– Senhor, sobre o desaparecimento dos três jovens na Serra do Marumbi.
– Algum pedido de socorro? Já se passaram as 48 horas?
– Não senhor, mas os pais estão desesperados com a falta de notícia e tem algo estranho nesta história.
– Estranho seria estes mochileiros fumarem sua maconha em casa para não dar trabalho ao GOST no final de semana, mas vamos lá, o que sabe?
– A moça se comprometeu com a mãe de fazer contato uma vez por dia e não ligou ontem e nem hoje. Declararam no Centro de Visitantes que iriam para o camping do parque, mas não fizeram cadastro de entrada e nem reserva. No trailer do Itupava também não passaram e o carro do rapaz foi identificado ainda no estacionamento.
– Até aí nada de estranho, tem muito mato pra estes mochileiros se esconderem. Vamos esperar o fim do feriado.
– Tem mais senhor, requisitamos os cadastros de entrada do Itupava e das Prainhas, ligamos pra quase todo mundo fornecendo as descrições e ninguém viu sinal deles.
– E o pessoal da estrada de ferro?
– Um maquinista disse que quase atropelou quatro idiotas na Ponte São João, mas podiam ser apenas três.
– Ou cinco! Idiotas crescem em árvores por ali nos feriados. Afinal são idiotas profissionais ou iniciantes?
– Inexperientes Senhor! Os pais nos passaram os contatos dos amigos e todos afirmaram que nunca acamparam mais do que duas ou três vezes na vida.
– Então sozinhos não iriam muito longe. Tentaram as operadoras de celular, facebook, e-mail?
– Só na segunda feira Senhor, com protocolo e ordem judicial.
– Até parece que estamos investigando político corrupto e não tentando encontrar três malucos antes que se machuquem!
Um dos atendentes interrompe a conversa.
– Senhor, a mãe da moça desaparecida, ao telefone.
– Ok soldado! Falo com ela.
– Sim senhora, claro que entendo sua aflição, mas se fosse minha filha não seria diferente. As 48 horas são necessárias para registrar o desaparecimento e só então posso mobilizar uma busca. – finalmente propôs um acordo – Vamos fazer da seguinte maneira Dna. Clara; deixo uma equipe de busca em prontidão para partir amanhã bem cedo, e passadas as 48h, lhe garanto que vou pessoalmente comandar os homens e fazer alguns sobrevôos com o helicóptero pela região.
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Aqueles terríveis olhos verdes o seguiam na escuridão do bosque e apavorado tratou de adiantar o passo, ultrapassando Oscar e Anna para prosseguir mais próximo do Aldo e manter a maior distância possível daquelas entidades maléficas que o perseguiam desde a cachoeira. Estava em dúvida sobre tudo que havia acontecido naquela noite de horror na cachoeira e nem ousava perguntar, mas boa coisa tinha certeza que não foi.
Tinha a impressão de estar fora de seu corpo vendo à distância o próprio corpo sendo dominado por alguma entidade maligna. Possuído por demônios torturava a Anna e sentia imenso prazer naquilo. Estava apavorado consigo mesmo pelo que pensava haver feito e mais ainda com o desejo imenso de repetir tudo novamente. Sentia uma parte do monstro pulsar dentro do peito e outra o seguindo resoluta para se juntar à primeira e tomar o pouco de sanidade que ainda lhe restava. Quase ansiava para perder a corrida e isto era o que mais o amedrontava.
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– Tenente, duas patrulhas para amanhã bem cedo. A primeira desce pelo Itupava a partir de Borda do Campo e se divide na Casa do Ipiranga. Depois de procurar na represa, metade dos homens segue os trilhos e os outros a trilha até o Santuário do Cadeado. Não esqueça dos túneis abandonados. Do Santuário os que seguiram pelos trilhos descem pela trilha até a estrada e os demais prosseguem pela ferrovia. A segunda patrulha desce pela BR 277 e se divide no Centro de Visitantes nas Prainhas, metade vai pro Salto dos Macacos e metade vai pro Salto Rosário. Monte o comando das operações na Estação Marumbi e limpe a área que chego antes do almoço com o helicóptero. Já tem suas ordens.
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Renan desperta encharcado em suor no meio da noite. Em seus pesadelos estava sozinho na floresta perseguido por feras, fantasmas ou outra entidade demoníaca de olhos verdes flamejantes. Liga a lanterna para se certificar que está na barraca com seus companheiros, mas ilumina dois cadáveres em avançado estado de decomposição. Besouros e vermes de todo tipo fervilham sobre as partes expostas dos corpos putrefatos. Baratas entram e saem das cavidades vazias e o mau cheiro é insuportável. Aterrorizado, se atira para fora da barraca, de passagem agarra sua mochila e sai cambaleante pela noite.
A névoa densa dispersa a luz da lanterna e abafa os ruídos dos passos. Tropeça, cai e se arrasta, levanta e corre sem direção. Faz longos círculos pelo capim molhado, repisa os próprios passos e se vê novamente em frente à barraca. Recua apavorado até a borda da capoeira, engatinha por uma trilha de porcos do mato. Levanta e corre pela floresta até o chão desaparecer sob seus pés. Despenca no precipício e o silêncio lhe invade a alma. Pequenos olhos verdes faiscantes lhe observam na escuridão e lentamente perde os sentidos.
