combinado, mandei um torpedo pro Julio avisando que chegamos e já estávamos andando. Ele me respondeu pouco depois dizendo que estava a caminho. Só então tivemos certeza de que ele iria.

Chegamos na fazenda do bolinha ainda com escuridão total, 05:45h da manhã. Sentamos, comemos um café da manhã rápido e quando estávamos prontos pra começar a caminhar, o Julio Fiori chegou com a Bárbara e o Moisés exatamente as 06:00h.

Não perdemos mais tempo e começamos os cinco a trilha rumo ao Camapuan. Ainda bem escuro, lanternas de cabeça. Trilha noturna o tempo todo porque a mata é bem fechada e a luz do sol não era suficiente. Antes mesmo de chegarmos a bifurcação que separa as trilhas “de cima” e “de baixo” desejamos boa trilha para eles, pois em conversa anterior contamos a nossa intenção de ir pela trilha de cima para atingir todos os cinco cumes. Apertamos o passo e fomos embora, e não os veríamos mais por longas horas.

Subimos em passo bom (até porque no começo tudo é mais fácil he he he) e em duas horas e dez minutos chegamos ao cume do Camapuan. Dali, pela primeira vez, pude ver o Pico Ciririca, límpido, sem nenhuma nuvem! Engraçado, não parece tão distante como é…

Como de costume, tiramos várias fotos…tínhamos tempo de sobra, ainda era 08:10h da manhã! Depois de muito tempo ali (acho que uns 40 u 45 minutos), descemos o pequeno vale, subimos a encosta do Tucum até seu cume onde chegamos as 09:20h. Assinamos o livro, tiramos mais dezenas de fotos e seguimos.

O negócio começa a complicar nesse ponto e aposto que muita gente trava quando vê a descida da enconsta do Tucum. Muito perigosa, muito exposta, lances de inclinação que provavelmente chegam a 70 graus! Não fazia idéia que era tão inclinada assim, não mesmo! Tesão de descida! A única proteção que existe é escolher raízes de plantas mais firmes e segurar nelas para poder descer. E assim levamos quase uma hora pra descer essa encosta até o fundo do vale.

Quando a descida terminou entramos na floresta para chegar a base do Cerro Verde. Como todo o resto da serra, muito úmida e bonita. Essa parte foi bem agradável pois ainda estava aberta o suficiente para não agarrar nas mochilas.

Chegamos na base da montanha e se continuássemos a trilha seguiríamos para o Pico Luar, para a esquerda subiríamos o Cerro Verde. Foi o que fizemos. Deixamos as mochilas para subir de ataque a montanha. Eita subidinha complicada!

Mais e mais mata fechada…a trilha até está lá, porém coberta por vegetação que esconde tudo…Quem conhece sabe de outro problema de lá, muita umidade. A cada meia hora era uma atolada de bota que ia quase até a canela!

Assinar o livro do Cerro Verde não foi possível, só havia um pedaço de papel. Ali mesmo colocamos nosso nome e descemos após tirar mais fotos do esculpido Paraná. Descemos em ritmo mais rápido pois o Edson estava com fome. Paramos na junção das trilhas e ele almoçou. Eu só comi algumas bananadas, bebi alguns goles de coca-cola, comi o resto da salada e pronto, ainda não tinha fome pra uma refeição. Tocamos pro Pico Luar.

Esse então foi sofrido. Tivemos que descer um vale profundo, cuja trilha era ainda pior que a do Cerro Verde. Quase que completamente fechada, com muito bambuzinho agarrando a mochila do Edson (crampon 80 – T&amp,R). Perdemos muito tempo com isso para falar a verdade. Acho que das 14 horas até o Ciririca, pelo menos uma foi perdida com paradas pra soltar a mochila dele. Arriscaria até dizer uma hora e meia. Malditos bambuzinhos pela centésima vez!

Que subidinha chata, não por dificuldade mas por ser um pouco mais longa do que todas as anteriores, e mais complicada, fechada…Chegamos no cume do Pico Luar a 1.635 metros às 13:55h. Ficamos ali apenas 5 minutos, foi o tempo de tirar mais algumas fotos do Pico Paraná, da belíssima garganta do Cerro Verde que mais parecida um vale encantado com todas as nuvens que ali estavam, e também da pontinha do Ciririca, que brincava com a nossa vontade de tirar fotos sumindo e reaparecendo a cada 40 segundos! As nuvens faziam uma brincadeira de esconde conosco, que coisa!
O caderno do Luar estava totalmente molhado e não foi possível assina-lo.

