Tartaruga – Garuva: Final

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Desembocamos no laguinho as 14hrs, na cota dos 1275m, e vendo q estávamos adiantados em nosso cronograma e no rumo certo, resolvemos lagartear ali mais um pouco. O local é encantador, pois o lago é cercado de montanhas q lhe conferem um aspecto exclusivista, reservado apenas à andarilhos privilegiados como nós, pois o acesso é totalmente fora de mão aos demais mortais. Algumas mini-cachus nas proximidades marulham na mata baixa ao redor, onde abundam dejetos do q parece ser de capivaras. Sim, capivaras acima dos mil metros de altitude, alem de pegadas de pequenos felinos! Pois bem, naquele local deslumbrante ficamos à toa, apreciando a paisagem ou simplesmente descansando. Banho q é bom, nada, pois a água tava tinido de gelada. Mas isso não intimidou a Milena, q redimiu seu atraso como digna representante do sexo frágil e mergulhou na água de uma vez, pra espanto de uma machaiada boquiaberta.

Leia a primeira parte do relato

Retomamos a pernada meia hora depois, no mesmo instante em q as brumas tomavam de assalto novamente o planalto, ocultando td ao nosso redor. É, o Quiriri é assim, uma hora ta td aberto pra noutro fechar novamente! Contudo, nosso sentido era sudeste através da morraria, sem maiores dificuldades. Sendo assim, acompanhamos o rastro do q fora uma estradinha saindo do laguinho, mas q logo se transformou numa vala erodida q passou a descer a encosta do morro sgte, agora sem trilha alguma. Na seqüência alternamos suaves sobe-desces pela pradaria ondulada, sempre envoltos por opaca e espessa nebulosidade, agora acompanhada de vento e finas gotículas de água, q nos obrigou a vestir os anorakes.

Após andar em nível e descer pelo pasto a encosta sgte, atravessamos um mega-charco, chapinhando ruidosamente pelo brejo ate cair num bem-vindo riozinho, onde enchemos os cantis. Passamos por baixo de uma cerca de arame farpado e começamos a subir suavemente a ultima elevação do caminho, através do pasto e das aderências rochosas, pra depois descer pro outro lado, onde estacionamos em definitivo num amplo gramado plano ao pé de uma enorme rocha na cota dos 1375m, as 16:40. Diferentemente do pernoite anterior, aqui era terrivelmente exposto e o vento castigava a crista impiedosamente! Montamos com alguma dificuldade as barracas, as pressas, enqto pequenas gotas começam a despencar timidamente do céu! Não deu nem pra fazer a social da noite anterior, pois assim montadas as tendas tds se enfiaram em seus respectivos “aposentos”, batendo queixo de frio! Cada um então iniciou seu ritual de preparar a janta e, naquele característico ócio mais q justificado, mergulhou sem alternativas em seu casulo de poliéster disposto a cair decididamente nos braços de Morpheus.

Adormecemos antes mesmo da luz natural ir embora por completo, mas a noite fora um tanto incômoda devido a vários fatores. Pra variar, choveu horrores acompanhado de fortes rajadas de vento q balançavam a armação de nossas tendas, e o som trepidante e ensurdecedor do sobre teto chacoalhando ao relento não deixaram a Milena dormir em paz. Montara errado a barraca e agora tinha q aturar tb a lateral úmida td arqueada, quase encostando na minha cabeça! Paciência, eu q não ia sair lá fora arrumar td novamente de jeito algum! Mas pior foi qdo começou a gotejar dentro, umedecendo o saco-de-dormir na região dos pés. “Dane-se”, pensei. A noite passa rápido. E voltei a dormir àquele sono picado típico de noites insones. De madrugada fui forcado a sair pra “regar a moita” e qual minha surpresa ao me deparar com o céu totalmente limpo, coalhado de estrelas! Um tapete de nuvens abaixo de nós cobria td paisagem, onde as luzes de Garuva resplandeciam naquele véu alvo timidamente, á leste. Esta visão inspiradora fez com q torna-se a dormir bem animado, já q a previsão do tempo dava conta q o tempo pro dia sgte seria chuvoso e nublado.
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PERRENGUE ANFIBIO SENTIDO GARUVA
E não é q a previsão tava correta? Qual foi meu desapontamento ao espiar o tempo lá fora assim q levantei e, diferentemente daquela magnífica visão q tivera a noite, agora não enxergava um palmo a minha frente. E ainda por cima garoava levemente! Paciência, de qq maneira tínhamos q sair dali cedo. Com chuva ou sem. Sendo assim, acordamos a contragosto as 5hrs e, dentro das barracas, já começamos a ordenar as coisas enqto mastigávamos algo pra depois encarar a friaca de garoa úmida e fria lá fora.

