O Circuitão da Escondida

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Rio Grande da Serra é mais conhecido não apenas por ser um sub-município de Sto André, mas por ser obrigatoriamente porta de entrada pra Paranapiacaba. No entanto, pela sua proximidade com a Serra do Mar a pacata cidade tb detém inúmeras trilhas q levam ao quadrante noroeste da majestosa borda de planalto forrada de verde q abraça a pitoresca vila inglesa. Uma delas rasga o setor norte da Serra do Meio e alcança as nascentes do Rio da Cachu Escondida, podendo depois ser emendada com os demais roteiros tradicionais já conhecidos q abrangem o Rio Vermelho ou qq outro da região. Resultado: um breve e perrengoso circuito q dá novo fôlego às incontáveis pernadas próximas à Sampa.


Nem o aconchego das cobertas conseguiram me segurar naquela friaca e mto menos a insistência de amigos em prestigiar um bazar de equipos foram suficientes pra me demover da idéia de mais um interessante bate-volta dominical. Não era pra menos, pois sempre considerei Rio Grande da Serra como o “patinho-feio” da região e a possibilidade de verificar (e confirmar) novas rotas trekkeiras partindo dali falou mais alto, claro. Assim, na cia do Carlão saltamos do trem as 8hrs na pacata cidade, q ainda sequer havia despertado e bocejava apenas meia dúzia de jovens voltando de alguma balada. Tb pudera, o termômetro marcava 9 graus e, envolta numa opaca nebulosidade com ráfagas de fina garoa, desestimulava qq tentativa de sair da zona de conforto dos lençóis.

Num piscar de olhos atravessamos a cidade pra então tomar a SP-122 sentido a vila inglesa, já na perifa do Jd Sta Teresa. Mas não deu nem 8:15 q abandonamos o asfalto em favor de uma picada bem óbvia à direita q se embrenhou mata adentro, sentido sul. A proximidade com as ultimas casas do município era denunciada pelo estridente latido de cachorros em algum lugar, q cada vez foram ficando mais raros a medida q adentrávamos mais e mais serra adentro. Bifurcações surgem a td momento, mas o sentido é obvio: basta manter-se na principal de modo a acompanhar o asfalto, à distancia.

A vereda úmida e levemente lamacenta nos levou ate uma enorme clareira no meio da mata. Pela sujeira acumulada e detalhes encontrados aqui e ali deduzimos ser não apenas lugar de encontro de jovens mas de realização de algum culto, evangélico ou umbandista. Retrocedemos então até a última bifurcação tomando o ramo da esquerda, q passou a bordejar uma obvia encosta suave de morro no caminho. A picada era bem obvia, mas sua falta de uso era visível se levarmos em conta as voçorocas de lírio-do-brejo e muita mata caída q se interpunha no caminho, assim como os inconvenientes carrapitchos se agarrando à roupa e no cabelo, pro meu desespero.

Dessa forma avançamos rumo oeste com pouca variação de declividade, sempre tendo audível o som de água nalgum lugar como o de veículos circulando na SP-122, à distancia. Os cortes verticais da encosta palmilhada eram evidencias q andávamos pelo q restara de uma antiga estrada, há muito desativada e provavelmente oriunda do tempo em q nem existia ainda o asfalto. O mato havia crescido ao redor e haviam alguns desbarrancados no caminho q a descaracterizavam, mas pra bom observador a estrada estava ali, bastava apenas prestar atenção no caminho.

Após cruzar com uma saída prum descampado q oferecia vistas das serras do entorno, a antiga vereda cruzou com muitos córregos, charcos, passou por vestígios de pontes de madeira, pra então bordejar um novo morrote agora pela direita. Após alguns perdidos e ralados num vara-mato reencontramos os rastros da antiga estrada, agora com a bussola marcando rumo noroeste(!?). O som do maquinário da Solvay dava lugar ao dos veículos no asfalto, q a mto havia sido deixado pra trás, sinal q estávamos no interior daquela planície de mato e brejo.

Sempre costeando morrotes e sem descer pra enormes pântanos nas baixadas, cruzamos um rio com água ate a canela, as 10hrs, pra depois acompanhá-lo pela direita, onde a trilha mostrava-se incrivelmente mto mais batida q antes. Costurando o mesmo varias vezes, topamos com varias bifurcações (incluindo um trilha em “T”) q geraram duvida, mas sempre buscávamos nos manter na vereda q fosse sentido sul/sudoeste. Até q não teve jeito, a trilha enveredou pelos pântanos da baixada dos quais não tivemos como fugir. E tome brejo e charco q mais parecia areia movediça, onde qq arvore próxima servia de apoio pra não ficar preso naquele mar de lama.

