Tartaruga – Garuva: Outras travessias no Quiriri

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Não deu nem 7 meses de nossa 1ª incursão à Serra do Quiriri q o encanto e beleza de seus místicos campos parecia nos chamar intuitivamente. S/ pestanejar atendemos esta convocação interna realizando outra de suas travessias menos conhecidas (aos paulistas, claro!), a Tartaruga-Garuva. Esta consiste numa pernada puxada de 31km que percorre em 3 dias os altos descampados da Serra do Quiriri. Tem como extremos dois dos maiores picos isolados da região, a Pedra da Tartaruga e o Pico Garuva. No meio, capões de mata, campos e planaltos de mata rasteira de perder a vista, passando pelo Morro da Antena e pela Pedra do Urubu. Uma travessia acima dos mil metros que alterna Mata Atlântica e campinas douradas, subidas íngremes e trechos de suave declividade, numa região isolada, selvagem e inóspita localizada na divisa dos estados de SC e PR.


CHEGANDO NO QUIOSQUE DE QUEIJOS

É necessário sair cedo e mta paciência pra se chegar ao inicio da trilha desta travessia, distante quase 436km de SP. Claro, se for pra ir de carro, pois fatalmente irá se perder algum tempo pegando trânsito no trecho inicial da Régis Bittencourt, independente do horário. Cientes disso e já prevendo uma compensação de tempo q não comprometesse a pernada, saímos de Sampa à uma da madrugada eu, Milena, Ângelo e Mamute, rasgando a noite rumo Curitiba. Após perder quase 2 hrs de lentidão serra abaixo, o veiculo ganha velocidade e num piscar de olhos, nos vemos ultrapassando os limites estaduais de SP e PR. Depois de ignorar a bifurcação q nos levaria à capital paranaense, tomamos o asfalto da BR-376 rumo Joinville, animados com o tempo q alterna alguma nebulosidade e janelas de sol c/ belo céu azul.

Qdo o asfalto começa a descer pro litoral é necessário prestar atenção, pois a estrada já se perfila c/ as imponentes e verdejantes montanhas q dominam a Serra do Mar nesta região. Assim, 500m após a placa q indica a divisa dos estados de SC e PR e 1km antes do pedágio de Garuva, as 9:45hrs encostamos o carro numa fábrica de queijos artesanais (“Santpar”) c/ um pequeno e convidativo quiosque de vendas ao lado, pto estratégico (a exatos 100m de altitude) ideal pra deixar o veículo em segurança e tomar um delicioso café-da-manha. Lá tb encontramos o 5º integrante da trupe, o Divanei, q viera de bus e a quem passara as coordenadas p/ q pudesse nos encontrar s/ comprometer o cronograma da trip!
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RUMO A PEDRA DA TARTARUGA

Td arrumado e apos alongar aqui e ali, as 10:40 jogamos as cargueiras nos ombros e nos lançamos numa estradinha de chão q segue em direção à verdejante muralha serrana, cujo topo agora esta imerso em densas brumas. O passo é vagaroso, sem pressa, e após passar algumas casinhas e por baixo de torres de alta tensão a estradinha rural ganha altitude e algum visu das montanhas do entorno. Algumas paradas são necessárias (Milenaaa!!!) mas são breves, principalmente pq os borrachudos aqui nos comem vivos sem dó, deixando pontinhos vermelhos em nossa pele!

A estradinha logo se aprofunda na floresta até um enorme pastado a direita. Ignorando uma casa a esquerda, cruzamos uma porteira e nos mantemos na estradinha principal, q logo cede lugar a uma larga picada q bordeja a encosta direita da enorme montanha. Mergulhamos na mata, cruzamos um arame farpado e mais adiante topamos com o ruidoso Rio Trovoadinha, q corre sobre um extenso leito de pedras soltas. Saltando de pedra em pedra ou enfiando o pé na água, cruzamos o rio ate a outra margem para prosseguir pela picada, mas não sem antes uma breve parada pra molhar a goela e abastecer os cantis.

A trilha logo sai da mata e nos deparamos com uma pouco evidente e significativa bifurcação q pode gerar dúvidas, na cota dos 310m. O bom senso pode nos levar a prosseguir pela ramificação da direita, bem mais batido e q bordeja a encosta montanhosa no aberto, mas o sentido correto é o da esquerda, q sobe pelo pasto, passa uma cerca de arame e logo penetra na densa floresta, em definitivo.

