Juatinga

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A Juatinga é mais uma dentre outras maravilhas naturais que fazem a fama do estado do Rio de Janeiro. Belas e despoluídas praias e vegetação exuberante em meio a muitas montanhas tornam o lugar especialmente atraente para quem curte atividades na natureza. Por tudo isso lá estive algumas vezes fazendo circuitos parciais e completos pela orla marítima, mas faltava conhecer os 3 pontos culminantes da regiao e, de preferência, traçar algum roteiro novo que englobasse o que a Juatinga oferece de melhor: praias, cachoeiras e poços, matas e, principalmente, montanhas…

Dos três pontos culminantes da Juatinga, o  Jamanta (1.091m)  e o Cairuçu (1.093m)  são os mais altos e conhecidos.  Ambos são de acesso bastante difícil e muito poucos chegam ao topo.  Em oportunidades anteriores já tinha feito  duas tentativas de ascensão, uma  a partir da praia da Ponta Negra e outra pela praia do Sono. Em ambas cheguei bem próximo aos cumes,  mas por motivos diferentes acabei não fazendo os trechos finais. A partir da Praia do Sono havia chegado bem próximo ao topo  do Jamanta em uma dura incursão  onde fui obrigado a abortar por absoluta falta de tempo, já que era um bate e volta de reconhecimento em que dispúnhamos de um dia apenas, empreitada dura que começou as 8 da manha e terminou quase meia noite, evidenciando que  empreitada de um dia ao  Jamanta é algo inviável, principalmente se for exploratória,  como no nosso  caso.

Na tentativa do  Cairuçu foi uma situação parecida: em uma ocasião cujo objetivo era fazer a volta completa da Juatinga,  resolvemos dar uma  explorada em uma variante  que saia da trilha principal,  na região da Ponta Negra,  logo percebemos que seguia rumo ao Cairuçu e, empolgados na esperança de fazer cume,  seguirmos em frente. Além de não conseguirmos, nos enrolamos na volta e chegamos também bem tarde da noite. Tempos depois retornei decidido e,  finalmente, fiz cume do Cairuçu e ainda completei uma travessia pelas cristas da Juatinga   em direção a praia do Sono. O Jamanta era parte do plano já que ficava na crista onde passaríamos, mas mais uma vez tivemos que passar batido pela base (1.015m) por falta de tempo, pois os  dois dias que dispúnhamos foi apertadíssimo para essa empreitada exploratória de vara-mato puro. Outra pendência que teria que “resolver” cedo ou tarde, rs..

O jeito foi   “arrancar” uma data do calendário. Aproveitando  4 dias que tinha disponível em janeiro, decidi resolver as minhas “pendências” de cumes na Juatinga e emendar com um projeto que há tempos queria por em prática: fazer um circuito exclusivamente terrestre (sem barco)  que partisse  de Laranjeiras em direção a praia do Sono, subisse daí ao  Jamanta e dele descesse direto  para o Saco de Mamanguá,  retornando por terra  de volta a Laranjeiras. O objetivo era tentar fechar  um circuito bem variado  que pudesse ser repetido sem grandes  dificuldades por outros “trekkeiros” e  que englobasse praias, cachoeiras, florestas, montanhas, restinga, mangue e também  a passagem pela aldeia guarani do fundo do Mamanguá,   que fica  bem isolada e deveria ser muito interessante conhecer.

Já  conhecia a subida ao pico do Jamanta pela praia do Sono de outra ocasião, assim como  uma picada abandonada  q sai do fundo do Mamanguá e segue  direto ao Sono, além da trilha bem batida que liga o fundo do saco a Laranjeiras, essa   popular e conhecida pelos  trekkeiros  que esporadicamente andam por lá. Para fechar  o circuito faltava explorar alguns trechos,  como a parte final da subida ao cume do Jamanta,  a longa descida  direta ao Mamanguá e  uma possível alternativa para contornar o mangue do fundo do Saco   para dalí retornar a Laranjeiras. Os trechos preocupantes eram a descida do para  Mamanguá e, principalmente, contornar o mangue por terra, o que já havia tentado no passado  sem sucesso.  

Para nossa trip  estudei com detalhes  cartas topográficas e fotos de satélite e  a partir delas  tracei  possíveis trajetos que nos orientassem pela mata fechada. Além disso também contava  com o  apoio  do companheiro Thunder que já havia feito o  trecho da subida/descida do Jamanta a partir do Saco de Mamangua no ano anterior e estava  confiante que esse conhecimento pudesse ser útil nessa etapa,  apesar dele coletado tracklog algum, pois o gps que usava na época não funcionava dentro de mata fechada. Como começaríamos esse trecho a partir do cume, contava com ele para localizar o ponto correto do inicio da descida.  De qualquer forma,  aparentemente tudo indicava que esse trecho não nos traria maiores dificuldades e nos levaria direto à aldeia guarani no fundo do Mamanguá.