Mas logo o trecho de brejo emergiu da mata pra um terreno mais aberto, envolto de arbustos altos ao redor. A visão das linhas de alta tensão era sinal q estávamos próximos da Estrada do Etilenoduto e dito e feito, la caímos as 10:40, já sob um sol radiante coroando o céu acima da gente. Uma vez naquela estrada conhecida apenas seguimos por ela tranquilamente ate adentrar pelo caminho tradicional q leva ao “trilho das torres” de alta tensão, já após cruzar o Rio Vermelho e Solvay.

As 11:15 deixamos a estrada pra mergulhar novamente numa discreta picada na mata à esquerda q, perdendo altitude aos poucos, num piscar de olhos nos despejou na junção de 2 córregos q formam as nascentes do Rio da Escondida!! A partir dali foi só acompanhar o bucólico rio sem gdes desníveis através do seu leito pedregoso, alternando ambas margens e desviando das pequenas cachus e poções. O Carlos deslanchou na frente enqto eu fui bem mais vagaroso pq o solado da minha bota “antiderrapante” não tava ajudando muito naquele limo visguento e me obrigou a redobrar a atenção, principalmente depois de levar um (dolorido) tombo cinematográfico antes de cruzar o Rio da Solvay.

Mas eis q as 11:40 alcançamos o topo da Cachu Escondida, desta vez o alto mesmo, de onde se tem uma linda vista dos demais contrafortes serranos. Dividida em dois patamares rochosos, a Escondida despeja suas águas de uma altura superior a 50m, sendo o primeiro patamar de algo de 20m. Pra descer ao segundo patamar deve-se buscar uma trilha no lado esquerdo q dá acesso a um paredão vertical onde é possível descer com auxilio de uma corda, alem de algumas agarras rochosas e muitas raízes q podem dar um suporte extra. Passada a corda basta desescalaminhar as escorregadias rochas do trecho final e pronto, se alcança o belo mirante q figura neste segundo patamar da cachu, este sim com mais visual q o anterior. Donos absolutos do pedaço, nos regateamos com uma demorada pausa pra descanso e lanche, lagarteando ao agradável sol do meio-dia.

Uma hora depois retomávamos a pernada, descendo á base da cachu por uma picada q sai igualmente pela esquerda e perde altitude vertiginosamente numa piramba semi-vertical. Aqui as árvores em volta ajudam pra não escorregar no chão úmido e lamacento. E após o ultimo trecho feito através das rochas de um riozinho q deságua no Rio da Escondida, em menos de 5min&nbsp, chegamos á base da cachu, merecedora de mais cliques, claro.

Imediatamente pusemo-nos a voltar, caminho este feito inúmeras outras ocasiões e q dispensa maiores detalhes. Primeiro subindo as pirambas lamacentas das encostas do Solvay ate chegar no Poço Cristal não oferece maiores dificuldades, mas eis q o Carlos se espanta com a qtidade de lixo numa das clareiras do caminho. Fazia tempo q ele não vinha pra estas bandas, razão pela qual&nbsp, resolveu fazer sua boa ação do dia, recolhendo o máximo de lixo q dava pra carregar envolta de restos de lona jogados ali. Claro q sobrou tb pra este q vos fala tb carregar alguma coisa, no caso, os vidros das 5 garrafas de pinga q estavam ali jogados. Antes de zarpar detonamos umas lonas escondidas, provavelmente deixadas pelos “sujismundos” de modo a serem reutilizadas numa próxima farofa.

E assim carregando aquele peso extra refizemos a trilha ate o asfalto, mais precisamente a entrada do Etilenoduto, onde chegamos as 14:15 e deixamos as sacas de lixo. Com disposição de sobra, ainda encaramos os 3km de asfalto ate Rio Grande da Serra mas não sem tomar umas quebradas no meio do caminho. Enfim, chegamos na cidade sob o agradável sol das 15:10 ainda pra ser recebidos pela muvuca promovida da reunião anual de uma gangue de “motoqueiros-crentes”(1?).

Na padoca em frente a estação ainda tomamos umas biritas, removemos espinhos e trocamos nossas vestes sujas, pra somente retornar pra Sampa uma hora depois. Logicamente q com promessas de breve retorno, uma vez q as trocentas trilhas avistadas durante td manha sugerem percursos e roteiros bem interessantes q se estendem à sudoeste da Serra do Meio e Serra do Poço. Mas claro q td a seu devido tempo. Rio Grande da Serra não vai sair do lugar e suas inúmeras e pouco conhecidas veredas estarão a disposição pra serem novamente pisoteadas por quem se aventurar a tirá-las do anonimato e quem sabe, fazer com q o tal “patinho feio” do município ganhe o destaque e relevância q realmente merece.

Texto e fotos: Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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