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– Um contingente do Corpo de Bombeiros da capital se deslocou para o Parque Estadual do Marumbi a procura de três jovens que estão desaparecidos desde as primeiras horas de sexta feira. As primeiras equipes de busca já retornaram ao centro de comando montado na Estação Marumbi depois de fazer uma grande varredura pelos principais pontos freqüentados por mochileiros e montanhistas na região. A montanha foi evacuada e todos os montanhistas presentes no parque ficaram concentrados junto à estação para auxiliar com informações e não embaralhar as possíveis pistas, mas até o momento nada de conclusivo foi identificado. Dulcinéia Morais no Parque Marumbi para a RTC-Tv.
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– As pistas mais promissoras são ainda os indícios colhidos na grota entre os túneis seis e sete que dão confirmação ao depoimento do maquinista. Se tivessem subindo para o Cadeado os teríamos encontrado e se vieram para a estação por que não se cadastraram?
– Porque queriam fazer merda! – conclui o Major – Como se chega à área intangível do parque vindo pela ferrovia sem passar pela estação? Cortando caminho pelo Rio Taquaral. Mande uma equipe para o Pau do Maneco.
– Senhor, estão andando por mais de dois dias e se não estiverem perdidos já podem estar chegando no Morro do Canal, então não custa levar um alerta para a outra ponta da serra.
– Faça isto Tenente e ordene prontidão ao piloto. Assim que o vento acalmar, faremos um sobrevôo sobre toda esta área. Ninguém viu nada pros lados do Boa Vista e no Leão, então o Pelado pode ser uma boa aposta havendo rastros recentes no Pau do Maneco ou na Free Way.
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A ventania varre a copa das árvores e Renan finalmente recupera os sentidos no fundo da grota. Havia despencado dezenas de metros em muitos degraus consecutivos tendo sua queda amortecida pela copada das árvores, taquaras e cipós nos extratos mais baixos. Levanta-se com dificuldade e uma dor imensa lhe invade o peito e a perna direita estava grudada à calça, ensopada em sangue seco. Não se animou em examinar o ferimento e apenas apalpou o peito dolorido. Uma dor excruciante lhe impedia de gritar, talvez fossem algumas costelas fraturadas, mas não podia ficar ali esperando ajuda.
O sol já se fazia alto e com esforço imenso se arrastou encosta abaixo deixando um rastro de sangue fresco atrás de si. Cortou uma forquilha e improvisou uma muleta para ganhar velocidade e seguiu cambaleante os inclinados raios de sol que atravessavam a cobertura das árvores.
Afastava-se mais e mais do maldito acampamento. Não entendia o que tinha acontecido e nem queria pensar naquilo. Suas preocupações se resumiam em dar o próximo passo e tomar distância daqueles pequenos olhos verdes que o seguiam na profundidade do bosque, nem a dor o detinha. De tão forte acabara por tornar-se sua única companheira e pensava que ainda estaria vivo enquanto sentisse as dores.
Notou enfim que subia uma encosta muito inclinada acompanhando rastros pré existentes. Precisou abandonar a muleta e se arrastar apoiando-se nos troncos das árvores quando encostou no paredão de pedra e visualizou a velha corda pendendo do alto. Havia encontrado a rota de descida e isto o encheu de esperança. Sentou-se no barranco para descansar sentindo o doce sabor do sangue a cada vez que respirava.
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– Sargento Padilha para base, cambio!
– Aqui base, prossiga Sargento, cambio!
– Restos de acampamento recente na Cascata Dourada, mas a chuva piora e vai apagar as pistas, cambio!
– Prossiga Sargento, cambio!
– Também havia uma concentração anormal de urubus por detrás do morro antes da chuva, vamos verificar, desligo.
No cume da montanha encontraram rastros frescos e nem atentaram para as inscrições nos destroços, havia tantas que levaria metade do dia para verificar cada uma individualmente.
A baixa visibilidade impossibilitava qualquer avaliação e se limitaram a seguir as marcas no capim alto. Não é nada aconselhável permanecer num cume de montanha durante uma tempestade e os relâmpagos iluminavam os céus a todo instante. Desceram pela encosta transformada em cachoeira e no fundo do pequeno vale já encontraram sérias dificuldades para transpor os riachos formados pela chuva e os rastros os guiaram até o primeiro precipício.
– Na escuta Sargento, cambio!
– Temos um corpo, está copiando, cambio!
– Prossiga, cambio!
– Vamos empacotá-lo para resgate pelo ar e retornar, cambio!
Renan encontrou o fim de sua jornada depois de vencer o último grande obstáculo e tombar em campo aberto. Os urubus raramente esperam pelo último suspiro do moribundo e quase sempre iniciam o banquete pelos olhos da vítima indefesa.
Na impossibilidade de receber equipamentos e suprimentos pelo ar não restavam alternativas aos bombeiros. Deixaram o pacote preparado para o resgate com o helicóptero e retornaram à base sabendo dos muitos perigos que a tempestade haveria de impor pelo caminho.
– Se eram inexperientes, como foram tão longe?
– Nunca subestime a capacidade desta molecada pra fazer besteira!
Continua no capítulo 5 – A ALDEIA