Já era tarde, então descemos imediatamente pois já estávamos andando ha exatas 8 horas, e estávamos no cume do Luar. Tudo bem, somos exagerados e sempre tiramos muitas fotos, mas nunca queremos pressa na montanha. A idéia é curtir ao máximo o visual e levar para casa o máximo de recordações.

Já quase no rio que desce até o “última chance” tive que segurar em um tronco relativamente fino para descer. Quando soltei meu corpo para pisar mais abaixo escorreguei e todo o peso do meu corpo e mochila ficaram somente na mão esquerda. É claro, o tronco fez um belo estrago na minha mão. O sangue pingava com vontade, mas faz parte. Seguimos e minha perna esquerda deu os primeiros sinais de dores no joelho.

A descida foi bem longa, continuamos pelo rio seguindo as pedras e as marcações da trilha por tanto tempo que nem posso mensurar. Depois desse tempo Edson reconheceu o “última chance”. Cheguei a pensar que estávamos no caminho errado pela demora, mas estivemos corretos a todo tempo. A essa altura meu joelho esquerdo já doía barbaridades, cheguei a ponto de cair no chão três vezes gritando de dor e levar quase um minuto pra ficar de pé. Acho que os trinta e poucos estão começando a pesar…

Era exatamente 17:35h quando chegamos lá e o Edson apontou pro lado dizendo “É aqui cara! Olha a trilha pra subida ali ó!”. Nem acreditei, finalmente, após longas 11,5 horas começaríamos de fato o ataque ao cume. Mas peraí! Primeiro o pôr do sol he he he.

Disse ao Edson para ir na frente porque minha perna doía demais…A dor era ridícula nas subidas mas nas descidas já era quase insuportável. Ele sumiu pela trilha doido pra ver o pôr do sol, e eu subi lentamente logo atrás. Em cinco minutos cheguei a rampa saindo da floresta, e de lá tínhamos uma visão super privilegiada do sol…Edson tirou fotos fantásticas enquanto eu estava caído no chão pensando no problema que seria continuarmos em trilha noturna pro Ciririca. “Mas quer saber? Pro inferno! Chegar nesse cume hoje é questão de honra!” pensei, “cuspi” esse pensamento pela boca e o Edson concordou de pulmão cheio. Assim sendo, as 18:10h começamos a subir os 400 metros de desnível dali até o cume.

A essa hora eu já estava bem cansado, mas subimos persistentes, com calma…até porquê pressa não adiantava mais nada, já era noite mesmo. Lanternas na cabeça, montanha acima. Escuridão total, implacável. Obviamente tínhamos certeza absoluta de que o Julio, Moisés e a Bárbara já haviam tomado como verdade que nós dois tínhamos desistido e descido para acampar mais abaixo.

Passamos por mais uma floresta fechada que só, com todos os perrengues de novo, bambú, lama, o diabo que nos carregue, e lá pelas 19:00h paramos bem nas rampas do Ciririca. Essas rampas são bem conhecidas pelo pessoal que freqüenta a montanha por serem bem expostas, um pequeno erro ali e a queda é de pelo menos 50 metros morro abaixo com chances mínimas de sobrevivência. Paramos pra um pequeno lanche. Ali comemos pé-de-moleque, um pouco de biscoito de banana com aveia, bebemos água e descansamos por mais alguns minutos.

Depois desse rápido lanche/ descanso, continuamos para o ataque final. Dali até o cume levamos 35 minutos e foi assim que, com uma mão bem machucada e com um joelho praticamente inútil, cheguei ao cume do Pico Ciririca, vendo as placas ali apenas 100 metros a frente, um pouco mais abaixo do cume da montanha. Cheguei praticamente me arrastando, e não era de cansaço não, era de dor, muita dor no joelho.

Quando os três companheiros nos viram gritaram por nós e ficaram bastante aliviados pela nossa chegada. Moisés me disse que o Julio tentou me ligar pelo menos uma dúzia de vezes, mas foram tentativas inúteis pois meu celular não tinha nenhum sinal, por isso o deixei desligado para poupar bateria. Estávamos certos quanto a nossos pensamentos, de fato eles acreditavam que tínhamos desistido e descido da montanha.

Eu tinha tanta dor no joelho que mal me agüentava de pé, mas mesmo assim fui até a única pedra que consegui sinal pro celular e liguei pra casa da lili pra avisar que estava bem, quando voltei o Edson já estava terminando de montar a barraca.

Outro detalhe foi o sono, já tínhamos bastante sono pois não pudemos dormir no ônibus indo pro Paraná, se passássemos do posto de descida, gastaríamos um tempo muito precioso para voltar até a entrada da fazenda do Bolinha porque ainda não tínhamos certeza se o Julio viria.

:: Continua

Compartilhar

Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

Deixe seu comentário