Ou Plata ou Plomo? Minha visão sobre dois clássicos andinos

0

Se você gosta de montanhas, ou está apenas dando os primeiros passos na vida acima dos 4.000 metros, provavelmente já esbarrou nesses dois nomes: Cerro Plata, na Argentina, e Cerro Plomo, no Chile. Eles ficam nos Andes Centrais, um de cada lado da fronteira, e cumprem um papel parecido: são montanhas “escola”, ótimas para quem está começando na alta montanha.
Só que, como tudo nos Andes, nada é de fato simples ou “fácil”.

Hoje quero contar minha visão pessoal dessas duas clássicas, que já fizeram parte da minha história e da história de muita gente que sonha em chegar mais alto, às vezes literalmente.

Cerro Plata (5.955 m): minha primeira casa na altitude

Pedro Hauck com 18 anos de idade no cume do Cerro Plata

O Cerro Plata tem um lugar especial na minha vida. Foi a minha primeira montanha andina, em 2000, quando eu tinha 18 anos. Desde então, venho divulgando essa montanha no Brasil, muito antes das redes sociais, diga-se de passagem, o que acabou ajudando a torná-la conhecida por aqui.

Ele é a joia do Cordón del Plata, aquela cadeia montanhosa árida e imponente que serve de campo de treinamento para quem está de olho no Aconcágua.

O que me encanta no Plata?

O Plata tem aquele estilo clássico dos Andes argentinos: paisagem seca, vales profundos, montanhas gigantes por todos os lados e uma progressão lenta, ideal para aclimatar bem. Nesta expedição, passamos os primeiros dias em um refúgio de montanha, de onde partimos de ataque para fazer os primeiros cumes, como a “cadenita”, que é uma serrinha por onde passamos por vários cumes de 3 mil metros e o San Bernardo, de 4200 metros de altitude.

Acampamento El Salto, Cerro Plata, Argentina

Após esta primeira etapa de aclimatação, nos deslocamos até um acampamento estratégico, o Salto, localizado a  4.300 m, onde montamos uma boa estrutura e fazemos dele nosso acampamento base. A partir dali, fazemos uma caminhada de aclimatação e partimos para o cume, subindo por um terreno de cascalho, o famoso “acarreo”, que faz a gente xingar mentalmente em vários idiomas.

E o desafio?

Aqui, o grande teste é a altitude e o dia de cume, que soma cerca de 1.700 m de desnível a partir de nossa base. É uma daquelas jornadas longas, que exigem mais cabeça do que perna.
Mas é também um baita aprendizado antes de se aventurar nos “seis mil” ou no próprio Aconcágua, a verdadeira prova de fogo!

Pedro Hauck no Cerro Plata

Cerro Plomo (5.434 m): o vigia de Santiago

O Plomo é quase um cartão-postal de Santiago, dá pra ver ele da cidade inteira, como se estivesse sempre de olho na capital chilena. Por isso ganhou o apelido de “Gigante da Capital”.

Cerro Plomo visto desde Santiago. David Pozo/Wikimedia Commons

O que faz o Plomo ser especial?

Acampamento Federación

A rota passa por dois acampamentos super tradicionais: Piedra Numerada, 3.370 m e Federación 4.100 m.
E a paisagem é aquele contraste incrível dos Andes chilenos: aridez, glaciares remanescentes e, lá embaixo, a imensidão urbana de Santiago.

Muita gente usa o Plomo como meta principal, e muita gente usa como aclimatação para montanhas mais altas, tipo o Marmolejo, ou até mesmo para treinar antes de tentar o Plata ou, dando um passo mais longo, diretamente para o Aconcágua.

E o desafio do Plomo?

Aqui o problema não é o tempo, a expedição dura 8 dias (pelo roteiro da Soul Outdoor).
O desafio é que, saindo de La Parva  (2.700 m), você vai encarar cerca de 2.500 m de desnível em bem menos dias que no Plata. Ou seja: aclimatação rápida e treino em dia são obrigatórios, embora no final o esforço seja menor que a montanha argentina.

Cerro Plomo

As histórias que carregam

Plomo: arqueologia viva

A mumia do Plomo, hoje se encontra em um museu em Santiago.

O Plomo tem uma carga cultural fortíssima. Em 1954, encontraram perto do cume a famosa Múmia do Cerro Plomo, um menino inca sacrificado em um ritual de Capacocha.
É uma das múmias mais bem preservadas do mundo andino e um testemunho impressionante de como os incas viam as montanhas como Apus, entidades sagradas.

