5 anos do incêndio do Caratuva

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No feriado de 7 de setembro de 2007 aconteceu o pior episódio de incêndio em montanha na Serra do Mar paranaense, quando o Caratuva, segunda montanha mais alta do Sul do Brasil, ardeu em chamas por diversas semanas. O que podemos aprender com este episódio?

Incêndio no Caratuva em 2007 – Fonte: Arquivo pessoal de Elcio Douglas

Toda vez que falo do incêndio do Caratuva de 2007 ouço histórias de montanhistas comprometidos lutando contra a força destrutiva de um fogaréu catastrófico para salvar a montanha e o meio ambiente. Ouço a condenação de todos pelo ato irresponsável e estúpido de fazer fogueiras em acampamentos, além é claro de insultos àqueles famigerados seres que destroem a beleza harmônica e estética da natureza os quais convenhamos chamar de “Farofeiros”.

O incêndio de 2007 no Caratuva foi traumático, pois por mais que houvesse um grande esforço em conjunto para combatê-lo, ele nunca cessava. Este incêndio queimou por dias a fio a parte superior dos solos orgânicos da matinha nebular da montanha, que naquele feriado de 7 setembro estava bastante seco devido uma estiagem prolongada. Estas condições foram ideais para a queimada e o solo seco foi um eficiente combustível que alimentou as chamas por semanas, até finalmente a chuva cessou por inteiro o fogo.

Incêndio no Caratuva em 2007 – Fonte: Arquivo pessoal de Elcio Douglas

A primeira lição que podemos tirar deste incêndio é que na Serra do Mar, as características de relevo e vegetação dão origem a um solo que quando seco é inflamável, dando origem à incêndios subterrâneos extremamente perigosos e difíceis de serem combatidos.

Outra lição, que pretendo introduzir neste texto é sobre o papel do fogo como agente de intervenção natural das paisagens. Este tema é bastante polêmico e não há uma aceitação geral na comunidade científica por diversos motivos. Ignorar a ação do fogo na evolução e manutenção de ecossistemas na paisagem através do tempo geológico, no entanto, é ignorar um dos processos mais catastróficos de intervenção ecológica. Ou seja, por mais que as pessoas possam achar que incêndio na montanha é ruim, eles podem ser naturais. Vejamos o que o episódio de 5 anos atrás no Caratuva pode nos ensinar a respeito.

Vegetação campestre colonizando a região queimada do Caratuva em 2012. – Fonte: Arquivo pessoal de Pedro Hauck

A ideia de que incêndios florestais podem influenciar na evolução genética de ecossistemas se tornou um paradigma com o estudo das florestas de Pinus da Califórnia. No Brasil, o botânico Leopoldo Magno Coutinho estudou a evolução das plantas do cerrado através deste ponto de vista e elaborou uma importante teoria sobre o que ele chamou de pirobiomas, ou seja, ecossistemas adaptados às queimadas que sua própria regeneração depende desta intervenção natural.

Coutinho observou que as plantas do cerrado têm estruturas adaptadas a resistir à queimadas, como cascas grossas que protegem a planta do calor e não propagam as chamas, folhas coriáceas, céspedes, rizomas e bulbos, além do fato destas plantas terem muitos polens. As queimadas controlariam a biomassa dos cerrados, produzindo os ecossistemas de Cerradão, Cerrado Sensu Strictu, Campo sujo e Campo limpo, sendo esta uma ordem inversa de sucessão ecológica.

Vegetação campestre colonizando a região queimada do Caratuva em 2012. – Fonte: Arquivo pessoal de Pedro Hauck

Apesar de haver teorias que provam que a evolução do cerrado tem muita influencia dos solos sobre a vegetação, é inegável que a partir de uma queimada o cerrado se renova, primeiro com uma recolonizarão do território devastado pelas gramíneas, até que as arbóreas voltam a dominar o terreno.

