Brasileiro Carlos Morey conta o que ocorreu no Everest

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O brasileiro Carlos Morey conta detalhes dos imprevistos que aconteceram em seu ataque ao cume do Everest, a montanha mais alta do mundo

O brasileiro Carlos Morey, que se estava tentando o cume do Everest nesta temporada, e devido a problemas foi obrigado a retornar ao Campo 4.

Abaixo, em texto publicado por Patricia Paladino no site "O Meu Everest" (www.omeueverest.com/blog) de Luciano Pires, segue um breve relato de Morey sobre o ocorrido na tentativa de cume na montanha mais alta do mundo.

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"Estamos de volta ao Campo Base do Everest após o ataque ao cume dos 8.850m do Mt. Everest. Infelizmente, apesar de estar superbem no dia 18/05, não pude ir além dos 8.500m de altitude, numa região da montanha conhecida como Balcony.

Lamento se frustrei a linda torcida e o apoio que recebi de todos ao longo do tempo que estive aqui, mas o maior frustrado, creio, sou eu mesmo. Sobretudo pelas circunstâncias que me levaram a tomar a difícil decisão de regressar ao Campo 4. Mas usei como princípio preservar a minha segurança e a dos demais da montanha para tomar essa decisão. A seguir irei detalhar os dias que antecederam o dia 18/05 e ver como detalhes podem influenciar os resultados de um projeto.

O Projeto Everest demandou quase dois anos diretos da minha vida pessoal e quase dois meses aqui na montanha. Os dias aqui foram muito difíceis, por exemplo, tanto tempo longe da família, amigos, de casa, de uma TV, de um banheiro, de uma cama, roupas limpas e, porque não falar, da falta de assistir um jogo do São Paulo, por mais ruim que esteja jogando. Mas essa experiência eu vou levar para o resto da vida. E com a mesma simplicidade, disciplina e força de vontade que me trouxeram aqui vou usar nos desafios que enfrentamos diariamente na vida.

Próximos desafios? Por enquanto não tenho nada seguro, mas espero descansar um bom tempo antes de voltar a uma montanha. Uma viagem para uma praia seria mais apropriado para o momento…

Me coloco à disposição para compartilhar os conhecimentos adquiridos aqui e a experiência para aqueles que desejam trilhar o caminho dos 7 Summits e assim poder conhecer essas lindas e maravilhosas montanhas que tanto me ensinaram.

Estarei no Campo Base mais uns dois dias e depois começo o longo caminho até em casa, creio que uns 24.995km… Em uns 10 dias devo estar de volta ao Brasil.

Cronologia do Summit Push

15/05: Ida do Campo Base ao Campo 2
Tive uma péssima noite. Muita ansiedade me impediram de dormir um só minuto. Isso afetou o meu apetite, não comi nada no café da manhã.

Saímos às 4h30, Willie (guia) e mais nós quatro (eu, Doug, Bill e Nick). Estávamos superpesados e fomos bem devagar através do Ice Fall. O Nick também estava maus. Ficamos para trás e levamos 6h30 para chegar, exaustos, ao Campo 2. Sobretudo porque estava um dia superaberto. Medimos +50C de temperatura.

16/05: Descanso no Campo 2
Passamos o dia descansando e preparando os equipamentos para levar para cima. Dois itens a destacar:

Tinha cinco lentes de contato, decidi levar apenas duas para cima. Achei que tinha mais lentes no Campo 3. Tenho -5 de miopia. Sem lente eu não enxergo.

Estava com três lanternas de cabeça. Duas minhas, que o Willie não gostou, e uma emprestada que ninguém sabia quanto iria durar as baterias. Resultado, o Willie ficou com as minhas duas lanternas, me deu uma dele e eu deixei a lanterna que ninguém sabia a duração das baterias. E levei baterias de backup.

A equipe Orange veio superbem, apesar da desistência do Neil e do Dave logo no início do Ice Fall (previsto). O Neil_A sofreu também pra chegar no Campo 2.

17/05: Ida para o Campo 3
Tenho uma mochila muito grande e pesada (Contour IV). Não tragam ela para o Everest. O crime não compensa. Logo no início da caminhada ao Campo 3, larguei a mochila e peguei emprestado do Willie uma North Face. Salvou o dia. Saímos às 5h e em 4h45 chegamos ao Campo 3. Nosso melhor tempo.

Passamos o dia e a noite usando o oxigênio e a mascara. Me adaptei bem…

18/05 Grande Dia – Ida ao Campo 4 e Ataque ao Cume
O dia começou com muito frio e vento. Ao invés de saírmos às 6h, saímos às 7h. Caminho duro… Começa com a ascensão do Lhotse Face até a altura da Faixa Amarela (Yellow Band). Cruzamos essa parte rochosa da montanha e fazemos uma transversal até o Esporão Genebra. Subimos até a sua crista e depois de uma breve caminhada chegamos ao Colo Sul. Fizemos o trajeto em seis horas, ou seja, chegando às 13h. A essa hora o relógio começa a correr, pois às 21h iremos tentar chegar aos 8.850m do cume.