A partir daqui é subida a pique em meio à espessa e exuberante mata, sombreada por gdes arvores cujas copas fecham o céu. A picada é obvia, porém obstruída por muita mata caída (bambuzinhos e arvores tombadas) q tornam o avanço lento. Após um trecho de subida suave é q a caminhada aperta, com aumento significativo de declividade através de uma encosta cada vez mais inclinada. A trilha mostra-se enlameada e escorregadia devido a chuva dos últimos dias, daí a necessidade de uso de td apoio possível, e tome escalaminhada se firmando na mata, pedras ou galhos a disposição! Ao atingir os 520m surge uma bifurcação num enorme desbarrancado, à qual tomamos o ramo da direita, pois a picada da esquerda nos levaria num riozinho q já vínhamos ouvindo marulhando faz um tempo.

Após bordejar a encosta esquerda por um curto trecho em nível saltando algumas arvores bloqueando o caminho, a trilha praticamente verticaliza e somos obrigados a escalaminhar por raízes salientes e utilizar bambus, cipós e até caules de palmito jussara como corrimão! Ao atingir os 635m ladeamos a encosta oposta através de uma piramba vertical lamacenta e escorregadia, enqto o canto metálico de uma araponga rompe o silencio da mata ao redor. Mas as 13:40 e nos idos dos 765m, desembocamos numa crista ou selado repleto de pequenas bromélias onde a caminhada arrefece em nível durante um tempo e onde percebemos q andamos em círculos. Apesar da trilha obvia, a medida q subimos a mesma torna-se bem confusa nalguns trechos e em mais de uma vez tivemos q farejá-la no meio da mata auxiliados não apenas pelo GPS do Mamute e bússola do Ângelo, mas tb principalmente pela intuição e bom senso.

A partir dos 825m a picada verticaliza novamente e a piramba nos leva a um colo, pra depois contornar uma enorme rocha e escalaminhar mato e raízes, serpenteando mata acima! Mas as 15:15, após galgar uma vala d´água, rochosa e íngreme, nos presenteamos c/ um breve pit-stop de descanso e lanche à beira da estreita trilha, numa encosta bastante inclinada. Estomago forrado, prosseguimos a ascensão no mesmo ritmo, isto é, escalaminhando raízes e galgando cocorutos sucessivos até finalmente emergir da mata e dar num pequeno mirante rochoso, as 16hrs, do alto dos 937m! Infelizmente visu q é bom, nada! O topo esta totalmente encoberto de nevoa úmida, branca e opaca! Mas dali poderíamos ver perfeitamente nosso destino, a Pda da Tartaruga, como tb outras cumeadas alem da planície catarinense.

Daqui em diante andamos um curto trecho de crista pra novamente mergulharmos na mata fechada, fustigado no rosto por uma fina garoa. A vegetação muda totalmente anunciando a proximidade do cume da montanha. As bromélias descem em profusão para o chão e surgem arvores finas de galhos retorcidos enqto a picada ziguezagueia a encosta até se fixar por uma crista mais empinada em direção ao maciço principal, ainda bem distante segundo o GPS. O passo arrastado segue a crista ate bater na encosta, toma a direita ate finalmente dar numa imensa pedra inclinada q protege um mocó, chamada com propriedade de Pedra do Mocó, as 16:45. O mau tempo e gde probabilidade de chuva fazem o Ângelo insistir pra q estacionássemos ali, pois o local comportava perfeitamente nossas 4 barracas perfiladas c/ segurança, embora eu e o Mamute insistíssemos em prosseguir conforme o cronograma (acampar ao sopé da Pda da Tartaruga, da qual estávamos longe) mesmo s/ saber das condições do q encontraríamos, mas o som de estrondosos ribombos apenas cunham a decisão de estendermos ai mesmo nossas tendas! Bem, já q ficaríamos ali, fatalmente teríamos q madrugar o dia sgte pra compensar o atraso daquele dia.