Começamos a pernada daquela segunda de feriado as 6:20, descendo por larga crista serrana aos ziguezagues através do pasto e de lajotas. Visu q é bom, nada. Apenas um vento frio uivava na pradaria e uma fina garoa fustigava nossos rostos, ainda tentando se acostumar à mudança de clima de dentro das barracas. E no meio daquele denso nevoeiro q palmilhávamos, começamos a ouvir medonhos ribombos de trovoes se aproximando, ao longe! Ah, não.. era só o q faltava!

Pois bem, não tardou e chegamos num enorme bloco de granito na beirada da serra onde tivemos duvidas de q lado seguir. Mas a hábil navegação do Mamute, co-pilotada pelo Ângelo, diziam q devíamos contornar a dita cuja pela esquerda. Bingo. A picada realmente surgiu lá e então começamos a perder rapidamente altitude piramba abaixo. E foi durante essa descida q o vento q nos acoitava começou a revelar uma paisagem deslumbrante se descortinando à nossa frente: um imenso platô repleto de suaves ondulações de pasto dançando ao vento, cercado de altas e imponentes montanhas q por sua vez seguia por uma crista única pro sul, a ultima dessas montanhas, contudo, era diferente das demais e eu já conhecia de fotos por se assemelhar a uma pirâmide, porem com dois cumes.

Descemos ao platô no mesmo instante em q começou a chover, acompanhando as picadas q seguiam rumo ao Pico Jurema, através das suaves ondulações, ora por cima das colinas ora em nível, ate nos depararmos com dois pequenos vales. Este bastou apenas descer sem dificuldade alguma, cruzar seus borbulhantes riachos, e subir a encosta sgte pra prosseguir nossa pernada rumo ao Jurema, uma vez q a rota pro Garuva era a mesma. Após cruzar o ultimo riacho começou a subida derradeira pro Garuva, cujo topo estava imerso nas nuvens. E tome ziguezague íngreme através de sua encosta de pasto e pedra! No caminho atravessamos vários canteiros e jardins de bromélias e, olhando à nossa direita, podíamos apreciar perfeitamente a planície da Baia de Babitonga, aos sopé de uma serra coberta de denso negrume!

Alcançamos o alto dos 1288m do Garuva as 8hrs, sob fina chuva e um vento frio desgraçados! O topo é estreito, onde uma pequena rocha q serve de mirante divide espaço com muitos matacões de bromélias e vegetação arbustiva. O visual lá de cima era bem inspirador, apesar do mau tempo, a planície catarinense contrasta enormemente com os abismos despencando da serra q palmilhávamos, recortada por sua vez em sucessivos abismos e montanhas! Mas como a água fria da chuva escorria pelo rosto e pingava caudalosa pela ponta do nariz, os músculos começaram a se retesar de frio devido ao forte vento, aumentando a necessidade de nos movimentar o qto antes, isto é, dar continuidade a pernada!

Do topo do Garuva bastou tomar uma picada q ia no sentido do Jurema, descendo uma pirambeira de pasto e rocha quase vertical, q alem de escorregadia era lamacenta como nenhuma outra e demandou uso de tanto braço qto pernas pra ser vencida. Chegamos então na estreita e recortada crista q interliga o Garuva ao Jurema por meio de uma curta sucessão de cocorutos. No entanto, não andamos nem a metade q mergulhamos numa picada discreta caindo pela esquerda e se enfia de vez na mata, serra abaixo! E foi aí q o q era uma garoa leve transformou-se numa chuva torrencial digna de deixar Noé radiante de alegria!!!

Se ate então os anorakes serviram de alguma coisa, agora eles haviam perdido td sua razão de existir. Da umidade inerente da mata gotejavam grossos filetes de água q imediatamente nos deixaram ensopados, sendo q na verdade nos enxugávamos a mata durante nossa passagem! Fora isso, bastava o companheiro da frente esbarrar numa arvore q o de trás ganhava uma ducha grátis, acrescido de uma baita chicotada da mata caso não fosse esperto o bastante pra guardar certa distancia. Apesar do perrengue anfíbio, perdíamos altitude rapidamente devido a q esta descida foi feita tb na base exclusivamente de muita desescalaminhada vertical, seja através de raízes, lajotas de pedra e uma piramba lamacenta e escorregadia dos infernos! Alguns trechos de valas erodidas pareciam verdadeiras cachoeiras q simplesmente nos pareceu estar praticando canyoning e não montanhismo.