Mas seria da aldeia dos índios que partiríamos para o nosso maior desafio:  contornar o mangue por terra firme,  já que ele é cercado de montanhas e vegetação bastante densa. Sabia que seria uma tarefa difícil,  pois em tentativa anterior  não consegui ter sucesso. Mesmo na ocasião já tendo a informação prévia dos habitantes locais de que não havia caminho por terra,  insisti em tentar encontrar algum caminho,  mas cedi as evidencias:  a mata na borda do mangue é tão intrincada de raízes e espinhos q o avanço era  quase impossível, pelo menos no trecho em que nos encontrávamos na época, o que nos obrigou então  a seguir para  a outra margem do Saco por dentro do mangue, uma aventura emocionante e um tanto quanto suja, mas muito interessante no final http://angelozip.multiply.com/photos/album/18/Circuito_Juatinga_Ma-mangue

Entretanto, como um dos objetivos era tornar essa travessia conhecida e factível,  a opção de  cruzar  o mangue, além de repetitiva não seria  viável para a maioria que pretendesse repetir o trajeto,  devido às  dificuldades típicas de mangue:  atoleiros fétidos, fauna intimidadora (jacarés??) , travessia de rios.. e por isso a intenção era evitar essa opção a qualquer custo.  Mesmo já conhecendo  o tamanho da encrenca in loco, isto é, inexistência de caminho por terra,  achava “impossível”  não haver pelo menos uma picada da aldeia   em direção ao Sono ou Laranjeiras, afinal  são   apenas pouco mais do que 8 km até o trilhão que leva a Laranjeiras. Desta forma contava com a possibilidade de conseguir com os índios a preciosa indicação da presumida picada.

Pelas fotos de satélite pude ver, além das casas dos índios, dois objetos de formato regular ao longo do possível trajeto:  um evidente em meio a pequeno descampado  e outro minúsculo q poderia ser qualquer  coisa,  mas que supus ser um casebre ou algo do tipo. A partir da aldeia fui traçando uma rota em cima do que mais se assemelhava a vestígios de caminho  ligando um casebre ao outro a partir da aldeia. Chegando ao ultimo presumível rancho  já estaria  próximo ao morro onde passa uma  picada que liga o fundo do Mamanguá à Praia do Sono,  já conhecido de outra oportunidade,  e provavelmente teria no máximo uns 700 metros de vara-mato até a trilha.

O planejado era   sair da praia do Sono, subir até a cota dos 1000 metros no primeiro dia,  fazer pico do Jamanta e perambular pelas imediações no segundo, descer para a aldeia no terceiro e fazer a borda do mangue no quarto, tudo com certa folga para q os objetivos fossem alcançados. Entretanto começamos não muito bem: logo na saída de São Paulo perdi a hora para levantar  e partimos da cidade com umas 4 horas de atraso. A consequência foi que começamos a caminhar a partir de Laranjeiras,  no município de Paraty, super tarde,  por volta das 14,30 horas, o q significava que seria impossível chegar ao pico do Jamanta no primeiro dia, paciência…

Caminhando rápido e com sol a pino,  partindo de Laranjeiras,  em menos de 1 hora já estávamos no Sono (4 km) prontos para pegar o emaranhado de trilhas locais e  chegar na picada q efetivamente  sobe a montanha, mas antes de sair não deu para resistir às pitangas gigantes, doces e suculentas,  que abundavam nas arvores da praia. Assim que nos satisfizemos não mais perdemos tempo. O caminho inicia-se em frente ao telefone publico no centrinho da praia do Sono. De lá se deve seguir pela trilha do Cachoeirão, um caminho bem conhecido dos locais.  

Até chegar a picada  que sobe a serra são várias bifurcações que realmente confundem, mas basicamente o caminho segue o vale acompanhando o riacho  Jamanta até por volta da cota de 170 metros,  em que sai uma picada à direita, rumo leste,  em direção a crista que nos levará  ao pico do Jamanta. É bom lembrar que é um desnível respeitável,  em que se parte da cota zero  para 1.091 metros.  A picada segue morro acima razoavelmente delineada,  ainda no domínio do uso local, mas na cota dos 300 e poucos metros some e daí até  pouco acima dos 535 metros é vara-mato, mas sem grandes dificuldades desde que se esteja orientado (carta, altímetro,  bussola..), sem o qual se  corre sérios riscos de se perder em meio a vegetação alta e densa, sem qualquer referencial visual.

