A Cachuzona do Cafezal

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Cansei ouvir de amigos que Londrina não tem lugares interessantes nem atrativos naturebas pra conhecer. Afirmam que pra “Pequena Londres” ficar boa só falta um mar. Daí retruco dizendo que eles não conhecem bem a cidade ou nunca pisaram nela. Digo isto com a convicção de que o que a “Capital do Café” não tem de mar, ela tem de trocentas quedas espalhadas nos arredores ou até mesmo dentro dela. E acredite se quiser, com uma pitoresca cachoeira quase ao lado dum movimentado shopping center. Sim, a Cachoeira do Cafezal. Pois é, são estas as surpresas urbanóides que o Terceiro Planalto Parananense esconde até dos próprios londrinenses.

Já tinha frequentado o lugar num verão chuvoso a um par de anos atrás, mas minha visita fora tão breve quanto arriscada por conta do tempo instável e a grande possibilidade de uma tromba dágua surgisse num piscar de olhos. Ou seja, nem risquei de perto os arredores da cachu. Aproveitei então o tempo seco do inverno e o fato da Lau desconhecer totalmente o lugar pra fazer uma revisitada á queda, desta vez com muito mais tranquilidade, segurança e quem sabe, possibilidade de um bom e refrescante tchibum.

Chegamos então no Terminal do Shopping Catuai por volta das 9:30hr.  A manhã começara relativamente fria, mas a promessa de bom tempo se tornava cada vez mais palpável com o Sol elevando-se aos poucos num céu azul impar. Do terminal tomamos então a via asfaltada que desce pro amplo vale a sudoeste, a PR-538. Sem pressa, as simpáticas e curiosas corujinhas que nidificam a margem da via pareciam nos dar as boas-vindas àquela região sul de Londrina.

Sempre pelo acostamento, perdendo altitude de forma imperceptível, cruzamos os luxuosos residenciais Alphaville até uma rotatória. Na sequência passamos pelo pequeno pontilhão de concreto onde as águas calmas e turvas do Ribeirão Esperança marulham mansamente, logo abaixo. Dali em diante a estrada embica suavemente margeando as instalações da Sanepar (a Sabesp parananense), pra dali ir de encontro ao pontilhão de concreto que paira sobre as águas mais agitadas do Ribeirão Cafezal, curso d’água importante pois sua bacia atende boa parte do setor sul da cidade.

Pois bem, dali o mais racional seria já adentrar na margem do rio, mas o fato da mesma se encontrar cercada, bem protegida e fazer parte da propriedade da Sanepar desestimulam essa ideia.  Dali é preciso se manter ainda um pouco mais no asfalto até altura da rua seguinte, quando o abandonamos de vez, visivelmente contornando propriedade de uma chácara (onde se promovem eventos) por meio de uma precária via de chão avermelhado.

Uma vez do outro lado da chácara, é preciso se manter pelo estradão de chão até o final, dando a volta no sentido do vale almejado. Cruzamos mais dois sítios e uma porteira até finalmente cair num vasto milharal. Sem caminho nem trilha, daqui nos enfiamos no vasto plantio simplesmente indo em direção ao vale, ou seja, rumo o foco de mata que acompanha o rio, sem grande dificuldade.

Vale do Ribeirão Cafezal

Uma vez do lado da floresta, agreste e fechada, é preciso acompanhá-la na direção do asfalto afim de buscar uma brecha que possibilite alcançar o rio. E este flanco baixo é encontrado quase no limite do plantio de milho com a tal chácara supracitada. Ali é visível um cercado “abaixado” de forma deliberada e um rastro nascendo a partir dali. Pronto.

Cruzando o milharal

Saltamos o cercado com alguma dificuldade (era um pouco alto pra Lau) e lá nos vimos palmilhando aquele bem-vindo caminho no meio daquele mato áspero e rude. A vereda estava muito bem batida e inicialmente acompanhou o cercado pra depois abandoná-lo e descer forte na direção do rio, cujo rumorejo já se ouvia na altura do milharal. Frestas na vegetação eventualmente exibem lampejos do curso d’água a meu lado, enquanto nossa rota caminho o rio na diagonal, aproximando-se aos poucos de sua margem. A picada é o tempo todo cercada de mata secundária e muito arbusto, os exemplares de árvores revelam-se novos pelo diâmetro dos troncos e muitas flores pincelam em tons coloridos ambas margens da trilha. Cruzamos por baixo de um simpático aqueduto que decerto nasce da Sanepar e transporta o precioso liquido pralguma subestação da cidade.