A passo rápido e decidido, as 9:30 alcançamos um selado e dar numa bela formação rochosa, ao lado de uma larga clareira de pasto ideal pra pernoite e algum sinal de fogueira, na cota dos 986m. Mergulhamos então novamente na mata pra dar continuidade àquela danação vertical através de pirambas lamacentas e muito mato molhado, com destaque prum trecho de enormes pedras desmoronadas formando gdes gretas e cavernas q pode gerar duvidas qto o sentido a seguir. No entanto, a partir daqui começam a surgir discretas marcações nas arvores como tb o tradicional lixo de trilha, na forma de maços de cigarro, papel de bala e garrafas pet vazias. É, a própria “civilização” nos orientava de volta a ela. Não tinha erro.

Um tempo depois a declividade suaviza e a mata aumenta consideravelmente de tamanho, com características similares a da subida da Tartaruga. No entanto, a pernada parece nunca terminar, pois a mesma se estica horizontalmente, sentido leste. A chuva parou faz tempo, mas o perrengue anfíbio continua na forma de uma trilha enlameada e coberta de poças de água, q chafurdamos durante td resto do trajeto. Incrivelmente, este trecho sem declividade alguma foi o recorde de tombos, escorregões e capotes da galera. Que o diga a Milena.

Após andar naquele compasso o q nos pareceu uma eternidade, entramos numa bifurcação errada apenas pra cair numa bela cachu formada pelo Rio da Onça, q vínhamos acompanhando a um tempo, onde o Mamute e a Milena caíram na água de roupa e td. Mas retomando o rumo certo logo tivemos q cruzar o mesmo rio, as 13:20, bem mais adiante, mas não sem antes uma longa parada pra banho em suas águas geladas, de modo a q ficássemos mais “apresentáveis” à civilização q nos aguardava. Estávamos totalmente emporcalhados e nossa aparência era lastimável, razão q alem do banho trocamos imediatamente de roupa, e assim prosseguimos a pernada.
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Cruzado o rio caímos numa estrada de terra q logo nos lançou na “periferia” de Garuva, dominada por simples e humildes casas de alvenaria, ate q nos vimos defronte a BR-376. Cruzada a estrada, entramos propriamente na pequena cidade de Garuva, e perguntando aqui e ali, num piscar de olhos nos vimos na rodoviária. Antes, porem, não pensamos duas vezes em ir direto num dos poucos restaurantes abertos onde nos empanturramos ate fazer bico com o rango a apenas R$10!! Após repetir o prato varias vezes, nos despedimos do Divanei (q se dirigia pra rodoviária e dali retornaria pra Campinas) e o restante se espremeu num taxi q imediatamente nos levou outra vez no pto de partida da trip, isto é, a fabrica de queijos. O tempo havia melhorado consideravelmente, bem diferente daquele q havíamos pego pela manha, mas ainda assim víamos a cumeada envolta num negrume medonho. Damos então adeus àquela serra q palmilháramos durante 3 emocionantes dias e nos lançamos ao asfalto as 16hrs, apenas pra pegar o inevitável transito de fim de feriado e só chegar na Terra da Garoa bem depois da meia-noite. Algo inevitável em se tratando da Regis Bittencourt, mas devidamente recompensado se levarmos em conta a trip q dela brotou.
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Dessa forma finalizo este relato parafraseando novamente meu amigo Julio Fiori: esse é o Quiriri, uma serra sem meios termos. Encostas íngremes de 1200 metros cobertas por vigorosa floresta e abismos colossais servindo de muralha prum imenso planalto de campos dourados açoitados pelo vento, onde da campina brotam cumes rochosos que se elevam majestosamente pro céu. E um clima infernal que muda a qq hora! E é neste cenário mutante q tb brotam varias possibilidades de travessias – como aquela q deriva rumo ao místico Monte Crista – q fazem a alegria de qq montanhista q se preze. E se Quiriri (ou Iqueririm) significa “serra silenciosa”, deve ser provavelmente pq seus antigos habitantes, os índios carijós, realmente ficavam sem palavras diante de tanta beleza selvagem natural ao redor. Beleza esta agora reservada aqueles dispostos a mergulharem em seus místicos campos.

Fotos e texto de Jorge Soto

http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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