Montamos acampamento na cota dos 950m embaixo da tal pedra, e imediatamente na seqüência nossos fogareiros entraram em ação. Mandamos ver sandubas, marmitas, arroz liofilizado, rango integral e até generosas doses de mocotó como sobremesa (cortesia do Divanei!), enqto lá fora o tempo parecia apenas piorar. Ficamos um tempo enrolando, mas o cansaço da viagem e madrugada mal dormida apenas nos forçou a mergulhar nos sacos-de-dormir antes mesmo q escurecesse. À noite realmente choveu bastante e fez um friozinho considerável, mas de forma geral tds conseguiram ter seu merecido sono dos justos. De madrugada, porém, a Milena afirmou ter ouvido alguma coisa andando fora das barracas. Se era verdade não sei, apenas sei q eu e mais gente ouvimos um bom tempo algum animal nas proximidades “miando”. Provavelmente pq havíamos tomado posse de seu habitual refugio noturno, claro! Contudo, conversando posteriormente com o Julio Fiori, montanhista conhecedor da região, foi incisivo em se tratar de casais de “mão pelada” (quatis), espécie de guaxinims do porte de um cachorro&nbsp, q abundam nessa região e nesta época são tremendamente abusados e barulhentos. Bem, seja o bicho q for, antes eles tomando chuva do q a gente! Eles q procurem outro ninho de amor…
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PELOS CAMPOS DOURADOS DO QUIRIRI

A manha de domingo irrompeu nada promissora, ainda envolta em espesso e opaco nevoeiro, porem sem chuva. Conforme previamente combinado, despertamos antes de amanhecer e ainda no escuro, as 4:30! E enqto engolíamos nosso desjejum conforme arrumávamos nossas coisas, podíamos observar pelas frestas da mata brechas de céu azul em meio às brumas, o q nos motivava a dar continuidade o qto antes à pernada. Apesar da espessa e maciça massa de nuvens preenchendo completamente todo panorama, numa súbita e generosa aparição por entre o nevoeiro, um rápido vislumbre dos campos de altitude chegando ate a beirada dos penhascos e paredões rochosos despencando da Pedra da Divisa, apenas aceleram nosso passo!

Retomamos a pernada as 6hrs, ainda percorrendo o restante daquela encosta de mata úmida na qual nos encontrávamos, ganhando altitude aos ziguezagues em meio a extensos canteiros de bromélias e arbustos retorcidos. Mas chegando na cota dos 1100m a trilha simplesmente desaparece ao atingir uma suposta crista de mata mais empinada. Busca aqui e ali e nada. Sem saco de retornar a fim de buscar a continuidade verdadeira da picada e faltando apenas 100m pro planalto, decidimos apenas azimutar na direção do mesmo e varar-mato até ele! E lá vamos nós, escalaminhando raízes, subindo encostas, desviando de mata caída e principalmente de bromélias gigantes! Por ser um curto trecho sem trilha, é natural q nosso avanço seja lento, alem de sairmos completamente ensopados, sujos e ralados por conta da mata. Que o diga o rosto do Mamute, nosso habilidoso navegador oficial.

Mas quem persevera consegue. E assim, rompido o manto verde emergimos nos 1245m dos campos de altitude as 8:30, pra felicidade geral!! A partir dali bastou subir suavemente capinzal ate o alto da lombada sgte, sempre envoltos pelo espesso nevoeiro. Após cocorutos sucessivos, eis q descortina-se a nossa frente a famosa Pedra da Tartaruga, siluetada em tons opacos pela nebulosidade. De fato, a pedra lembra muito o formato do réptil, como tb a famosa Pedra do Açu, já na Serra dos Orgãos. Ao sopé da mesma, um bom gramado serve de boa área de pernoite, mas q desta vez passamos batido.

Contornando a enorme pedra pela direita ate dar na parte de trás, e lá jogar as mochilas no chão, as 9hrs, pra em seguida escalaminhar o restante das pedras e atingir definitivamente seu cume, no alto de seus 1376m!! O topo é estreito e o pouco mato ralo q há divide espaço com aderências rochosas e uma caixinha q guarda o livro de cume, totalmente ensopado de água. Daqui teríamos uma vista espetacular, mas o tempo realmente não colaborou. O raio de visão não superava aos dez metros e o restante era todo branco, cinza e opaco. Entretanto, o simples fato de estar ali já bastava pra regozijar nosso espírito! Foi aí q começaram a surgir frestas no nevoeiro q nos brindaram com breves flashes de visual ao redor, onde o verde escuro dos fundos vales contrastava com os tons ocres da vastidão de campinas onduladas do planalto, por sua vez salpicadas de pedras escuras e desnudas. Esta sucessão de efêmeras belas paisagens nos animou a prosseguir a pernada o qto antes, pois o tempo de fato realmente ameaçava abrir esplendorosamente!