A ansiedade é tanta que você não consegue dormir. E olhando pelo que falta, dá um frio na espinha. Entramos na barraca (dividi em todos os acampamentos com o Nick) e fomos hidratar e comer. Fomos avisados que às 19h iríamos receber a água para a janta e para usar na caminhada. E que às 20h deveríamos começar a nos vestir.

Às 19h chegou a água e eu comecei a preparar uma espaguete à bolonhesa. Quando fui ler as instruções de preparo, notei que o olho direito não estava enxergando bem. Estava usando uma lente que trouxera do Brasil (há quase dois meses). Tinha comigo duas lentes que pensava usar como emergência no Ataque ao Cume. Pensei: emergências não devem ocorrer, quase nunca ocorreram comigo nesses 25 anos de uso de lente. Tomei a decisão de trocar as duas lentes e colocar duas novas para o Ataque ao Cume. E as usadas deixei na barraca.

Às 20h veio o pessoal. Algumas expedições começaram a subir. Tínhamos a informação de que 120 pessoas iriam subir naquela noite, compartilhando a mesma corda. O Willie ficou alucinado com a idéia de ficar para trás e começou a nos pilhar. Me senti como uma noiva no dia do casamento, um sherpa me colocou a bota, o outro me vestiu, o outro colocou os crampões, o outro a caderinha, o outro trocou o oxigênio, o outro regulou o fluxo de O2 e assim foi ate às 21h, quando saímos.

Éramos nove: o Willie, nós quatro e mais os quatro sherpas nos acompanhando. O sherpa que ia comigo se chama Nima Galyen e ele já fez sete vezes o cume do Everest. Como sempre, fiquei na última posição. E nosso time era forte… Fomos passando todos os que estavam à nossa frente. Por mais que eles não gostassem, pois para passar a pessoa da frente ele deve parar e consentir que eu passe a minha segurança sobre a dele. O que é uma segurança? É um mosquetão e um ascensor (vulgo jumar). Dá trabalho.

Estava superbem e forte e acompanhando o ritmo do pessoal. A noite estava maravilhosa. Como o Charles pediu. Quente (uns -20ºC ou -25°C) e sem vento. Pouco antes de chegar na metade do caminho (região conhecida como Balcony) comecei a sentir os primeiros problemas. A lanterna de cabeça comecou a dar sinais que o frio estavam desgastando as baterias. Pensei em trocar na Balcony, pois lá também trocamos o primeiro cilindro de oxigênio.

Segundo problema: o frio começou a congelar as válvulas da máscara. Principalmente as de saída de dioxido de carbono. Com isso ela começa a sufocar. Avisei o sherpa, o Nima, e ele começou a tentar liberar as válvulas. Durou pouco tempo.

Chegamos à Balcony em umas quatro horas e troquei o meu cilindro. Quando quis trocar as baterias da lanterna e liberar as válvulas da máscara, o Willie decidiu logo sair para sermos os primeiros na trilha. Saí no escuro e com a máscara a meia-boca.

Depois de uns 50 metros da Balcony a máscara travou novamente. Avisei o Nima e ele começou a me esmurrar e dar tapas na máscara. Parece meio estranho, mas entendo como normal. O problema ocorreu quando num desses tapas ele acertou o meu olho e a minha lente de contato voou longe. Estávamos numa crista com uns 500m de queda para um lado e uns 3km para o outro (para a Face Leste). Fiquei "caolho". Tentei achar a lente na neve, pois sabia que só no Campo 4 estariam as sobressalentes. Olhei para cima, mal conseguia ver o resto da trilha, para baixo, um monte de luzes ofuscadas pela miopia. Quem tem sabe o que eu quero dizer…

Estava superbem, mas tive que tomar a decisão de desistir, pois não teria como enxergar o caminho. E quando amanhecesse seria pior, pois teria mais luzes e maior noção de onde estava passando. Foi com muito pesar e frustração que decidi abrir mão do meu sonho e pensar em primeiro lugar na minha segurança e nos demais que ali estavam na montanha. Entre mil tombos e escorregões conseguimos, em 2h30, voltar ao Campo 4. E, às 7h17 do dia 19 de maio fiquei sabendo que todos os demais do meu time chegaram ao Topo do Mundo. Fiquei feliz e triste por não estar com eles.

19/05: Segundo Ataque
Obviamente dormi mal. Cheguei ao Campo 4 às 4h30 e acordei às 7h, quando fiquei sabendo da conquista do nosso time. O primeiro a chegar ao cume no dia 19. Passei a manhã pensando no erro das lentes de contato, do problema da máscara, do problema da lanterna de cabeça etc. Muitas coincidências. Poderia pedir para tentar subir com o Time Orange. Pensei, pensei, pensei… Avaliei o meu estado fisico e o do sherpa que iria comigo e tomei a decisão de nao ir com o Time Orange. Não teria a mesma força e provavelmente teria que descer no meio do caminho.

A Adele até que me convidou, mas resolvi descer com o meu time no dia seguinte até o Campo 2 e hoje até aqui. Estou chateado e feliz por ter terminado um dos maiores, senão o maior, projeto da minha vida.

Fico à disposição para um maior esclarecimento sobre esses dias. Sei que fui resumido, mas acho que coloquei os componentes principais da trama.

Abraços,
Morey”

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Fonte: Texto de Patricia Paladino no site O Meu Everest (http://www.omeueverest.com/blog/)

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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