Quem for muito atento poderá notar algumas marcas de facão pelo caminho. O tempo passava rapidamente e considerávamos duas possibilidades: acampar em um selado na cota dos 480 metros a frente, que eu já conhecia e parecia viável,  ou seguir mais algumas horas caminhando a noite, pois a partir dali seguiríamos por uma crista bem mais definida e com o caminho mais nítido,  viável de se fazer a noite  com boas head lamps. Entretanto,  quando chegamos ao  ponto de acampamento no selado, 3 horas a partir do Sono,   a maioria decidiu sabiamente estacionar por ali mesmo. Consultando a carta do IBGE deu pra perceber que  havia água nas proximidades, ou melhor, na vertente noroeste da montanha. Fomos conferir e em pouco menos de 100 metros de caminhada fácil  a encontramos.  

Era quase  8 horas da noite (horário de verão)  e os últimos raios de luz penetravam entre as copas das arvores. De volta às mochilas preparamos o terreno que acomodou razoavelmente as nossas 3 barracas,  nos fartamos de um bom jantar e fomos dormir torcendo para que o tempo seguisse firme.
   
No dia seguinte o bom tempo nos animou e  conseguimos levantar acampamento por volta das 8 horas da manha rumo ao pico.  A partir dali sabia q a subida seria árdua, mas confortava os demais (Thunder e Ericson)  com o fato de que a partir do pico não haveria mais esse tipo de sofrimento, pois praticamente só descida nos aguardava. Em ritmo forte, por volta das 10,30 chegamos à cota dos 972m, uma pequena clareira que acomoda umas 3 barracas. Dali não conhecia o caminho ao pico, que dista 300 metros do local e a pouco mais de 100 metros de desnível. Conhecia somente  a crista que seguia paralela ao litoral no sentido da Ponta Negra e o ponto de água em um vale acessível a partir dela, frutos da minha ultima exploração por lá. Esse era o ultimo ponto d"água q tinha conhecimento e, portanto,  deveríamos nos abastecer para pelo menos um dia e meio, já que água mesmo, somente bem abaixo do Jamanta, na descida para a aldeia, segundo o Thunder. Uma preocupação grande  dos que sobem ao Jamanta é água, que pode inviabilizar totalmente uma longa travessia como a que nos propusemos. 

Conhecidos que lá subiram tentaram repetir essa trip com o meu tracklog não conseguiram encontra-la, abortando a travessia. A  água esta  lá, basta  ter disposição e traquejo para saber encontra-la, pois fica no fundo de um grande vale de captação que é nascente de um dos maiores rios da Juatinga, que vai desaguar em Martin de Sá.  Além de que foi dito recomendo também não se confiar cegamente  na precisão de GPS, que em certas circunstâncias  podem apresentar  desvios consideráveis, seja no momento em que são coletados os pontos do trajeto,  seja quando utilizados como referencia de localização, pois  condições atmosféricas (nuvens carregadas nos cumes),  vegetação  densa, vales profundos ou uma combinação desses fatores podem levar a erros de dezenas de metros no posicionamento. Devem ser utilizados apenas como uma referencia a mais, dentre outras alternativas de instrumentos, mapas e conhecimento..  principalmente  para quem necessita fazer uma navegação técnica.  “Faro” é para índio e mesmo assim, para os de filme.. Para quem não concorda basta ver o nível de “perdidos”  e erros de localização para conferir..
 
Em função do atraso inicial, nossos  planos já haviam mudado um pouco e  ficaríamos somente uma noite acampados no pico,  pois já estávamos no segundo dia. Abastecidos de água  partimos então de volta a clareira para encontrar um caminho para cume. Como havia picada até aquele ponto, algo que não havia há quase 2 anos  qdo estive ali, presumi que deveria haver também até o pico. Rapidamente constamos q havia sim, tênue, mas estava lá. Fomos então seguindo a dita cuja, q por sinal estava em cima da previsão de caminho que eu  havia  plotado.  Assim,  logo chegamos na base do pico, mas havia  ainda um desnível  em torno de 80 metros para vencermos,  que não parece muito, mas no caso era consideravelmente íngreme, mas viável de subir com cargueiras. 

Alguns pontos de confusão e finalmente chegamos em um topo rochoso,  que  segundo o GPS poderia ser o “Jamanta”, mas o Thunder,  que esteve no pico em setembro do ano anterior,  teimava que não era ali que havia estado… caramba!  O jeito então foi seguir para um topo um pouco mais alto logo a seguir e fomos em frente, esperançosos de achar o tal rochoso.  Chegando nesse topo  não havia visual, muito menos rochoso,  e continuamos seguindo a crista por entre arbustos espinhentos e algo  pisados,  até vislumbramos q estávamos em um dos 3 picos mais altos da Juatinga, esse sim o verdadeiro cume do Jamanta. Os outros eram distantes e também cobertos por mata, ou seja, tudo indicava que o rochoso q estivemos antes era mesmo o local de acampamento no topo, vulgo Jamanta, mas mesmo assim seguimos explorando adiante na esperança de encontrarmos a tal pedra que o Thunder tinha estado meses antes.