Passando por baixo de um aqueoduto

Encontrando a trilha

Conforme se perde altitude a vegetação ressequida e seca a nossa volta vai se tornando mais verde e úmida com a proximidade do rio. Tangenciamos então uma nova abertura na mata e um alto rugido próximo, que logo se mostra um mirante do alto duma queda. Dali tenho uma bela visão das águas límpidas do Ribeirão Esperança se juntando ás do Cafezal numa ladeira lajotada pra depois despencar, da altura de 4m, num enorme poço cercado por imponente anfiteatro avermelhado de arenito e basalto.

Após algumas fotos damos continuidade ao pouco que resta de trilha, desescalaminhando com facilidade degraus de rocha, terra e raízes, até finalmente desembocar as margens do enorme lagão no sopé da queda. A queda em si é pequena, mas é o contexto no qual está inserida que lhe confere charme especial. Ali, as águas de ambos rios cavaram um largo e fundo desfiladeiro, pra depois seguir seu curso sinuosamente na direção leste. Nas margens lajotadas ou em meio as pedras há algum lixo, provavelmente dos frequentadores eventuais (pescadores) ou trazido pelas enchentes do rio. Horário? Pouco antes das 11hrs.

Obstáculos da trilha

Desescalaminhadinha bem sussi

Ficamos um pouco ali, descansando e contemplando a queda, e depois empreendemos uma breve caminhada pelo leito acidentado do Ribeirão Cafezal, curso d’água abaixo. Assim, subindo, escalaminhando e descendo pedras avançamos coisa de meio quilômetro, até dar num trecho afunilado daquele belo vale. Ali, um pequeno desfiladeiro espremia as águas em pequenas cascatas pra rio seguir seu sinuoso curso sentido sudeste.  Na margem íngreme do Cafezal havia curiosas formações que depois um amigo geólogo confirmou ser calcita, um mineral com CaCO4 que existe em rochas vulcânicas efusivas.

Vestígios de calcita

Retrocedemos então outra vez até a cachoeira e ficamos mais um tempo por lá, curtindo aquele paraíso natureba do qual éramos donos absolutos. Muito tchibum, banhos refrescantes, descanso e curtição, agora no calor sufocante do meio-dia. Sim, desta vez o rolê foi muito mais proveitoso que da vez anterior. Um lanchinho e goles de água cunharam de vez aquele momento de descanso de nossa visita descompromissada àquela bela queda urbana.

No topo da queda

Ribeirão Cafezal

Só curtição no piscinão

tchibum!

Mini-anfiteatro de basalto

Descansados, voltamos sem pressa pelo mesmo caminho. Ao sair nas proximidades da cerca reparamos outro acesso, que passava por um rombo do alambrado que cortava o mato por uma precária vereda até o milharal. Pronto, mais um acesso á queda descoberto além da “pulada de cerca” que fizemos uso. Não bastasse o tempo favorável desta vez, o milho estava em época de colheita e pudemos encher nossa mochila com o dito cujo,  trazendo mais este delicioso mimo como brinde do nosso rolezinho.

Uma vez no asfalto da PR-538 pudemos embarcar num latão que vinha dos bairros rurais ao sul e depois das 14hrs estávamos embarcando no busão rumo a casa. Satisfeitos de nosso rolezinho sabatino, prometemos retornar a esta bela cachoeira noutra ocasião. Existe a possibilidade de uma travessia de rio do Cafezal á Cachu do Tatu, situada num afluente deste primeiro, mas é algo a ser planejado devido ao relevo acidentado do rio. Ou simplesmente retornar ali apenas pra curtir um bom refrescante banho. Independente do motivo, a Cachu Cafezal é mais uma bela atração de fácil acessibilidade que, incrivelmente, até os próprios londrinenses desconhecem. E situada quase do lado de um movimentado e luxuoso shopping center no sul da cidade.

 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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