Estas idéias são muito importantes principalmente se voltarmos ao passado, quando observamos que há 10 mil anos atrás, sob efeito de um clima mais seco e mais frio não haviam florestas nos topos das Serra do Mar, apenas os campos de altitude. Pesquisas paleopalinológicas realizadas pela equipe do palinólogo alemão Hermann Behling mostram que os planaltos do Sul eram povoados exclusivamente por vegetação campestre durante aquele período e que as florestas de araucária começaram a colonizar o terreno a partir de 3 mil anos atrás, quando foi retomado um clima mais úmido.

De acordo com a Teoria dos Refúgios Florestais, elaborada pelo saudoso geógrafo Aziz Nacib Ab´Sáber, o sopé da Serra do Mar foi, durante a fase mais seca da ultima glaciação, um dos poucos locais onde a umidade foi preservada, isso por conta das chuvas orográficas. Existia então naquele período um contraste entre os topos com vegetação campestre e as baixadas úmidas com vegetação florestal.

Outro local na Serra do Mar onde incêndio controlam a biomassa vegetacional: Capivari Média e Capivari Mirim – Fonte: Arquivo pessoal de Pedro Hauck

Muito provavelmente, com o término das condições climáticas reinantes durante a glaciação, a vegetação florestal encontrou todas as condições para seu desenvolvimento e um terreno livre para colonizar. De fato, as pesquisas de Behling atestam esta história, mas, no entanto porque, mesmo com todas estas condições, ainda existem campos nos topos das montanhas da Serra do Mar?

Uma das respostas para esta pergunta são os solos. Em minhas pesquisas (ainda não publicadas, por favor não roubem este dado), percebi que os campos estão assentados sobre  ombreiras, cumes e cristas elevadas que são superfícies de cimeira, paleosuperfícies de erosão que são remanescentes geomorfológicos de relevos planos antigos sobreviventes à erosão e ao tectonismo. Estas topografias estão há muito tempo submetidos à intempéries e o resultado é que em quase todos estes locais encontro crostas lateríticas, que são concentrações de óxidos e hidróxidos que contem entre outros metais o Alumínio, tóxico à plantas que faz que as mesmas não absorva Potássio, mineral de crescimento da vegetação. Ou seja, esta vegetação do passado não está lá à toa, ela pode estar fortemente controlada por fatores edáficos.

No entanto, os solos podem não ser os únicos controladores dos campos, e o incêndio do Caratuva está aí para mostrar isso, daí o significado científico de sua observação.

Nos 5 anos que se passaram desde o incêndio, nota-se que este tempo não foi suficiente para que a matinha nebular, ecossistema floresta em notável competição os campos, não conseguiu se regenerar. Ao contrário disso, os campos encontraram um novo espaço para colonizar. Sem a vegetação florestal, a erosão é muito maior e a evolução dos solos é dificultada, sendo assim, a floresta não consegue obter um substrato que possibilite seu crescimento. Somente com muita estabilidade, o solo no Caratuva poderia novamente evoluir e dar sustentação à uma floresta, mas quanto tempo será necessário para isso?

O Caratuva é um laboratório natural para observação da dinâmica de evolução da paisagem.

Daqui uns anos, poderemos saber o tempo necessário para a matinha nebular substituir os campos nas montanhas e ter uma ideia mais precisa da influência do fogo na manutenção dos campos de altitude.

Uma coisa é certa e podemos afirmar sem dúvidas. Os campos são uma vegetação do passado e está fadada a desaparecer no nosso clima atual. Só não sabemos se sua manutenção se dá mais pela intervenção do fogo ou dos solos, ou então dos dois.

Cenário hipotético das paisagens do leste do Paraná durante a ultima glaciação. A vegetação de campos seria um remanescente desta antiga paisagem – Fonte: Arquivo pessoal de Pedro Hauck

Para saber mais:

Dissertação de mestrado Pedro Hauck UFPR

ARTIGO sobre a evolução da paisagem no Paraná, Revista RAEGA

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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