Do sopé da Tartaruga, bastou acompanhar uma trilhazinha cruzando os descampados tendendo pra direita numa longa curva, passa entre dois gdes morros e bordeja o segundo pela direita, em nível, sempre sentido noroeste. No caminho, pra contrastar com a onipresente campina dourada dançando ao sabor do vento, surgem alguns capões de mata, mini-pinheiros solitários e vários jardins de flores cor-de-rosa! Após contornar mais alguns morros e cair num largo selado, ao mesmo tempo em q o tempo abre maravilhosamente apresentando um céu azul isento de nuvens, revelando o primeiro contato visual com o nosso objetivo imediato ainda distante, o Morro do Quiriri, onde uma pequena antena no cume apontando pro céu justifica com propriedade o outro apelido da montanha, Morro da Antena. Assim, passo a passo fomos vencendo as encostas sgtes, fazendo um longo contorno ao norte pra desviar dos morros e vales q nos separavam do almejado cume, mas não sem ter de passar por curtos trechos de brejos, charcos e banhados, nos quais corria água cristalina e fresca na forma de pequenos córregos, q refrescou goelas e abasteceu nossos cantis. No caminho, varias paradas pra apreciar e clicar a vastidão dos campos ondulantes do Quiriri, tb conhecidos como Campo dos Ambrósios, em função da abundancia de uma plantinha detentora desse nome.

Após um tempo costeando elevações em curvas de nível pelos campos, veio um trecho q alternou suaves subidas e descidas, onde a Milena sentiu uma súbita falta de fôlego, me obrigando a ajudá-la um breve trecho carregando sua pesada cargueira. Fiquei imaginando minha aparência no meio de um “sanduíche de mochila” andando pela campina, mas por sorte o orgulho da moça falou mais alto e seguiu a pernada com seus pesados pertences, firme e forte. Assim, ficamos de frente com um fundo e largo selado nos separando do majestoso Morro Quiriri, q por sua vez se erguia imponente com sua antena e duas casamatas no topo. Descemos então ao fundo do vasto colo, cruzamos uma cerca de arame farpado pra em seguida encarar uma encosta inclinada coberta de capim e alguns pequenos afloramentos de rocha, q foi vencida em árduos e vigorosos ziguezagues.

Atingimos o alto dos 1527m do Quiriri as 11:40, e desabamos no chão arfando de cansaço, onde uma casca do q outrora foi um tatu desperta nossa atenção. No amplo e vasto cume há duas casamatas de alvenaria com teto de concreto e duas altas antenas, uma delas bem danificada atesta a fúria do vento que freqüentemente castiga esta região. Dali parte o que restou de uma estrada que descreve muitas curvas no planalto e contorna um lago azul até se perder na distância, pro sul. E por ali em algum lugar na campina passa o centenário Caminho dos Ambrósios que em tempos remotos fazia a ligação entre Curitiba e o porto de São Fco do Sul. A vista dos demais quadrantes é tb digna de nota: a leste os campos se debruçam em abismos ate a planície catarinense, cujo litoral é perfeitamente visível, assim como Joinville, ao norte o Morro Araçatuba reluz de azul atrás de uma sucessão de campos e morros, já o oeste apresenta-se td coberto de campos salpicados de pedras e elevações cercadas de vales verdes profundos.

Enfim, após mta contemplação (e vários cliques), sentados na plataforma da antena fizemos um longo e merecido lanche seguido de um descanso antes de prosseguir.
Completamente refeitos, de estômago cheio e com energia transbordando pelos poros, retomamos a pernada as 13hrs sob sol forte, tomando a precária estradinha q sai do topo. Esta desce suavemente pra noroeste, indo de encontro numa bucólica fazendinha do lado de um laguinho aos pés de uma morraria coberta de um verde claro característico de plantações, q destoa dos campos ocres do Quiriri. Devidamente avisados q nesta fazenda gente mochilada não é bem-vinda, o jeito é desviar dela saindo da estrada a meio-caminho através da campina nua, sentido sudeste, de modo a cair novamente no rumo pro Garuva. E é isso q exatamente fazemos, passando a descer sucessivas lombadas de pasto, ou costeando em nível as montanhas no caminho.

Após andar um tanto no mesmo compasso, nos deparamos com o belo visu de um pequeno espelho d´água isolado de tudo e todos, num fundo vale cercado de pequenos morros, tal qual um oásis no deserto. E é pra lá q marchamos decididos, perdendo rapidamente altitude em meio a campina daquela enorme pirambeira íngreme. No caminho, o destaque foi o susto q o Mamute levou ao pisar inadvertidamente numa cobra cinza, q se recusou a mordê-lo e preferiu se enfiar na mata, resmungando pela invasão de seu habitat.

Continua…

texto e fotos Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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