Depois de um bom tempo caminhando e se sem sinal do tal local, voltamos ao rochoso inicial e nosso amigo analisando melhor a paisagem, agora com o tempo aberto e consultando mais detalhadamente a memória confirmou q era ali mesmo, ufa!!  Um dos motivos da confusão é que havia crescido muita vegetação no entorno, segundo ele, e o outro é que as nuvens encobriam  referencias quando havíamos passado ali,  tudo bem, estava desculpado,  pois minha memória também não é das melhores..
 
Desculpei, mas continuei  duvidando da qualidade do “chip” de armazenamento dele, rss..    já  descartando a hipótese de que ele se lembrasse do ponto em deveríamos baixar em direção à aldeia depois de algumas tentativas frustradas que fizemos nesse dia. O jeito então seria  recorrer as minhas plotagens de caminho presumido que havia preparado,  mas isso  era preocupações para o dia seguinte.  Nesse dia como  retornamos cedo à pedra, algo em torno da 16 horas, tivemos tempo de sobra para curtimos o lugar.

Depois de uma breve e civilizada disputa territorial, com cara feia e olhares ameaçadores rss..  para escolhermos o melhor local de  acampamento no exíguo  espaço disponível,  que no máximo acomoda 3 barraquinhas,  pudemos montá-las com a maior calma. Surpresa mesmo foi a decisão do Ericson de armar sua barraca antes da subida do pico, um pouco longe dali,  argumentando  que iria dormir super cedo (19hs) e que não aguentaria nosso bla-bla-bla até tarde… Bom,  o mínimo q tínhamos a fazer seria respeitar, cada um com suas manias.

Passadas algumas horas, entretanto, eis q o Ericson estava de volta, pois havia ouvido vozes e ficara preocupado.. No meu caso, eu ficaria preocupado se tivesse ouvido rugidos, grunhidos, rss…  Tivemos sorte, pois as nuvens dissiparam-se  nesse fim de tarde e fomos brindados com um belíssimo  por do Sol.  Via-se nitidamente Parati, parte do Saco de Mamanguá, o continente e  várias praias do lado do mar, além de cidades longínquas q vislumbramos a noite que, pela quantidade de luzes,  deduzimos serem possivelmente São Sebastião e Ilha Bela.

A intenção era acordar bem cedo no dia seguinte para não perder o nascer do Sol, mas devido a uma informação furada de alguém de que o tempo estava fechado, acabei perdendo a oportunidade e dormindo um pouco mais. Já o Thunder foi mais ágil,  despertou na hora certa  e não perdeu o belo visual.  Estávamos no terceiro dia, mais uma vez com tempo firme, poucas nuvens, muito sol, tempo animador e novos desafios a vencer: o mais importante  seria achar o ponto e  da descida para o Mamanguá, o que já havíamos tentado encontrar no dia anterior nas nossas andanças pela crista, sem resultado. 

O segundo desafio seria chegar ao Saco de Mamanguá até o final do dia, objetivos difíceis e incertos.. Saindo do Jamanta pela crista, sentido norte, tentávamos achar qualquer coisa q seria indicio de picada, mato amassado,  pegadas ou algo q sugerisse um sentido para baixar ao Saco.  A primeira possibilidade foi uma picada que da em um campo de bromélias, que batia com a memória do Thunder, mas que  logo se revelou uma furada pois não dava em nada. Na falta de outra pista o jeito foi encarar  um vara mato mesmo,  muito bambuzinho,  vegetação arbustiva densa e  ralação de primeira, mas pelo menos estava seguindo um rumo pré-traçado que nos levaria, teoricamente,  a interceptar uma crista descendente um pouco mais abaixo que havia plotado. 

Nesse emaranhado de arbustos,  bambus e espinhos eu  fui o único que estava a caráter desde o inicio: calça grossa, camiseta de manga comprida, luvas, chapéu. O Thunder estava de camiseta de manga curta e o Ericson de bermuda. Todos foram avisados do que poderiam enfrentar e de como deveriam se vestir. O resultado  final foi previsível: os bambus-lixa e capim navalha deixaram marcas inesquecíveis nos braços, pescoços e pernas dos nossos amigos e eu fui o único a sair ileso,  apesar de ir na frente abrindo caminho,  rss….

Continua…
Texto de Angelo Geron Neto e fotos de Thunder
Mais fotos: http://thunder72.multiply.com/photos/album/40/Circuito_Joatinga_#

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