 

 

Plata: a história esportiva

Já o Plata tem uma história mais ligada ao montanhismo moderno. Foi conquistado por Hans Stepanek em 21 de janeiro de 1925 e virou rapidamente o laboratório natural de quem queria testar tudo antes de enfrentar o Aconcágua: equipamento, aclimatação, psicológico, físico… O próprio Stepanek usou o Plata para treinar para o Aconcágua, montanha que ele tentou escalar um ano depois e acabou morrendo.  O austríaco foi a primeira vítima do sentinela de Pedra.

Devido as semelhanças e ao fato de que muita gente continua usando o Plata como local para ganhar experiência para escalar montanhas mais altas, a montanha é até hoje, é considerado o “mini Aconcágua”.

O Cerro Plata  Foto: Pedro Hauck

Cidades base: um bônus delicioso

Mendoza (base do Cerro Plata)

Depois de uma expedição puxada, Mendoza é o paraíso:

  • vinícolas de Malbec por todos os lados,
  • gastronomia incrível,
  • clima relaxado, ruas arborizadas e muita cultura de montanhismo.

Santiago (base do Cerro Plomo)

Já Santiago é mais urbana e moderna:

  • tem os Andes como cenário permanente,
  • ótimos restaurantes e bairros culturais como Lastarria e Bellavista,
  • além da praticidade para logística e aluguel de equipamentos.

Cada uma complementa a montanha que representa.

Resumo rápido e sem enrolação

Característica Cerro Plata (Argentina) Cerro Plomo (Chile)
Altitude do Cume 5.955 metros 5.434 metros
Dias de Expedição 13 dias 8 dias (Expedição Soul Outdoor)
Distância Total da Trilha (Ida) Aproximadamente 25 km (Somente ida) Aproximadamente 18km (Somente ida)
Desnível Altimétrico Total (Do 1º dia de montanha até o cume) 3.447 metros (Acumulado no roteiro de 13 dias) 2.494 metros (Ganho vertical, considerando a subida desde o teleférico e sem 2.700m
Número de Acampamentos de Altitude 1 principal (Salto) e refúgio na base 2 principais (Piedra Numerada e Federación)
Desnível do Acampamento Mais Alto até o Cume 1.700 metros (Salto 4.300m a Cume 5.955m) 1.334 metros (Federación 4.100m a Cume 5.434m)
Preço da Expedição (Investimento Total) USD $3.000 (temporada 2025) USD 2.150 (temporada 2025)

 

Minha conclusão

O Plata é uma experiência mais longa, gradual e difícil em termos físicos. Porém uma experiencia mais completa em montanha pelo fato de escalarmos 3 montanhas e ser um texto físico e psicológico mais exigente.
O Plomo é mais rápido, mais direto e menos difícil em termos físicos (mas sim, ele não é fácil) e pede adaptação mais veloz à altitude, mas entrega uma história cultural e paisagens que só Santiago consegue oferecer.

Para mim, os dois são portas incríveis para o mundo da alta montanha e você poderá decidir, olhando as datas, as condições e seu estado físico, qual escalar!

VEJA MAIS: 

:: EXPEDIÇÃO CERRO PLATA – SOUL OUTDOOR

:: EXPEDIÇÃO CERRO PLOMO – SOUL OUTDOOR

Compartilhar

Sobre o autor

Natural de Itatiba-SP e residente em Curitiba-PR desde 2007, Pedro Hauck é uma figura proeminente no montanhismo brasileiro. Sua formação inclui graduação em Geografia pela Unesp Rio Claro e mestrado em Geografia Física pela UFPR. Com uma carreira de mais de 27 anos, ele é guia de montanha profissional e instrutor de escalada credenciado pela ABGM, a única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Seu currículo inclui a ascensão de mais de 180 montanhas acima de 4 mil metros, com mais da metade ultrapassando os 6 mil metros, além de um pico de 8 mil metros no Himalaia e dois de 7 mil. Pedro Hauck também atua como empresário do setor outdoor, sendo sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conceituadas lojas de montanhismo do país, da Via AltaMontanha, um dos maiores ginásios de escalada de Curitiba, e da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão, trekking e cursos de montanhismo. Acompanhe Pedro Hauck no Instagram: @pehauck.

Deixe seu comentário